segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

NOS CINEMAS - Rogue One: Uma História Star Wars


Por Rafael Morais
19 de dezembro de 2016

Logo no início do episódio “IV – Uma Nova Esperança” descobrimos que a princesa Leia recebe os planos de uma potente arma, construída pelo Império, capaz de exterminar planetas inteiros. Mas como a planta dessa bomba foi parar no colo da líder da rebelião? Pronto, é aí que “Rogue One – Uma História Star Wars” entra em cena como um derivado da franquia contando a história do esquadrão de rebeldes que rouba os planos da “Estrela da Morte”, se encaixando, cronologicamente, entre os episódios III e IV. Disposto a ser um capítulo à parte, o filme tenta se desvencilhar da sequência desde a introdução. Portanto, esqueça aqueles letreiros com a fonte clássica, em amarelo negrito, subindo no estilo slide up ao som da trilha de John Williams.

Desta forma, neste prelúdio, somos apresentados a Galen Erso (Mads Mikkelsen), um notável cientista forçado a trabalhar para o Império no setor bélico, tendo a sua família dizimada por não querer contribuir com este poder sombrio que derrubara a República. Com exceção da sua filha Jyn Erso, que ainda criança foge para sobreviver, se transformando em uma rebelde nata.

Recheado de personagens, o roteiro guarda nos coadjuvantes Chirrut Îmwe (Donnie Yen), Baze Malbus (Wen Jiang) e no carismático droide K-2SO o seu trunfo, já que a protagonista Jyn, vivida pela superestimada atriz Felicity Jones, não consegue cativar o espectador (pelo menos a mim). Em momento algum sentimos a dor, ou somos convencidos da motivação da heroína, apesar de estar lá. Já Diego Luna traz uma tridimensionalidade ao seu Cassian Andor, aproveitando melhor as nuances de sua persona.

Com um segundo ato inchado, o filme se arrasta por diversos planetas, mas se fixa em Saw Guerrera (o oscarizável Forest Whitaker), um rebelde extremista, que nem mesmo a Aliança o reconhece, para traçar - com muito esforço e boa vontade do público que queira enxergar esse pano de fundo - um paralelo da guerra e suas motivações com o que vivemos hoje em dia. Afinal, os terroristas são sujeitos que não reconhecem um poder ditatorial/imperial e lutam pela sua liberdade? Ou findam paranoicos deturpando os valores e cometendo atos de extrema intolerância, muitas vezes visando assumir este poder? A linha parece tênue e dialoga com a alarmante situação atualmente, sobretudo no Oriente Médio, refletindo na América e Europa através de sucessivos atentados. Contudo, o Império em Star Wars merece ser combatido por construir, comprovadamente, uma arma de destruição em massa colocando a vida de todos em risco, já que quem discordasse dos seus objetivos seria dizimado. Ok, mas essa não era uma das desculpas utilizadas pelos Estados Unidos como subterfúgio para invadir o Iraque em 2003?

Entretanto, voltando ao filme, temos um script bem dosado na utilização de gag’s e dos elementos dramáticos, sem o surgimento de piadas deslocadas (e tem uma de humor negro impagável) ou dramalhão desnecessário. A fita é sobre guerra e tem ciência disso. Comovente também em momentos pontuais, o instante em que associamos o apelido carinhoso que um pai dar à sua filha (Galen à Jyn), com o nome de uma arma catastrófica, principal vilã, é de uma sutileza ímpar.

Por sua vez, o diretor Gareth Edwards captou a essência de Guerra nas Estrelas ao reproduzir cenários reais, animatrônicos, harmonizando com a computação gráfica clean, respeitando a essência dos personagens, em detrimento do abuso de CGI’s e um tal “Jar Jar Binks”, pecados que George Lucas cometeu nos episódios I a III. Ao desconstruir alguns mitos concebidos na trilogia clássica, como o menino Vader na pele do meigo Jake Llloyd, Lucas parece não ter se encontrado com o próprio universo que construiu: teria sido uma crise de identidade ou o interesse de caça-níquel falou mais alto?

O fato é que “Rogue One” é um prato cheio não só para os fãs do universo estendido de Star Wars, como também para os que conhecem apenas o básico. A ação é filmada com excelência tanto no ar (Tie Fighter’s e Aliança travam duelos épicos no espaço), quanto em terra firme (os At-At’s nunca foram tão ameaçadores e verossimilhantes). Inclusive, a batalha na praia é uma das cenas mais legais de toda a saga! Neste quesito, a fotografia de Graig Fraser conversa com os efeitos visuais, tornando o frame a frame lindo em cada quadro. E por mais que não vejamos jedis ou lutas de sabres, há uma atmosfera instaurada que grita Star Wars. Sentimos a presença de Obi Wan, apenas em uma rápida menção que nem sequer cita o seu nome – o serviço ao fã é a razão de existir deste spin-off - e a “Força”, como um mantra que motiva a trupe, está lá para quem quiser sentir.

Ao final, com um terceiro ato irretocável, este corajoso título resgata a essência da trilogia clássica, revigorada por uma sequência de suspense claustrofóbica com Darth Vader no centro da ação, contribuindo ainda mais para a mitologia de um dos maiores vilões da história do cinema.                           


*Avaliação: 4,0 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,0.                                                                                      

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

TEATRO - Potter

Por Rafael Morais
01 de dezembro de 2016

Ok, eu confesso: não sou fã da saga Harry Potter nos cinemas; e sou ex-aluno do Colégio Dom Quintino, com muito orgulho! Dito isso (ufa, precisava desabafar!), o Festival de Dança do DQ deste ano trouxe o tema “Potter” através de uma linda montagem teatral, capaz de nos levar do Expresso às dependências da escola de Hogwarts. Como não lembrar os irmãos Lumiére com o seu filme experimental: “A Chegada do Trem”, enquanto acompanhamos, logo no início da peça, a estação e os personagens que passamos a seguir? Para um cinéfilo, as referências pipocam na cabeça.

Assim, acostumado a assistir, todo ano, aos magníficos festivais do Colégio, percebemos a diferença no cenário, desta feita em sua maior parte digital - por meio de um enorme telão em alta resolução - o que configura um acerto por parte da direção de arte do espetáculo, afinal de contas rivalizar com as suntuosas locações dos filmes se tornaria inviável. Mesmo assim, quando surge um efeito prático, um objeto de cena físico, vislumbramos o belo trabalho do artista plástico Raimundo Dias Vieira (o talentoso Jocieldo) tomando conta do ambiente e nos imergindo ainda mais na história.

O que dizer do figurino caprichado e das cartinhas caindo do céu, literalmente, interagindo com o público a atmosfera lúdica proposta? Fantástico! E como estamos falando de um evento escolar, imagino a emoção dos pais presenciando as suas pequenas vestidas de maquinistas ou de porções mágicas: uma fofura sem tamanho!

Mérito também para a excelente escolha das canções, que passeia pela própria trilha sonora da franquia, épica por excelência, passando por um dance eletrizante, até as repaginações de Boyce Avenue, tudo na medida. Na verdade, a utilização de músicas anacrônicas, uma das características do Festival em todas as suas edições, não só auxilia na ritmização, como também empolga o espectador. Buscar regravações de um som extremamente conhecido traz frescor e jovialidade à montagem.

Contudo, como vivemos na era dos cosplay’s, gostei da entrega dos alunos ao pintarem o cabelo nas cores de suas personas, trazendo um toque de verossimilhança. Porém, senti falta do protagonista não estar com o corte /penteado parecido com o do Harry, por mais que a armação redondinha dos óculos ajude a lhe identificar. Todavia, a maquiagem merece aplausos na composição do vilão Voldemort e do elfo Dobby, especialmente.

O ballet, o jazz e a dança contemporânea são estilos muito bem representados na coreografia de Gorete Maia e Jessé Anastácio. A expressão corporal carrega vigor, paixão e sensibilidade, quando necessário. Não deve ser fácil ensaiar e controlar aquela garotada, sobretudo a ansiedade.

Por fim, as irmãs Melissa e Milena Mangueira, responsáveis pela direção geral do Festival, podem se sentir orgulhosas do trabalho realizado, pois, entre outras conquistas, conseguiram despertar em mim a vontade de dar uma segunda chance à filmografia do bruxinho. Ou será que ainda estou sob os efeitos da magia a que fui submetido no teatro há dois dias? 

*Avaliação: 5 pipocas + 5 rapaduras = nota 10.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

NOS CINEMAS - A Chegada

Por Rafael Morais
25 de novembro de 2016

“Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?”. Eis um questionamento do filósofo alemão Nietzsche que, entre tantas outras ponderações, vem a dialogar com o novo trabalho do cineasta canadense Dennis Villeneuve. Audacioso, no bom sentido, intrigante e filosófico, “A Chegada” não subestima em nenhum momento o espectador, demonstrando uma autoconfiança invejável do diretor e do roteirista Eric Heisserer, principalmente neste gênero de filme, onde o excesso de didatismo costuma imperar. 

Imagine o mundo tomado, de repente, por doze ovnis espalhados por diversos continentes. Nesse contexto, conhecemos a intérprete/linguista Louise (Amy Adams), que convocada pelo coronel Weber (Forest Whitaker) faz parte de uma equipe de cientistas, da qual também está o físico/matemático Ian (Jeremy Renner), tudo para tentar traduzir a mensagem dos visitantes inesperados. O desespero das diferentes nações diante do desconhecido, dos militares frente a uma provável ameaça e dos religiosos constatando as suas crenças caírem por terra. Afinal, o que eles querem de nós? Essa é a premissa do longa, capaz de prender a nossa atenção do início ao fim. E muito se deve ao talento de Villeneuve ao abordar a linguagem como força motriz do filme, inclusive a cinematográfica, o que faz com maestria. Brincar com uma montagem não linear, tal qual o conceito de palíndromo (frase ou palavra que se pode ler, indiferentemente, da esquerda para a direita ou vice-versa), criando uma identidade harmônica com o que está sendo visto. 

Assim, instigar o público, já curioso por natureza, se torna uma arma (ou seria ferramenta?) na mão do idealizador. Perceba a curiosidade superficial dos personagens em saber o formato dos alienígenas, pelo menos em dois momentos, identificando-se com a do espectador, freando a expectativa e colocando mais suspense no que está por vir: “Eles possuem boca?”, pergunta Louise ao coronel num primeiro momento, sendo abruptamente desconversada pelo militar; “como eles são?”, pergunta Ian a um dos cientistas; “você vai já ver”, responde antes de entrar na câmara. Para quem conhece as outras obras do cineasta, fica fácil observar as semelhanças entre elas. A alta dose de tensão empregada na sequência do carro em “Sicario: Terra de Ninguém” lembra o primeiro encontro dos cientistas com os alienígenas, tudo na perspectiva de Louise. Respiração ofegante, preparação angustiante e esta tensão crescente são digitais do idealizador, tudo somado a lindos planos aéreos, que servem não somente para nos ambientar na geografia do local, como também para lembrar o quão efêmeros somos. E a música de Jóhann Jóhannsson, parceiro habitual na filmografia do canadense, é forjada com os próprios elementos da narrativa, através dos sons emitidos pelos aliens - lembrando “Sinais” do Shyamalan, neste aspecto - compondo a trilha ideal para o clímax. 

Dono de uma fotografia incrível, com referências diretas a “Contato” e “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, sem esquecer “Solaris” e “Interestelar”, o filme sabe onde está pisando, deixando o seu recado para quem quiser ouvir, ou sentir seria mais apropriado?! O fato é que neste misto de suspense com sci-fi há espaço para abordar temas primordiais, principalmente nos dias atuais, tais como: a importância de uma boa comunicação, a utópica união entre os povos, solidariedade, altruísmo, entre outros. Tudo isso sem soar piegas! 

Deste modo, o peso no drama da protagonista é essencial para que compreendamos o sentido da mensagem, tudo construído por elipses que captam os principais momentos de mãe e filha, numa sequência de abertura que lembra um misto de “Up” com “Árvore da Vida”. Aliás, Terrence Mallick pode ser sentido em diversas cenas da fita, desde o toque de um empolgado cientista na concha (como chamam o ovni), bem intimista, até nos enquadramentos que miram a natureza. Ao final, assim como a protagonista se desfez das suas pesadas vestimentas para conseguir se comunicar, dispa-se dos preconceitos, dos estereótipos, e encare o novo: vá ao cinema e experiencie um dos melhores filmes do ano!
*Avaliação: 5 pipocas + 5 rapaduras = nota 10.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

NOS CINEMAS - Doutor Estranho

Por Rafael Morais
17 de novembro de 2016

"Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia". Essa clássica frase do escritor William Shakespeare poderia resumir a mais nova adaptação da Marvel para os cinemas, só que não! Este "Doutor Estranho" fica no meio do caminho e não consegue sair da zona de conforto cinematográfica em que o estúdio tem se ancorado. A tal fórmula do humor empurrado goela  abaixo já passa a incomodar, somado à ausência de urgência/perigo a qual os personagens da Marvel/Disney nunca passaram verdadeiramente. 

A trama da vez gira em torno de um médico arrogante, Stephen Strange (o sempre ótimo e carismático Benedict Cumberbatch), que se vê incapacitado após um acidente de carro. Assim, Strange busca se recuperar de todas as maneiras possíveis, indo parar em Katmandu, onde encontra a “Anciã” (Tilda Swinton desfilando sua versatilidade), através de “Mordo” (Chiwetel Ejiofor). O primeiro ato nos dar a falsa sensação de estarmos diante de algo diferente, principalmente quando somos apresentados a um protagonista sequelado após este grave acidente. O estado das suas mãos e o rosto desfigurado destoa dos filmes de heróis ao qual estamos acostumados. E o diretor Scott Derrickson enquadra com excelência a nova situação de Strange, limitado e angustiado, numa tomada frontal, em primeira pessoa, onde os braços estirados do herói nos colocam numa posição desconfortável, tal qual aquela em que ele vive. O gore está lá, na medida, mas não se anime, pois ele vai desaparecer. 

O fato é que o currículo do cineasta em fitas de terror (“O Exorcismo de Emily Rose”, entre outros) me fez acreditar, previamente, em uma atmosfera sombria, diferente da aquarela que acabou pintando a fotografia do filme. Contudo, para não soar como um desastre completo, a divertida película se destaca em três sequências extremamente bem conduzidas: a iniciação do herói no mundo místico - que explodirá a sua cabeça, sobretudo se assistida em IMAX - precedida de um excelente diálogo com a Anciã; a luta de Estranho com um clã de magos do mal, liderados por Kaecilius (Mads Mikkelsen sendo o Hannibal de sempre), claramente sugada de “A Origem/Inception”, onde o personagem de Joseph Gordon Levitt luta com capangas, em gravidade zero, aqui elevado à enésima potência; e a utilização do “Olho de Agamotto” (uma das tais joias do infinito) no desfecho, ocasião em que o tempo volta em slow motion enquanto a porrada come solta. Aliás, apesar de inúmeros poderes e armas místicas, a boa e velha pancadaria é a solução encontrada pelos magos durante o enfrentamento, o que nos causa estranheza pela falta de criatividade. 

Furos estes que o roteiro escancara ao espectador, sem parcimônia. Observe a necessidade de tudo girar em torno do hospital onde o protagonista trabalha, até mesmo quando este precisa de uma cirurgia delicada e é o seu pior rival, frequentemente humilhado por sua falta de perícia, quem vai realizar o procedimento. E o livro sagrado, objeto importantíssimo, facilmente roubado na abertura do filme pela gangue de Kaecilius? Faltou uma vigilância redobrada ali, ou a Anciã (que já deveria estar “careca de saber”, com a licença do trocadilho) é inexperiente demais para não perceber que isso poderia acontecer? 

Voltando aos aspectos positivos (juro que estou tentando), a trilha sonora, por sua vez, equaliza o tom aventuresco, configurando um acerto dentro da proposta. Repare que o arco do herói, perfeitamente traçado em todos os filmes do gênero, ganha contornos apoteóticos na composição de Michael Giacchino. Por outro lado, parte do elenco, mal aproveitado, traz coadjuvantes sem graça, que vão desde um interesse amoroso sem sal (Rachel McAdams, o que aconteceu com a senhorita depois de o “Diário de uma Paixão”?) a vilões descartáveis e amigos questionáveis. Enfim, não rolou pra mim! Pode ser que a minha expectativa estivesse voltada a mais psicodelias e pirações estranhas, não limitada apenas ao sobrenome do personagem-título.

*Avaliação: 3,0 pipocas + 2,5 rapaduras = nota 5,5.   

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

NOS CINEMAS - O Shaolin do Sertão

Por Rafael Morais
24 de outubro de 2016

Quando "Kung Pow" encontra a molecagem cearense! Assim poderíamos resumir este novo trabalho do cineasta Halder Gomes, o mesmo responsável pelo sucesso de "Cine Holliúdy". Homenageando os filmes japoneses de arte marcial (é chinês, mah!), ops, chineses, "O Shaolin do Sertão" parodia o gênero empregando uma linguagem regionalista, o "cearensês". Neste sentido, a falta de legenda para traduzir o nosso linguajar típico pode prejudicar outras audiências Brasil afora. Assim, em determinadas cenas, até mesmo quem é da região pode se perder tamanha a rapidez na expressão do dialeto, como na sequência em que o protagonista “dialoga” com o seu amigo inseparável, na garupa de uma bicicleta, em busca de um mestre para treiná-lo.

Desta vez, conhecemos a arrumação do padeiro Aluisio Li (Edmilson Filho), um cabra amante do Kung Fu, doidim por filmes de pêia, como aqueles do Bruce Lee. Disposto a enfrentar um valentão, "Tony Tora Pleura" (Fabio Goulart), que desafia qualquer um por cidades interioranas, Li busca aprimorar os seus conhecimentos marciais, até então restritos à imaginação, chegando ao trambiqueiro/mestre Wilson (Falcão e suas filosofias falconéticas) na pele de um chinês fajuto.

Estamos na cidade de Quixadá dos anos 80. Lugar de clima árido, poucos recursos, mas que esconde verdadeiras figuras estereotipadas com precisão por Halder. O político ganancioso, sua esposa viciada em leite condensado (naquela época essa iguaria era restrita àqueles que possuíam muito dinheiro), o assessor com jeitinho afeminado, o bêbado, o palhaço, o valente, o padeiro, a filha do padeiro... Enfim, toda aquela gama de sujeitos, que fazem parte do imaginário popular, está inserida em um roteiro fiel ao contexto histórico, sobretudo aos causos populares. Quem, por exemplo, nunca ouviu falar nesses circos itinerantes que rondavam os interiores com atrações bizarras? Ainda mais quando os lutadores de vale-tudo estavam em decadência e procuravam uma forma de se sustentar financeiramente, além de dar uma renovada na autoestima por ser o mais valente da região. Ainda sobre o script, mesmo que haja uma iniciativa em desenvolver uma crítica ao jeito de se fazer política por aqui, tentando criar mais uma camada, tal pretensão se desfaz ao longo do filme, ficando na superficialidade.

Quanto ao quesito técnico, o filme demonstra um avanço significativo com relação ao antecessor: fotografia caprichada, direção de arte afinada, montagem dinâmica e até mesmo a direção de Halder passou por um aprimoramento. O elenco, bem escolhido, também está em sintonia, porém, a utilização de muitos personagens empalideceu a participação de Dedé Santana, o eterno trapalhão, deixando de explorar a sua principal característica de servir como “escada” para as piadas prontas. Destaque para Piolho (o ator mirim Igor Jansen), assessor de Li para assuntos aleatórios, o menino acompanha o herói em todos os lugares arrancando risadas fáceis com o seu jeito espontâneo de narrar uma história ou “incentivar moralmente” o amigo nos momentos mais difíceis. Sem dúvida, um verdadeiro achado para o cinema nacional! E o que dizer do fanho interpretado por Haroldo Guimarães?! O cara simplesmente rouba a cena toda vez que surge em tela, assim como fez em Cine Holliúdy. Já Tirulipa achou melhor (não sei se por escolha própria ou do diretor) ficar na zona de conforto ao homenagear o pai, Tiririca, quando era palhaço no início da carreira, reproduzindo-o “esculpido em Carrara”, o que não deixa de ser hilário!

Deste modo, como bom cinéfilo que se preze, o diretor não perde tempo em prestigiar suas memórias afetivas quando emula a projeção do VHS sempre que Aluisio Li sonha estar dentro de algum destes filmes com o título ou subtítulo de Dragão. A metalinguagem continua sendo explorada com eficiência pelo idealizador. As referências vão de Mazzaropi a Ariano Suassuna, de Chaplin passando por Tarantino com um toque de contemporaneidade na violência gráfica. Na verdade, o tom lúdico das lutas traz frescor à película e evidencia o propósito do cineasta em fazer um filme sobre memórias, jamais puramente de ação, apesar de se sair bem neste aspecto. Observem a cena do bar: enquanto a pêia come solta, a trilha sonora diegética (construída pelo som ambiente) da sequência, é composta por uma bandinha de forró pé-de-serra com Dorgival Dantas no comando de uma sanfona. Isso traz à tona o tipo de cinema que Halder deseja fazer, e que vem dando certo: um liquidificador de guloseimas pop estrangeiras batidas com pitadas de rapadura e um punhado de baião de dois.

E se o resultado funciona, muito se deve à entrega de Edmilson Filho ao seu herói improvável. Apesar de o ator já ser um lutador, e isso ajuda nas coreografias (arquitetadas por ele, inclusive), é na expressão física/corporal, emocional e no suor, literalmente, que o protagonista ganha o público. Edmilson traz humanidade ao seu Aluisio na ânsia de ser um vitorioso, no que pese virar alvo de piada na cidade inteira. O sujeito é arengado - sofre bullying, nos termos atuais - por todos constantemente e nem por isso deixa de acreditar nos seus sonhos. Piegas, todavia uma realidade dos sertanejos forjados nas adversidades climáticas, nas desigualdades sociais, e que nem por isso deixam de driblar estas situações com o bom humor nato! Que venham mais Shaolins e Holliúdys, à la nosso cinema paradiso da Praça do Ferreira; que venham mais Aluisios e Francisgleidsons para nos fazer torar a pleura de tanto rir!

*Avaliação:5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.

domingo, 2 de outubro de 2016

NOS CINEMAS - Sete Homens e Um Destino


Por Rafael Morais
02 de outubro de 2016

Depois do aclamado “Dia de Treinamento” e o medíocre “O Protetor”, chegamos à terceira parceria entre o diretor Antoine Fuqua e Denzel Washington nesse “Sete Homens e Um Destino”. Remake do remake - sim, trata-se de uma regravação do filme de 1960 que, por sua vez, adaptou o clássico “Sete Samurais” de Akira Kurosawa – o longa conta a história dos habitantes de um pequeno vilarejo que sofrem com os constantes ataques de um bando de pistoleiros. Revoltada com os saques, Emma Cullen (Haley Bennett) deseja justiça e pede auxílio ao pistoleiro Sam Chisolm (Denzel Washington), que reúne um grupo de especialistas para contra-atacar os bandidos. Baseado nesta premissa, conhecemos, paulatinamente, os personagens-título através de pequenas apresentações, como a do charlatão Faraday (Chris Pratt) que surge num típico Saloon jogando o seu baralho. 

Na verdade, o recrutamento de Chisolm para reunir a trupe transforma o filme numa espécie de road movie, conferindo dinâmica à montagem, sem jamais nos deixar enfadados nas duas horas de projeção. Deste modo, dada a química entre o ator e o cineasta, ficou fácil para Fuqua enquadrar o protagonista por diversos ângulos, sobretudo na utilização de inúmeros contra-plongée (ou “câmera baixa”; posiciona a lente de baixo pra cima) demonstrando o acerto na linguagem narrativa proposta: engrandecer e dar superioridade ao “mocinho” nas telas conforta o público. 

Neste ponto, o roteiro também acerta ao apresentar um vilão alegórico, caricatural, propositalmente composto por Peter Sarsgaard. Um cara inescrupuloso, corrompido pela ganância, de olhar perturbador e cabelos meticulosamente penteados (para não dizer lambidos). É a típica antítese que a história precisava, tamanha a nocividade do sujeito e o seu exército: igrejas incendiadas, cidadãos assassinados covardemente e crianças ameaçadas são apenas alguns dos modus operandi

Outro destaque desta regravação se encontra na representação da diversidade de gêneros no grupo, principalmente das minorias. Temos um negro liderando um índio (Martin Sensmeier), um latino (Manuel Garcia-Rulfo) e até um asiático atirador de facas (Byung-Hun Lee) e, claro, todos contratados por uma mulher! Sim, a personagem feminina forte da vez não deixa de chorar um só instante que surge em tela, porém, compensa a lágrima com muita bala nos inimigos. E por falar em tiros, assistir no formato IMAX, no “ponto G” da sala de cinema, trouxe uma agradável experiência de estar no meio dos tiroteios, entre os diálogos dos personagens, nos colocando no centro do caos, como se fôssemos mais uma habitante daquela cidadezinha. Ponto para o design de som e direção de arte, impecáveis! 

Assim, ao passo que há metalinguagem na questão visual do faroeste, atendendo aos requisitos da convenção quando foca no embate de quem saca a arma primeiro, na constante utilização da câmera no chão para enfocar o duelo, até mesmo na fotografia ensolarada, o filme aborda, mesmo que superficialmente, a complexidade daqueles sujeitos que estão prestes a dar sua vida numa missão quase suicida. O personagem de Ethan Hawk (Goodnight) adiciona camadas à figura máscula e destemida do cowboy, bem como Jack Horne (vivido pelo metódico Vincent D’Onofrio), cuja mansidão na voz que, teima em recitar versos bíblicos, esconde a sua fortaleza selvagem. 

De outra parte, a concepção de uma trilha sonora que não usa os clichês esperados, tais como assobios, pássaros, entre outros, diegeticamente perfeitos neste cenário, evidencia uma inovação na forma de enxergar o “novo” velho oeste. Mesmo assim, ainda prefiro as composições de Ennio Morricone, sem dúvida! 

Enfim, este “Sete Homens e um Destino” ainda nos reserva duas sequências de ação de tirar o fôlego, com direito a ótimos dublês que despencam do telhado e tudo mais que temos direito neste gênero de filme. Vale o ingresso!

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,0.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - Cegonhas

Por Rafael Morais
29 de setembro de 2016

Por incrível que pareça “Cegonhas” é apenas a segunda produção da Warner Animation Group, depois do sucesso de “Uma Aventura Lego”. Aliás, o curta-metragem exibido na prévia, também no formato Lego, é hilário ao homenagear os filmes de arte marcial: uma excelente entrada para o “prato principal” que estava por vir. Abraçando o nonsense desde o início, o longa nos apresenta o universo fantástico onde as aves são responsáveis, literalmente, não só pela concepção, como também pela entrega de bebês humanos. 

Neste contexto surreal, conhecemos Junior (na voz de Kleber Toledo), um aspirante a chefe na empresa de entregas do ambicioso diretor Hunter, um executivo que se aproveita das habilidades de seus pares para abrir um enorme negócio, substituindo o dom natural dos bichos de entregar crianças para o ramo de entrega de objetos, fazendo alusão direta a estes sites de compras na internet (e-commerce). Na busca pela promoção, Junior tem que lidar com Tulipa, uma órfã humana que, por um erro de execução não foi entregue aos seus pais, acabou crescendo em meio às cegonhas. 

Mas a guinada na história ocorre quando Nate, um menino solitário cujos pais não lhe dão a atenção devida por conta do trabalho, escreve uma carta à empresa pedindo um irmãozinho. Por acidente, o bebê é criado e o fardo de entregá-lo, secretamente, recai sobre Junior e Tulipa. Vivendo altas aventuras e confusões (sim, utilizei o clássico jargão das sessões da tarde), a improvável dupla enfrenta alguns sub-vilões, como a alcateia liderada pelos lobos “Alfa e Beta”. Engraçadíssimos, estas ameaças mais divertem do que causam perigo. Interessante notar a habilidade dos diretores Nicholas Stoller e Doug Sweetland em compor as piadas até em situações tensas como nas perseguições alucinantes, por exemplo. Toda vez que os lobos põem em prática a capacidade de, coletivamente, se transformar em qualquer estrutura, seja um submarino ou um carro, nos sentimos cada vez mais imersos naquele mundo desprovido das leis da física, flertando com o absurdo, do jeito que as animações costumavam ser. Claro, tudo isso antes do “sombrio e realista” tomar o espaço do nosso jeitão oitentista de nos divertir. Assim, desenhos como “Papaléguas” e “Looney Tunes” podem ter servido de inspiração nas gag’s visuais do filme. 

Além da montagem orgânica - imprimindo um ritmo gradual à película animada - outro ponto alto é o ótimo roteiro capaz de prender a atenção do espectador, adulto ou criança, distribuindo bom humor para todos os gostos, através de diálogos inteligentes, que nunca subestimam o seu público. 

Não menos sagaz é o modo com que temas complexos são suavemente abordados: discussões de casais nos entraves do dia a dia; as diversas situações enfrentadas em um local de trabalho; a falta de tempo de jovens pais, principalmente os que trabalham em casa (home office), tendo que dividir sua atenção com as tarefas e o filho; a cobrança da criança pela presença dos pais no lazer; os primeiros dias de adaptação de um bebê, quando os pais tentam de tudo para fazê-lo dormir; a mercantilização dos valores humanos, na figura do megaempresário Hunter, entre outras investidas. 

Desta forma, mais um personagem que merece destaque é o Pombo Luke (interpretado por Marco Luque). Representando o famoso estereótipo do “puxa-saco” dentro de uma empresa, Luke, dono de uma voz irritantemente carismática e imaginação fértil, é o coadjuvante ideal que arranca risos fáceis sempre quando surge em cena. E por falar em risada, a inspirada sequência da luta em profundo silêncio, para não acordar o bebê, de Junior e Tulipa contra uma turma de pinguins é um daqueles momentos capazes de diferenciar um filme acima da média dos demais. Simplesmente sensacional! 

Fotografado com maestria por Simon Dunsdon, “Cegonhas” ainda nos presenteia com belas imagens, como a revoada dos pássaros ao final, cobrindo o céu, lindamente azul, entregando um típico “feel good movie”, daqueles que você sai da sala de cinema tão leve quanto os personagens-título.     

*Avaliação: 5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.    

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - Café Society

Por Rafael Morais
26 de setembro de 2016

Woody Allen volta a falar sobre o acaso - pouco inspirado, desta vez - em mais uma de suas comédias dramáticas. Banhado por uma fotografia solar de Vittorio Storaro, condizente com a Los Angeles dourada apresentada (também uma referência à era de ouro do cinema americano dos anos 30), o filme introduz o seu protagonista Bobby (Jesse Eisenberg) como um estereótipo de seu criador: repare nos trejeitos e caracterização do personagem que quase emula os de Allen. Se toda criatura tem um pouco de quem o concebeu, não é por acaso o fato de Bobby falar rápido, ter uma postura insegura, soltar frases paradoxais e existenciais. 

Na verdade, não precisa se esforçar para perceber que estamos diante de uma obra de Woody Allen. A identidade visual e sonora são uma de suas marcas cinematográficas. Observe já na abertura, com a tela preta e letreiros na cor branca, sempre na mesma fonte, acompanhada por jazz casual ao fundo: já sabemos quem assinou a obra. E quando os diálogos surgem, berram: "Allen, Allen". Como sou admirador do cineasta, já me entreguei, de cara, a mais um episódio proveniente de sua cabeça efervescentemente inquieta. 

Desta vez, acompanhamos um pouco dos bastidores da indústria do cinema como pano de fundo de uma historia de amor que envolve ganância, intriga e dilemas existenciais, como não poderia deixar de ser. Nesta situação, somos apresentados a um importante agenciador de atores na figura de Phill (Steve Carrel). Desde o princípio, a imponência deste personagem está estampada em tudo à sua volta. O plano-sequência que abre o longa mostra Phill sendo chamado para atender a um telefonema, tendo que se ausentar de uma luxuosa festa à beira de uma piscina, cercado por astros e estrelas da sétima arte. Do outro lado da linha, sua humilde irmã (Jude Davis), lhe roga um favor: que acolha o sobrinho Bobby, desempregado, na cidade e lhe ofereça uma oportunidade de trabalho. A partir desta cena é notória a preocupação da obra em dualizar os dois mundos desta mesma família: se por um lado Phill vive mergulhado num universo caloroso, quente e solar, que remete ao conforto; seus irmãos, que possuem condições financeiras diametralmente opostas, acabam refletidos em ambientes de paleta fria, sem cores vibrantes, demonstrando um cotidiano normal, quase que sem graça. 

Neste sentido, toda vez que Phill surge em cena, os cenários que lhes cerca são imensos, sempre com espaço sobrando, tomado por móveis lustrados e figurinos impecáveis. De outra parte, a sua humilde família é sempre enquadrada em locais apertados, móveis simples e figurinos triviais. Com a exceção de Ben (Corey Stoll), o gângster deslocado. Mas a ideia realmente é essa: destacar as duas personas, Phill e Bobby, daquela “pacata” linhagem. O extraordinário salta aos olhos do cineasta. 

Mas o filme tenta ganhar fôlego com a chegada do sobrinho ao mundo novo apresentado. Narrando os desafios e desilusões amorosas de um jovem “inocente” conhecendo a realidade pelos olhos de Vonnie (Kristen Stewart), a secretária de Phill, o roteiro tende a “novelizar” demais as situações, sem contar com uma estranha (para não dizer desnecessária) narração em off do próprio diretor.  Aliás, a falta de expressão de Stewart incomoda ao ponto de não entendermos como ela despertou a paixão de Bobby. E o pior: o filme homenageia, aqui e acolá, algumas das grandes atrizes de Hollywood, como Gloria Swanson, por exemplo. Deste modo, escalar Stewart se tornou um erro de casting, já que mais tarde entra em cena a talentosa Blake Lively (Veronica) desfilando carisma, dona de uma beleza elegante, condizente com o glamour da época. 

Mesmo torcendo contra o casal principal (e o não se importar com o desfecho dos protagonistas acaba se refletindo num pálido final), que vivem um relacionamento obsessivo, o público tende a se apegar a qualquer coisa para não perder o foco, uma vez que o desenvolvimento dos personagens é sofrível. Assim, a Nova York filmada no pôr do sol é deslumbrante (assim como em Manhattan) ao ponto de nos esquecermos, por um instante, da efemeridade do que está sendo falado, para nos flagrarmos encantados com a estética da composição: a embalagem vencendo o conteúdo, o que é raro na filmografia do idealizador.

*Avaliação: 2,5 pipocas + 3 rapaduras = nota 5,5 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - O Homem nas Trevas

Por Rafael Morais
19 de setembro de 2016

O cineasta uruguaio Fede Alvarez despontou para os holofotes hollywoodianos com o curta “Ataque de Pânico” lançado no Youtube há 07 anos. Não demorou a Sam Raimi apresentar o novel diretor em um projeto ousado, mas que deu muito certo: regravar o cultuado “Evil Dead” (traduzido por aqui como “A Morte do Demônio”). E a aposta em Alvarez vem dando ótimos frutos: o remake se saiu bem na crítica e público ao ponto de alavancá-lo a outros trabalhos. Chegamos, assim, a este "O Homem nas Trevas" com a expectativa nas alturas. Entretanto, devido a um roteiro pífio, o resultado não atinge o nível esperado, por mais que o diretor deixe o seu “DNA esparramado” em cada frame (sim, esta expressão faz referência a uma determinada cena do filme). 

O argumento, por sua vez, é bastante simples: um grupo de jovens ladrões decide furtar a casa de um idoso, cego, reformado do exército. Segundo relatos, a vítima mora sozinha e estaria guardando em sua casa uma bolada em dinheiro vivo proveniente de uma indenização judicial. Mas o que seria um sonho se torna um pesadelo para os delinquentes quando se veem trancafiados com um sujeito repleto de mágoa, forte e raivoso, tal qual o seu cão. Aliás, a homenagem a "Cujo" - obra de Stephen King adaptada para home video que alegrou as minhas tardes de cine trash na infância - está explícita para quem quiser enxergar (desculpe o trocadilho novamente). 

Abraçando os clichês do gênero, que vão desde as tomadas de decisões imbecis a não dar o "tiro de misericórdia/golpe final" no vilão, entre outras, para não entregar trechos importantes do filme, Alvarez capricha mesmo é na linguagem narrativa, entregando ótimas rimas visuais. Esqueça a cafonice da joaninha, por favor. Repare no plano-sequência empregado após a invasão da residência: um take sem corte capaz de situar o espectador no enorme cenário. A câmera passeia pelos cômodos entregando detalhes, armadilhas e objetos que serão essenciais no decorrer da película: revólver embaixo da cama, martelo acima da bancada, entre outros. 

Outro destaque do filme fica por conta do orgânico design e mixagem de som. Com o volume no talo, tal qual a crescente tensão, sentimos a nossa audição tão aguçada quando à de um deficiente visual. Qualquer barulhinho é captado pela técnica e introduzido nos momentos adequados, com maestria e sensibilidade, provocando a imediata sensação de angústia tanto nos personagens quanto no espectador. 

Por outro lado, esse quesito evidencia um dos buracos do pálido roteiro, já que o homem cego (sim, o vilão não tem nome), em determinados instantes, não consegue sequer notar que tem alguém bem na sua frente, enquanto em outros sente até o cheiro do chulé dos bandidos, nos fazendo concluir que o olfato do sujeito é mais apurado que sua audição. 

Falhando também na tentativa de aproximar o anti-herói do público, a obra não consegue nos fazer se importar com o desfecho da personagem feminina Rocky (Jane Levy), mesmo se utilizando de uma criança para justificar os seus fins, o que só demonstra um pretexto rasteiro para uma ladra extremamente gananciosa cometer os seus crimes. Não colou! 

Já a ambientação em Detroit combina com a atmosfera sugerida, uma vez que a cidade foi assolada pela crise financeira em 2008. E nesse propício contexto, somos apresentados a Stephen Lang compondo um homem de físico imponente, transpirando ameaça, mesmo sem enxergar, desprovido de remorso, que teima em não abandonar o seu bairro, como fizeram os seus vizinhos, e com o senso de justiça claramente deturpado, ficando somente a cargo da reviravolta (plot twist) o elemento capaz de colocá-lo na posição de vilão/monstro.  

Contudo, felizmente, o talento do cineasta para filmar o horror se sobressai. O gore está na medida, na linha tênue entre o escatológico, como deve ser. Observe os enquadramentos fechados (close) nos semblantes de agonia das vítimas indefesas, bem como na utilização dos efeitos de “zoom out” e “dolly in” (truques na lente da câmera capazes de alterar o comprimento focal e distanciamento do fundo) servindo para encarcerar ainda mais os personagens, trazer senso de urgência e/ou desorientação. Hitchcok fez escola e Alvarez aprendeu direitinho!

* Avaliação: 3,5 pipocas + 3,0 rapaduras = nota 6,5.                    

terça-feira, 6 de setembro de 2016

NOS CINEMAS: Star Trek - Sem Fronteiras

Por Rafael Morais
06 de setembro de 2016

Uma trilogia se fecha ao passo que um universo de possibilidades se abre: essa é a sensação deixada após a sessão de "Star Trek - Sem Fronteiras", ratificada pelo próprio subtítulo. O segredo do sucesso no ressurgimento da franquia pode residir, entre diversos fatores, na química do elenco formado por um seguro Chris Pine, cada vez mais à vontade no seu Capitão Kirk; um Zachary Quinto sempre inspirado, que constrói o seu Spock com a complexidade necessária de um ser meio vulcano, meio homem; sem esquecer os demais integrantes da Enterprise: como o carismático Sulu (John Cho), o russo Chekov (Anton Yelchin, precocemente falecido após as filmagens), Uhura (Zoe Saldana), o engenheiro Scott (Simon Pegg, também responsável pelo roteiro), fechando com o doutor “Magro” (o polivalente Karl Urban) o alívio cômico sempre bem-vindo. A propósito, o humor está bem empregado durante toda a película, seja através de gags visuais ou diálogos expositivos. 

Neste episódio, a tripulação da Enterprise encontra-se no terceiro ano da missão de exploração do espaço prevista para durar cinco anos. O ato de humanidade do capitão Kirk, curioso por novas descobertas (o que move toda a trilogia), põe toda a tripulação em perigo ao atender a um pedido de socorro, o que acaba os ligando ao vilão Krall (Idris Elba), um insurgente, anti-Frota Estelar, interessado em um objeto de posse do líder da nave. Com o ataque à Enterprise (não é spoiler, está nos trailers) todos vão parar em um planeta desconhecido, onde o grupo acaba sendo dividido em duplas. 

Sendo assim, o roteiro sagaz de Simon Pegg é simples, mas não simplista, sendo evidenciado pelo ótimo ritmo imposto ao longa. E a ideia de dividir a turma em duplas confere uma dinâmica à montagem, ainda sobrando tempo para nos apresentar a novos personagens, como a exótica guerreira Jaylah (Sofia Boutella). Se durante as eficientes cenas de ação, a pancadaria nos prende à tela, quando há uma pausa para desenvolver os personagens, o filme consegue, com o mesmo êxito, envolver o público a se importar com o destino dos protagonistas. E por falar em ação, o diretor Justin Lin, que já comandou um capítulo da franquia "Velozes e Furiosos", põe toda o seu know-how à disposição e manda ver no tiro, porrada e bomba, literalmente. Pena que nas sequências iniciais de ação, a escolha por coreografar as lutas tão de perto, praticamente em close-up, confunde a geografia da cena, fazendo com que o espectador se perca e não saiba sequer quem levou um soco, deixou cair a arma, ou até mesmo quem morreu. Talvez o uso de uma panorâmica, ou ângulos mais abertos, aqui e acolá, como fez o brilhante antecessor J.J. Abrams, fosse a decisão mais acertada. 

Sorte que do 2° ato em diante o idealizador parece acertar na misancene, bem como no equilíbrio das cores. Perceba a excessiva escuridão nos takes que se passam à noite: com o passar da projeção a saturação vai se corrigindo e a fotografia, agora ajustada com a paleta, vai tornando o filme cada vez mais bonito. Por outro lado, a música Sabotage dos Beastie Boys, pontualmente inserida durante a catarse, rouba a cena na melhor e mais empolgante sequência do cinema 2016, até agora. Será que ainda há chance do Rock’n Roll “salvar o universo”? 

Mas como dizem os fãs da mitologia de Star Trek desde a antológica série de TV (e confesso que não me incluo nesse seleto grupo), é no conteúdo científico, no tom familiar, leve, mas não menos inteligente e ávido por exploração que o universo trakkie se interessa. Dentro desse contexto, a emocionante homenagem a Leonard Nimoy (o eterno embaixador Spock da série clássica), não só reverencia o original, mas mira o futuro demonstrando respeito ao cânone estabelecido. Aqui, o apelo comercial não tem vez, embora o sucesso de renda nas bilheterias dite se haverá ou não mais capítulos rumo à fronteira final, se é que ela existe. Por enquanto, fico na torcida por mais diários de bordo da frota estelar...

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,0.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

NOS CINEMAS - Pets: A Vida Secreta dos Bichos

Por Rafael Morais
31 de agosto de 2016

Vendido como uma animação de pano de fundo minimalista, soando intimista e despretensioso (basta ver o trailer), “Pets – A Vida Secreta dos Bichos” chegou disposto a mostrar o outro lado da vida dos bichos quando estão longe de seus donos, tal qual “Toy Story”. Sim, a referência a Woody, Buzz e sua turma está lá escancarada para quem quiser ver. Sorte que homenagear e tomar como referência obras renomadas como as da Pixar é um grande acerto do novel, mas, não menos promissor estúdio: Illumination Entertainment. Responsável pela criação da franquia “Meu Malvado Favorito”, e, consequentemente, o sucesso que são os “Minions”, o estúdio chegou para ficar ao apresentar uma proposta diferente da concorrente: a diversão acima de tudo! E o termo entretenimento cunhado em seu próprio nome não é à toa. Digo isso não como demérito, apenas talvez eu esteja acostumado com produções que tenham algo a mais a oferecer, como “Divertidamente”, “Wall-E” e o próprio “Toy Story”, por exemplo. 

Aqui em “Pets”, a Illumination teve essa chance de mesclar a emoção do drama com a comédia/ação, contudo, o resultado ainda não parecer estar balanceado. Perceba que em uma determinado cena da película, quando uma personagem encontra o seu grande amor, a frieza representada neste esperado momento frustra o espectador ansioso por sentir outras emoções que não apenas gargalhar. Aliás, o curta-metragem “Minions Jardineiros”, apresentado antes do filme, é hilário! Muitos adultos que estavam na minha sessão gargalhavam alto, alguns até choravam de tanto rir. 

Voltando à animação, o universo microcosmo sugerido nas prévias, como se todo o longa fosse se passar ali na vida cotidiana dos prédios e apartamentos circunvizinhos não representa 20% do filme, infelizmente. Confesso que isso frustrou um pouco a minha expectativa, pois, constatei, já no final do primeiro ato, que aquele não era o filme que imaginava. De coração aberto, mesmo contrariado, resolvi seguir em frente, o que, para minha alegria, tive ótimas surpresas. 

A história conta a vida de Max (narrado pelo sempre competente Danton Mello), um cãozinho que foi adotado desde novo, e que não demora até ganhar a presença de um “irmãozinho”, Duke (Tiago Abravanel), também adotado, que chega para disputar o espaço, literalmente, e a atenção de sua dona. Nesse meio tempo, enquanto rolam as desventuras dos protagonistas, culminando com o sumiço de ambos após uma confusão, conhecemos os outros personagens que circundam o núcleo de Max, como: a romântica Gigi, a gatinha Chloe, o gavião Tiberius, o salsichinha Buddy, entre outros. 

Assim, enquanto o argumento estampado no trailer se esvai - “Já imaginou o que os bichinhos de estimação fazem enquanto seus donos estão fora? Uns assaltam a geladeira, outros ouvem heavy metal e até jogam videogame – os diretores Chris Renaud e Yarrow Cheney se desdobram em criatividade para prender a atenção do público ao utilizarem excelentes referências sonoras e cinematográficas. Observe no quarto do passarinho que há um apropriado pôster de “Pássaros” de Alfred Hitchcok. Também encontramos homenagem ao game “Super Mario Bros”, além da inserção de músicas empolgantes como: "Happy" do “Pharrel Williams” (já tocada em “Meu Malvado Favorito”) e uma versão estranhamente repaginada de Stayin’ Alive dos “Bee Gees” que surgem durante a divertida animação. Sem contar o rock pauleira do poodle Leonardo ouvindo o seu “System of a Down”. Roubou a cena! 

Não menos surpreendente é o vilão na pele de um nervoso coelhinho chamado "Bola de Neve". Com os seus ideais deturpados por ter sido abandonado pelo seu dono (lembrando a composição e motivações do urso Lotso em “Toy Story 3”), o coelhinho nutre mágoa, pra não dizer ódio, aos humanos. Bem desconstruído, já que a imagem desse bichinho sempre é vista com fofura, “Bola de Neve” quebra o estigma com muito carisma e liderança sobre os demais animais revoltados. 

Com um humor metalinguístico apurado, tirando sarro de si próprio, e recheado de várias piadas de duplo sentido, entre elas: “deixa de cachorrada”, diz um cão ao outro, “só nado cachorrinho”, “aí gatinha, você é uma gatinha”, Pets aposta todas as suas fichas na comédia. 

Por fim, tirando o inesperado tom grandiloquente em detrimento do filme menor, esperado por mim, pelo menos, bem como a falta de tato/sensibilidade em não balancear as emoções (e olha que o argumento inicial tinha um grande potencial para isso), o novo longa da Illumination, ainda assim, representa um progresso na curta filmografia da produtora.

*Avaliação: 3,5 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 7,5.     


quinta-feira, 25 de agosto de 2016

NOS CINEMAS - Quando as Luzes se Apagam


Por Rafael Morais
25 de agosto de 2016

Apadrinhado por James Wan, o atual nome do cinema de terror hollywoodiano, David F. Sandberg criou o aclamado curta-metragem “Lights Out” (disponível no youtube), motivo pelo qual chamou a atenção de seu mentor. E o novel cineasta, com a produção garantida, não demorou a receber o sinal verde para dirigir um longa baseado em seu curta de grande sucesso na web: e foi assim que “Quando as Luzes se Apagam” surgiu. 

O filme conta com um roteiro simples e enxuto, capaz de expandir para oitenta e minutos o universo apresentado nos três minutos do curta, sem muitas firulas técnicas, mas que prende o espectador até o final da sessão. A história narra o drama de Sophie (Maria Bello, typecasting certo para esse tipo de papel), que quando internada na adolescência em um hospital psiquiátrico, para tratar de uma forte depressão, conheceu uma “colega”, também paciente, chamada Diana. Proposta a ser a nova Samara (“O Chamado”) da vez, Diana sofria de uma rara doença de hipersensibilidade à luz, além de carregar consigo uma grande mágoa com todos à sua volta por possuir este problema. E com razão: a menina passa por brutais experimentos científicos durante o seu tratamento que, por sua vez, desfecha em uma tragédia. Obcecada, Diana estabelece uma relação de amizade obsessiva com Sophie, o que ocasionará diversos problemas no futuro da “amiga”, vindo a acompanhá-la, como uma maldição, até mesmo quando fica mais velha, com marido e filhos. 

Neste contexto, disposto a lidar com um dos medos mais primitivos do ser humano: o escuro, remetendo ao desconhecido, Sandberg sabe conduzir a trama com sua câmera bem postada, através de uma linda fotografia que evoca, com inteligência, a dualidade no embate entre as sombras e as luzes. Não é à toa, por exemplo, que a película tem início por meio de um enquadramento fechado em uma lâmpada acesa no poste, extremamente clara e forte, para depois abrir lentamente o escopo, ficando subentendido que aquilo será essencial para a sobrevivência dos personagens. 

Ponto positivo também para os efeitos visuais que soam orgânicos, demonstrando naturalidade, já que não somos sobrecarregados por CGI’s (computação gráfica) em excesso. Os cortes secos, utilizados na preparação para o ataque da ameaça, se encaixam perfeitamente na montagem, sobretudo quando a claridade oscila com a escuridão. Não menos interessante é a construção do suspense, culminando com os sustos, os famosos jump scares. O pupilo parece ter aprendido direitinho com o mestre – vide a franquia “Invocação do Mal”, por exemplo. 

Embora coeso e direto ao ponto, “Quando as Luzes se Apagam” ainda consegue quebrar algumas convenções do gênero, fugindo de clichês ao não cair nas armadilhas óbvias que alguns personagens teimam em cometer nestes tipos de filme. Aqui, Rebecca (a linda Teresa Palmer), filha de Sophie, tenta ajudar o irmão mais novo Martin (Gabriel Bateman), juntamente com o seu namorado Bret (Alexander DiPersia, o aspirante a Johnny Depp do momento – lembre-se que Depp já participou de “A Hora do Pesadelo” no início de sua carreira) sempre seguindo caminhos inteligentes e tomando decisões lógicas, o que é bastante raro num script de terror. 

Com um desfecho corajoso, o longa se desprende da média por não enrolar o espectador com reviravoltas cansativas, muito menos com cenas do tipo: “ela vai voltar...ainda não acabou, tem mais...”; apesar de que a continuação já está encomendada graças ao sucesso de público/renda que tem feito. Merecido, por sinal!    

*Avaliação: 4,0 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,0.