sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

TOP 5 MELHORES FILMES DE 2021




Por Rafael Morais
31 de dezembro de 2021

1 - ATAQUE DOS CÃES
Jane Campion desconcerta os estereótipos e nos brinda com um intrigante faroeste envolto num suspense psicológico. Destaque para Benedict Cumberbatch que "desaparece" na persona do cowboy Phil.

2 - HOMEM-ARANHA: SEM VOLTA PRA CASA
Filme-evento é uma verdadeira carta de amor aos fãs do teioso. Uma catarse na poltrona do cinema.

3 - DUNA
Villeneuve conseguiu novamente. Grandioso em escala e nas atuações, a adaptação do livro respeita a importância da obra para a ficção científica. Encheu os olhos no IMAX.

4 - TICK, TICK...BOOM!
Andrew Garfiled comprova porque é um dos melhores atores de sua geração num filme envolvente e emocionante.

5 - NÃO OLHE PARA CIMA
Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Adam McKay destila toda sua acidez numa dramédia que nos faz rir, muitas vezes de nervoso.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

ANIVERSARIANTES MEMORÁVEIS - 10 anos de O PALHAÇO

   Sensibilidade à flor da pele. 

Por Rafael Morais

Em meados de 2009, Selton Mello foi tomado por uma profunda crise de identidade, fazendo-o repensar por quais caminhos profissionais deveria seguir. E em O Palhaço, o protagonista Benjamim (vivido pelo ator e agora diretor) busca, incessantemente e literalmente, pela sua digital, já que o circense só tem uma surrada certidão de nascimento. 

Com uma linda sequência de abertura, marcada por desenhos com traços minimalistas, ao som de uma bela trilha sonora original, o filme já ganha o espectador nos primeiros quinze minutos de projeção. A apresentação de cada integrante da trupe burlesca - fotografada ricamente em cores marcantes nas horas certas e desfocadas nos momentos adequados - conta com o carisma da dupla de palhaços Puro Sangue (o magnífico Paulo José) e Pangaré (Selton Mello), pai e filho que dividem o picadeiro e a rotina do dia a dia. 

Trata-se de um longa-metragem com a estrutura de road movie, ou seja, um filme de estrada com os personagens itinerante-viajantes, sem um local fixo para trabalhar ou morar. Esse estilo guarda uma vantagem significativa: a mesmice passa longe ao sermos constantemente apresentados às novas "figuras" e locais encantadores.

Logo no primeiro take, constatamos que estamos diante de uma obra delicada, tocante e de raro bom gosto. Observe a cena onde surgem uns cortadores de cana que, diante de um sol escaldante e do labor árduo, param alguns segundos o que estão fazendo para ver a turma do Circo Esperança passar, nome bem sugestivo para um povo sofrido. Naquele mágico instante não há problema, angústia ou cansaço. Nem que pouco depois, a realidade bata-lhe a cara como forma de se mostrar presente.

Confesso que me surpreendi com a sensibilidade e delicadeza de Mello por trás das câmeras, até porque ainda não havia assistido o seu primeiro trabalho como diretor em Feliz Natal, de 2008. O enquadramento dos personagens, tanto do protagonista quanto dos coadjuvantes, no plano central, revela o amadurecimento do cineasta em dar ênfase a todos de forma paritária. Com isso, o realizador coloca o espectador diretamente na arquibancada do espetáculo.

O que torna a película particular, e não apenas um apanhado de boas referências, é que elas estão servindo para fazer um elogio autêntico à tradição brasileira do humor verbal, e aqui, mais do que nunca, visual. Os enquadramentos harmônico-geométricos transformam toda situação num palco em potencial. Quando Benjamin e os demais encontram o mecânico ou o delegado (Tonico Pereira e Moacir Franco, respectivamente), os personagens são dispostos na cena para que um fique no "palanque" (a oficina ou a mesa do delegado) e os demais fiquem na "plateia" (o banco dos réus onde o protagonista se senta). 

Ao usar mais da imagem do que da fala para contar a história, o promissor cineasta consegue fazer Cinema como poucos. Portanto, contemplar a cena em que Benjamin se despede de sua família é daquela que “paga o ingresso”. Valeu a pena sair de casa e ir ao cinema.  Afinal, uma imagem vale mais do que mil palavras.

Assim, a construção do arco dramático do palhaço é redonda. O drama fora do picadeiro é comovente. "Pai, acho que não tô dando conta", revela Benjamin ao seu velho, como se pedisse ajuda desesperadamente. "Mas se eu faço os outros rirem, quem vai me fazer rir?", questiona com os olhos marejados a uma desconhecida, que retruca: "Você é engraçado!". As pessoas esquecem que os saltimbancos também têm o seu momento introspectivo e triste.

Já a obsessão do palhaço por ventilador revela um roteiro preocupado com a metáfora, uma vez que o símbolo representa a necessidade física de vento diante do calor infernal interiorano e, acima de tudo, o mínimo de conforto que um ser humano pode ter após de um duro dia de trabalho. Diante disso, o sujeito sai em busca de um alívio para sua angústia constante - que amenize seu sufoco e areje as suas ideias - e de algo que o faça sorrir ao experimentar o mundo com frescor (e novamente o ventilador surge relevante). É interessante interpretar o objeto como um signo: é o sonho de consumo, dos mais modestos, de um trabalhador.  

Não menos fantástica, a direção de arte é digna de aplausos. O estupendo trabalho de ambientação cria um universo ao mesmo tempo realista e fabulesco. Os detalhes estão por toda parte, seja no próprio Circo Esperança, onde há inusitadas placas fixadas do tipo: “Não atire nos músicos”; seja em ambientes como a delegacia, comandada pelo personagem de Moacir Franco, o delegado que se chama Justo, como informa a plaqueta sobre a mesa - pura ironia. E como não perceber as guloseimas, compostas por refrescos e paçocas, oferecidas durante o espetáculo?! Além do figurino maltrapilho do personagem de Jackson Antunes. Igualmente imersivo é o letreiro "ofissina". Tudo é mambembe e soa verossímil no mundo de O Palhaço.

Conferindo importância à garotinha Guilhermina (a ainda pequenina Larissa Manoela) ao enfocar sua reação aos acontecimentos e assim sugerindo que aquela é, de certa forma, também sua história, a obra se volta ao olhar inocente de uma criança capaz de superar as maledicências de um adulto.   

No fundo, é na homenagem a ícones da comédia nacional e internacional (Didi Mocó, Mazzaropi, Oscarito e Chaplin), que Selton Mello e Benjamin encontram a cura para a sua crise, em forma de autoanálise e reverência. É também na libertação pela coletividade, por sentir-se parte integrante de algo, sentimento este que tem uma boa expressão justamente no mundo circense. Isso fica mais do que evidente no plano (também com a ideia de picadeiro) em que Jorge Loredo (o eterno Zé Bonitinho) conta uma piada, sentado na ponta de uma mesa. Na outra ponta, de novo em posição de plateia, o protagonista sorri de verdade, pois sabe que enfim encontrou alguém que o fizesse rir.

NOTA: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapadura = 10

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

ENCANTO

Por Rafael Morais
29 de dezembro de 2021

A Disney, enfim, realizou uma animação totalmente ambientada na cultura latina. Encanto abraça a complexidade dos relacionamentos familiares utilizando a magia como fio condutor.

Situado na Colômbia, o longa-metragem narra as desventuras de Mirabel (vozes de Stephanie Beatriz em inglês e Mari Evangelista em português), uma jovem nascida em uma fantástica família de pessoas superpoderosas (os Madrigal), mas que ainda não desenvolveu o seu próprio poder. Essa é a inquietação central da protagonista: ser humana demais em busca do extraordinário.

De pronto, há uma identificação imediata desse conflito com o espectador, afinal não é todo dia que surgem talentos raros. A falha anda de mãos dadas com o nosso cotidiano, e o público costuma se aproximar de quem erra, não do perfeito. Quem nunca foi cobrado por um familiar, principalmente aquele mais ranzinza/desbocado, que “atire a primeira pedra”.

“O que você vai fazer da vida?”, “Qual curso pretende seguir?”, “E os filhos, cade?”, “Olha, os seus primos já estão bem encaminhados hein, falta só você!”; imagine esse tipo de cobrança elevada a enésima potência quando se tem parentes dotados de capacidades descomunais, como: super força, ultra audição, controle sobre plantas e animais, até mesmo a graça da cura, entre tantos outros dotes. Mirabel se vê cercada por uma enorme pressão de seguir esse legado de sucesso. O problema é que no “dia D” da cerimônia, o seu dom não despertou.

Interessante notar que o sagaz roteiro joga com a dualidade: exigência pela perfeição x realidade dos Madrigal. A famosa frase “acontece nas melhores famílias” cai como uma luva aqui. Tendo em vista que nem só de superpoderes vive aquele núcleo, sopesando o senso de competição estimulado pela própria matriarca Alma (voz de María Cecilia Botero), o filme escancara as preocupações e angústias mais banais, sem esquecer as intrigas igualmente vis que existem entre eles. Não importa, portanto, a quão incrível seja a sua família, as imperfeições farão parte dela.

Dessa maneira, a novel protagonista, sufocada por não ser uma super-heroína, terá que lidar com a frustração causada por tamanha expectativa criada em torno de sua figura, ao tempo em que buscará o seu lugar ao sol. 

Dirigido por Charise Castro Smith, Byron Howard e Jared Bush, aliado às composições musicais do notável Lin-Manuel Miranda (“Hamilton” e “Tick, Tick...Boom”) este novo musical da Disney é rico não só na pluralidade do seu texto, como também no quesito técnico-visual. A fotografia é uma verdadeira poesia em forma de aquarela, onde as paletas saturadas saltam aos olhos através de cenários encantadores. Nunca o HDR da minha TV foi tão bem explorado.

Neste sentido, o padrão de qualidade do estúdio do Mickey parece ter alcançado outro patamar quanto à computação gráfica. Observe duas situações complicadas de dar vida, segundo os próprios animadores: os cabelos e as paisagens aquáticas. Em Encanto, as madeixas balançam esvoaçantes, numa naturalidade assustadora, bem como o fluxo da água. Surreal!

No entanto, a superação em animar seres inanimados alcança o seu auge aqui quando uma casa inteira, a residência dos Madrigal, ganha existência própria. A mansão mágica, localizada nas regiões montanhosas colombianas, é uma persona à parte ao interagir com os demais personagens, inclusive através de expressões. CGI a serviço da criatividade. De cair o queixo!

Uma pena que o mesmo não se pode dizer dos números musicais. Apesar de charmosos e repletos de energia, não são memoráveis, assim como o desenrolar da trama que demora a engrenar. A ideia pareceu maior que o desenvolvimento. Esqueça, portanto, canções emblemáticas como aquelas aclamadas em “Frozen” ou “Moana”. Não vai rolar. E com o perdão do trocadilho, a película não me encantou tanto quanto eu esperava.

Apesar dos pesares, há vida fora dos castelos, do glamour das princesas e dos príncipes. Muito além do deslumbre visual, Encanto representa a diversidade cultural exibida para diferentes plateias mundo afora. Já disponível no Disney Plus, o filme é um charme à parte quando se propõe a falar sobre a esperança e a força da união como último anseio de uma comunidade. Quando retrata a beleza da humanidade marcada pelo errático. O excepcional só existe graças às falhas. E quem disse que o dom tido como “comum” é menos relevante do que o excepcional?! Mirabel que o diga.

NOTA: 4,5 Pipocas + 3,0 Rapaduras = 7,5

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

ANIVERSARIANTES MEMORÁVEIS - 10 anos de A PELE QUE HABITO

    O Frankenstein de Almodóvar.

Por Rafael Morais

Quando o cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Banderas) perde a sua esposa, em consequência de um acidente de carro, uma "ferida incurável" parece ter brotado na alma do amargurado homem. Isto porque, depois desse evento traumático, Ledgard se dedica, obsessivamente, a produzir uma pele perfeita, imune a quase tudo: picadas de insetos, dores das mais diversas e até mesmo às marcas do tempo; resultado de uma mutação de DNA humano com suíno.

É inevitável pensar, a princípio, que o misterioso doutor estava tentando, na verdade, lidar com o abalo de perder a amada ao recriar a tal "casca" impenetrável, fazendo alusão direta à violência da fatídica tragédia. Entre tecidos costurados e pensamentos sombrios, o protagonista "brinca" de ser deus, desafiando os limites da conduta moral e ética, enquanto que os seus pares ameaçam estragar a "brincadeira" através de uma possível denúncia ao conselho ético da comunidade de médicos. Contudo, não se engane, nada aqui é o que parece. 

Interessante perceber que, por essência, o longa tende a fugir dos clichês do gênero, pelo qual Almodóvar revelou que sua intenção ao adaptar o livro Tarântula - do francês Thierry Jonquet - seria entregar uma obra de horror sem gritos ou sustos. E é exatamente isso que ele faz. Na contramão do jump scare, temos um suspense psicológico dirigido com a elegância de um cineasta ímpar. Imagino que se essa mesma premissa/pitching tivesse caído em mãos menos talentosas, o resultado faria inveja a qualquer exemplar de torture porn. Afinal, a diferença entre o veneno e o remédio está na dosagem.

Assim, o diretor espanhol e sua equipe são igualmente competentes na escolha do elenco, que traz uma linda e intrigante Elena Anaya, como Vera; voltando a trabalhar, depois de tantos anos, com um Banderas inspiradíssimo, por sinal. As fantásticas atuações abordam a estranheza de um relacionamento entre o médico (ou monstro àquela altura?!) e a mulher que ele mantém presa em sua luxuosa mansão. O mistério toma conta a partir do segundo ato até o surpreendente desfecho.

Tecnicamente brilhante, o premiado longa ainda é dono de uma evocativa trilha sonora composta por acordes e canções capazes de imprimir o ritmo necessário no escalonamento da tensão, como também no tom da dramaticidade.

No entanto, o que destoa um pouco nessa genial obra é a forma como o roteiro aborda a relação de Ledgard e o seu irmão, o Tigre. Talvez a inserção de flashbacks abordando as suas infâncias ajudaria a formar o elo necessário para entendermos esse disfuncional envolvimento fraternal entre os dois.

A propósito, alternar as linhas temporais e suas respectivas camadas é algo orgânico na montagem proposta por Almodóvar. Observe, por exemplo, na cena em que Vera está deitada, pronta para dormir, e um flash/parênteses interrompe o tempo presente da história e nos remete, subitamente, a um passado sinistro e perturbador, algo desconcertante no caminhar dos acontecimentos. Estarrecedor! 

Mas como diria um antigo jargão popular: "A vingança é um prato que se come frio". Mais do que isso, A Pele que Habito vai além da vendeta, que viria mais cedo ou mais tarde; a película é um ensaio provocativo e angustiante sobre as diferentes fases do luto, a saúde mental, a sexualidade, entre tantos temas. Definitivamente, é o raro tipo de filme que se revela um estudo de personagens e nos dá calafrio ao lembrar das reviravoltas. É daqueles que tira completamente o espectador do prumo ou de qualquer zona de conforto. Simplesmente obrigatório.

NOTA: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10

domingo, 26 de dezembro de 2021

NÃO OLHE PARA CIMA

 

Por Rafael Morais
26 de dezembro de 2021

Em tempos de movimentos antivacinas, entre outras bizarrices, Don't Look Up é um irônico convite a enxergar o óbvio. Politizar o “impolitizável” é o traço característico da idiotice que impera no mundo, atualmente.

A sinopse dá conta de dois astrônomos que descobrem a existência de um meteorito em rota de colisão com a Terra. Em questão de poucos meses o nosso Planeta Azul será completamente varrido do universo. Seres humanos, fauna e flora, como a gente conhece, não existirão mais. A partir desse momento, Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) partem numa ingrata missão de alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima.

“Mas e daí?”; “Isso é teoria da conspiração!”; “Alguém tá querendo ganhar com essa narrativa.”; “Eu não acredito!” ... esses e outros questionamentos são os conflitos enfrentados pelos protagonistas em busca da salvação.

O diretor e cineasta Adam McKay (dos ótimos "A Grande Aposta" e "Vice") sabe como poucos narrar essa história absurda, em forma de alegoria, através de arquétipos prontos para construir um arco de redenção, ou não.

Assustadoramente cômico e atual, o longa celebra a estupidez humana por meio de uma sátira à futilidade. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. As próprias questões climáticas, aliás, podem render leituras interpretativas por parte da plateia.

Perceba, portanto, que quanto mais os cientistas tentam avisar sobre a gravidade da situação, mais o mundo reage no sentido contrário. É como se o simples ato de fechar os olhos para o problema, fazendo de conta que não existisse, o tornasse meramente fictício ou irreal.

Seja por conveniência política-eleitoreira (e a presidente dos EUA, vivida por Meryl Streep, aliada ao seu filho/assessor/bobo da corte, interpretado por Jonah Hill, representam bem esse núcleo); seja pela positividade tóxica que inebria cada vez mais a sociedade (o casal do “jornalismo de fofocas” encarnado por Cate Blanchet e Tyler Perry dão conta do recado). “Okay, Okay!”

O fato é que falar a verdade, nua e crua, desagrada e muito!

Assim, este lançamento da Netflix - divulgado como um presente de natal para o público - é uma comédia dramática que apela para o literal e escrachado, em certos momentos, ocasião em que determinados diálogos soam rasos e nonsense demais. Único ponto negativo que salta aos olhos, por sinal.

Mas tirando o tom pastelão, que vez ou outra quer tomar o filme de assalto, a obra brilha mesmo é na sagacidade de seu roteiro montado com extrema dinâmica e inspiração. É na crítica às mídias, de maneira geral, em especial às redes sociais, empestadas de haters, que o argumento expõe a geração das hashtags, dos memes e da perigosa velocidade de viralização. Para o bem ou para o mal, a explosão de compartilhamentos pode levar uma pessoa, ou uma ideia, do céu ao inferno na mesma proporção, e em questão de minutos.

Ciente da polarização que assola a humanidade, o sarcástico McKay atira pra todos os lados acertando em cheio os mais extremistas, sem deixar de lado também os que ficam "em cima do muro". Se por um lado, existem aqueles alienados que defendem o #nãoolheparacima, simbolizado por uma seta apontando pra baixo como forma de negar a enorme rocha espacial prestes a esmagar suas cabeças; por outro, uma parcela da sociedade levanta a bandeira do #olheparacima no intuito de conscientizar para a iminente tragédia.

Nesse contexto, é hilário perceber que para dar punch à piada proposta, logo surgem os que estampam broches com uma seta que aponta para o alto e para baixo, simultaneamente. É aquela típica piscadela para o espectador: “eu sei que você se identifica com algum desses signos”.

Sendo uma das melhores películas lançadas em 2021, Don't Look Up deve amealhar algumas indicações para a vindoura temporada de premiações, muito por conta de seu elenco estelar capaz de entregar o que lhe é esperado, de um script inteligente o suficiente para brincar com a subversão de alguns estereótipos, de uma edição criativamente rítmica e, sobretudo, por te fazer pensar.

PS: existem cenas no meio e após os créditos finais.

NOTA: 5,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 9,0


sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

MATRIX RESURRECTIONS

 

Por Rafael Morais (um Neo procurando se encontrar)
24 de dezembro de 2021

Retomar a resenha de críticas fílmicas, após um bom tempo parado, representa a escolha pela “pílula vermelha”. É sobre sair da zona de conforto e encarar a verdade inevitável: o meu amor pelo Cinema precisa ser externalizado de alguma forma. E reiniciar justamente numa continuação de Matrix, uma daquelas obras que moldaram o cinéfilo moderno, é emblemático.

Considerada um jovem clássico, a icônica película de 1999 arrebatou o coração do público e arrancou os aplausos da crítica se arrastando por mais dois longas que, nem de longe, alcançaram o brilho e a inventividade do original. Pena que não foi diferente aqui em “Resurrections”.

Apesar de estar claramente refém de sua masterpiece, Lana Wachowski - desta vez sem a habitual parceria de sua irmã – soube, em parte, revisitar o universo já estabelecido, fugir das convenções, modernizar o texto e manter o espírito do cultuado primeiro filme; mas, infelizmente, esta continuidade de “Revolutions” desperdiça as principais características da franquia ao não caprichar nas cenas de ação, poucas e esquecíveis. Com exceção da sequência final na moto pela cidade - George Romero vive!

Ok, entendo que o subtexto guarda uma crítica ácida e direta à indústria do entretenimento como um todo, sobretudo à hollywoodiana, ocasião em que o roteiro se utiliza da metalinguagem para conseguir este fim. A sanha dos produtores pelo próximo episódio, de sugar o “mais do mesmo” até a última gota sem se importar com a criatividade, muito menos com o ineditismo. Sim, comprei essa ideia de não me servirem o mesmo produto reembalado com uma nova skin

Mas o problema é que o filme abraça essa autoanálise e se rebela até mesmo contra o próprio conceito que o tornou tão memorável. Não espere por coreografias mirabolantes. Nem a fotografia é condizente sequer com a trilogia. A cineasta não esconde a falta de tesão em filmar ação, se apegando mais ao conceito (o propósito, o plot, a ideia) da nova empreitada de Thomas Anderson/Neo (Keanu Reeves) em busca de Tiffany/Trinity (Carrie-Anne Moss) do que propriamente com os meios para se chegar lá. O clímax, portanto, restou prejudicado pela malfadada troca do imagético pelo verborrágico.

Neste prisma, a utilização de câmera na mão, por exemplo, é uma quebra brusca no estilo já consagrado. Antes os slowmotion’s enchiam os olhos do público. Cada bala, cada soco era captado com precisão. A misancene rebuscada era uma marca registrada. Agora, temos uma bagunça visual indescritível. Tudo parece meio brega, e o pior: é proposital. É um blockbuster que não quer se assumir como tal e se autossabota em troca da “moral da história”.

Confesso que até o meio da projeção estava correndo tudo bem com o andamento da história em si. Comprei os conceitos, me diverti com algumas falas. Contudo, é da metade do segundo ato até o desfecho que as coisas fogem do controle. Os personagens não param de falar rapidamente, um segundo sequer, tornando uma experiência autoexplicativa para Christopher Nolan nenhum botar defeito.

Um simples recorte de uma cena ilustra bem essa situação. Durante uma exaustiva reunião em um cacimbão (sim, isso mesmo), no intuito de bolar um plano para resgatar Trinity, os novos integrantes, em parceria com os já conhecidos, tramam um projeto estapafúrdio e complexo. Por um momento ouvi na minha cabeça a trilha sonora de “Missão Impossível” tamanha a articulação do plano. Divagação à parte, voltando ao que “interessa”, um deles pergunta a Neo se ele concorda e se estava entendendo todo o passo a passo do que deveria ser feito, momento em que ele responde: “Não entendi nada”.

Ora, o protagonista falou pelo público. Não adianta vomitar informações sem se preocupar com a sincronicidade da imagem, do conceito apresentado. Principalmente quando falamos de sétima arte.

Falando assim até pareço um bot da Matrix enfatizando o discurso e alimentando a ideia para essa continuação.

Mas vamos deixar as amarguras de lado porque nem só de desgraça vive "Resurrections" e, como havia dito, eu tomei o comprimido encarnado. Ponto positivo para a química entre Reeves e Anne Moss. O casal esbanja uma sinergia digna daquela que o script propõe. Do mesmo modo, o talentoso Yahya Abdul-Mateen II encarna um inusitado Morpheus rebootado com a resposta pronta para a troca de casting. Gostei de Laurence Fishburne surgir reverenciado, acertadamente. O mesmo não se pode dizer (...vixe, lá vem ele de novo) de Jonathan Groff como antagonista. Não senti o carisma e a presença de cena marcante como a de um Hugo Weaving, por exemplo. Não mesmo.

Outro destaque fica para a música White Rabbit da banda "Jefferson Airplane". A linda canção martela no juízo do espectador ao se moldar perfeitamente na história proposta fazendo clara alusão à narrativa de "Alice no País das Maravilhas", uma das referências escancaradas de Matrix. 

Enfim, entre mortos e feridos; entre a nostalgia e o novo, quase todos se salvaram.

NOTA: 3,5 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 7,5