29 de dezembro de 2021
A Disney, enfim, realizou uma animação totalmente
ambientada na cultura latina. Encanto abraça a complexidade dos
relacionamentos familiares utilizando a magia como fio condutor.
Situado na Colômbia, o longa-metragem narra as
desventuras de Mirabel (vozes de Stephanie Beatriz
em inglês e Mari Evangelista
em português), uma jovem nascida em uma fantástica família de pessoas
superpoderosas (os Madrigal), mas que ainda não desenvolveu o seu próprio poder.
Essa é a inquietação central da protagonista: ser humana demais em busca do
extraordinário.
De pronto, há uma identificação imediata desse conflito
com o espectador, afinal não é todo dia que surgem talentos raros. A falha anda
de mãos dadas com o nosso cotidiano, e o público costuma se aproximar de quem
erra, não do perfeito. Quem nunca foi cobrado por um familiar, principalmente
aquele mais ranzinza/desbocado, que “atire a primeira pedra”.
“O que você vai fazer da vida?”, “Qual curso
pretende seguir?”, “E os filhos, cade?”, “Olha, os seus primos já estão bem
encaminhados hein, falta só você!”; imagine esse tipo de cobrança elevada a
enésima potência quando se tem parentes dotados de capacidades descomunais,
como: super força, ultra audição, controle sobre plantas e animais, até mesmo a
graça da cura, entre tantos outros dotes. Mirabel se vê cercada por uma enorme
pressão de seguir esse legado de sucesso. O problema é que no “dia D” da cerimônia,
o seu dom não despertou.
Interessante notar que o sagaz roteiro joga com a
dualidade: exigência pela perfeição x realidade dos Madrigal. A famosa
frase “acontece nas melhores famílias” cai como uma luva aqui. Tendo em vista
que nem só de superpoderes vive aquele núcleo, sopesando o senso de competição
estimulado pela própria matriarca Alma (voz de María Cecilia
Botero), o filme escancara as preocupações e angústias
mais banais, sem esquecer as intrigas igualmente vis que existem entre eles.
Não importa, portanto, a quão incrível seja a sua família, as imperfeições
farão parte dela.
Dessa maneira, a novel protagonista, sufocada
por não ser uma super-heroína, terá que lidar com a frustração causada por tamanha
expectativa criada em torno de sua figura, ao tempo em que buscará o seu lugar
ao sol.
Dirigido por Charise Castro Smith, Byron Howard e Jared Bush, aliado às composições
musicais do notável Lin-Manuel
Miranda (“Hamilton” e “Tick, Tick...Boom”) este novo musical da Disney é rico
não só na pluralidade do seu texto, como também no quesito técnico-visual. A fotografia
é uma verdadeira poesia em forma de aquarela, onde as paletas saturadas saltam
aos olhos através de cenários encantadores. Nunca o HDR da minha TV foi tão bem
explorado.
Neste sentido, o padrão de qualidade do estúdio do Mickey parece ter alcançado outro patamar quanto à computação gráfica. Observe duas situações complicadas de dar vida, segundo os próprios animadores: os cabelos e as paisagens aquáticas. Em Encanto, as madeixas balançam esvoaçantes, numa naturalidade assustadora, bem como o fluxo da água. Surreal!
No entanto, a superação em animar seres inanimados alcança o seu auge aqui quando uma casa inteira, a residência dos Madrigal, ganha existência própria. A mansão mágica, localizada nas regiões montanhosas colombianas, é uma persona à parte ao interagir com os demais personagens, inclusive através de expressões. CGI a serviço da criatividade. De cair o queixo!
Uma pena que o mesmo não
se pode dizer dos números musicais. Apesar de charmosos e repletos de energia,
não são memoráveis, assim como o desenrolar da trama que demora a engrenar. A ideia pareceu maior que o desenvolvimento. Esqueça, portanto, canções emblemáticas como aquelas aclamadas em “Frozen” ou
“Moana”. Não vai rolar. E com o perdão do trocadilho, a película não me
encantou tanto quanto eu esperava.
Apesar dos pesares, há vida fora dos castelos, do
glamour das princesas e dos príncipes. Muito além do deslumbre visual, Encanto representa
a diversidade cultural exibida para diferentes plateias mundo afora. Já
disponível no Disney Plus, o filme é um charme à parte quando se propõe a falar
sobre a esperança e a força da união como último anseio de uma comunidade. Quando
retrata a beleza da humanidade marcada pelo errático. O excepcional só existe
graças às falhas. E quem disse que o dom tido como “comum” é menos relevante do
que o excepcional?! Mirabel que o diga.
NOTA: 4,5 Pipocas + 3,0 Rapaduras = 7,5