sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Dica Amazon Prime Video - ATÉ O ÚLTIMO HOMEM

Por Rafael Morais

Imagine um homem se alistar no exército americano, em plena segunda guerra mundial, com o intuito puro e simples de salvar o seu próximo. Em “Até o Último Homem” acompanhamos a trajetória, baseada em fatos, de Desmond Doss (na pele de Andrew Garfield), um religioso adventista que decide servir à sua pátria como médico no front de batalha, mas deixando clara a sua intenção de não tocar em uma arma sequer. Considerado como um dos maiores heróis de guerra dos Estados Unidos, Doss salvou mais de setenta e cinco soldados durante os sangrentos confrontos ocorridos em Okinawa. 

Com Mel Gibson na direção (indicado ao Oscar por este trabalho), identifica-se o DNA do cineasta apenas da segunda metade da projeção em diante. A obsessão por cenas gores, ultraviolência e temas sagrados: está tudo lá.  

Isto porque o filme tem ao todo cento e trinta e nove minutos de duração, mas resguarda os sessenta e nove primeiros na construção do protagonista, e tudo que lhe cerca; enquanto que nos setenta minutos restantes é reservado para mostrar o combate em si. Apesar de importante, a apresentação dos ideais do herói pacifista que se alista para lutar - oferecendo razões plausíveis para entendermos a sua motivação, bem como a sua relação com a família - os dois primeiros atos se arrastam demasiadamente para chegar naquilo que o público espera de Gibson.

Mas o cineasta entrega, como sempre entregou, e supera as expectativas. É admirável notar a visceralidade do diretor em rodar cenas de violência extrema com a mesma precisão com que confere leveza e calmaria em outras. E essa divisão no tom da história só reforça o talento do idealizador. Perceba, por exemplo, nas diversas sequências onde cabeças são estouradas e entranhas vazam de corpos, sem cerimônia, a crueza na condução de Gibson. 

Por outro lado, vemos a sua sensibilidade em enquadrar Doss como um sujeito grandioso, abençoado, diferenciado naquela guerra. E os planos em contra-plongée reforçam essa ideia (ângulo de baixo pra cima). Assim, o momento em que o soldado faz uma oração para o grupo, segurando sua pequena e inseparável bíblia, antes de mais um enfrentamento, retrata bem essa estética. Sem contar na elevação do protagonista, em dado instante apoteótico. As leituras bíblicas estão lá para quem quiser enxergar, como na passagem em que Doss “cura a cegueira” de um colega. 

No que diz respeito à escolha do elenco, Vince Vaughn não convence como sargento, emulando (ou seria homenageando?) aquele comandante hostil clássico visto em “Nascido Para Matar”, concebido por R. Lee Ermey, o que não é uma má referência. Não menos alusivo, “O Resgate do Soldado Ryan” também é sentido aqui. “Até o Último Homem” bebe na fonte de Spielberg ao inserir o espectador dentro do battlefield, entrincheirados como os combatentes. Já a decisão de trazer Garfield para o papel principal também foi certeira! O ator convence pelo olhar compassivo, pela voz baixa, tranquila e insegura, contrapondo com as suas corajosas atitudes no front

Fugindo de clichês de filmes do gênero, Gibson usa aqui e ali uma trilha sonora mais clássica, heroica, deixando por conta dos gritos de dor, tiros e explosões a composição diegética dos sons. O fato é que a biografia desse soldado é tão inverossímil que o roteiro de Robert Schenkkan e Andrew Knight tiveram que cortar algumas partes que aconteceram na vida real por serem extravagantes para a ficção. Nesse contexto, quando ao final do longa surgem os verdadeiros heróis contando e ratificando tudo o que foi visto, constatamos que realmente a arte imitou a vida. 

*Avaliação: 4,0 pipocas + 5,0 rapaduras = 9,0.

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