quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

ENCANTO

Por Rafael Morais
29 de dezembro de 2021

A Disney, enfim, realizou uma animação totalmente ambientada na cultura latina. Encanto abraça a complexidade dos relacionamentos familiares utilizando a magia como fio condutor.

Situado na Colômbia, o longa-metragem narra as desventuras de Mirabel (vozes de Stephanie Beatriz em inglês e Mari Evangelista em português), uma jovem nascida em uma fantástica família de pessoas superpoderosas (os Madrigal), mas que ainda não desenvolveu o seu próprio poder. Essa é a inquietação central da protagonista: ser humana demais em busca do extraordinário.

De pronto, há uma identificação imediata desse conflito com o espectador, afinal não é todo dia que surgem talentos raros. A falha anda de mãos dadas com o nosso cotidiano, e o público costuma se aproximar de quem erra, não do perfeito. Quem nunca foi cobrado por um familiar, principalmente aquele mais ranzinza/desbocado, que “atire a primeira pedra”.

“O que você vai fazer da vida?”, “Qual curso pretende seguir?”, “E os filhos, cade?”, “Olha, os seus primos já estão bem encaminhados hein, falta só você!”; imagine esse tipo de cobrança elevada a enésima potência quando se tem parentes dotados de capacidades descomunais, como: super força, ultra audição, controle sobre plantas e animais, até mesmo a graça da cura, entre tantos outros dotes. Mirabel se vê cercada por uma enorme pressão de seguir esse legado de sucesso. O problema é que no “dia D” da cerimônia, o seu dom não despertou.

Interessante notar que o sagaz roteiro joga com a dualidade: exigência pela perfeição x realidade dos Madrigal. A famosa frase “acontece nas melhores famílias” cai como uma luva aqui. Tendo em vista que nem só de superpoderes vive aquele núcleo, sopesando o senso de competição estimulado pela própria matriarca Alma (voz de María Cecilia Botero), o filme escancara as preocupações e angústias mais banais, sem esquecer as intrigas igualmente vis que existem entre eles. Não importa, portanto, a quão incrível seja a sua família, as imperfeições farão parte dela.

Dessa maneira, a novel protagonista, sufocada por não ser uma super-heroína, terá que lidar com a frustração causada por tamanha expectativa criada em torno de sua figura, ao tempo em que buscará o seu lugar ao sol. 

Dirigido por Charise Castro Smith, Byron Howard e Jared Bush, aliado às composições musicais do notável Lin-Manuel Miranda (“Hamilton” e “Tick, Tick...Boom”) este novo musical da Disney é rico não só na pluralidade do seu texto, como também no quesito técnico-visual. A fotografia é uma verdadeira poesia em forma de aquarela, onde as paletas saturadas saltam aos olhos através de cenários encantadores. Nunca o HDR da minha TV foi tão bem explorado.

Neste sentido, o padrão de qualidade do estúdio do Mickey parece ter alcançado outro patamar quanto à computação gráfica. Observe duas situações complicadas de dar vida, segundo os próprios animadores: os cabelos e as paisagens aquáticas. Em Encanto, as madeixas balançam esvoaçantes, numa naturalidade assustadora, bem como o fluxo da água. Surreal!

No entanto, a superação em animar seres inanimados alcança o seu auge aqui quando uma casa inteira, a residência dos Madrigal, ganha existência própria. A mansão mágica, localizada nas regiões montanhosas colombianas, é uma persona à parte ao interagir com os demais personagens, inclusive através de expressões. CGI a serviço da criatividade. De cair o queixo!

Uma pena que o mesmo não se pode dizer dos números musicais. Apesar de charmosos e repletos de energia, não são memoráveis, assim como o desenrolar da trama que demora a engrenar. A ideia pareceu maior que o desenvolvimento. Esqueça, portanto, canções emblemáticas como aquelas aclamadas em “Frozen” ou “Moana”. Não vai rolar. E com o perdão do trocadilho, a película não me encantou tanto quanto eu esperava.

Apesar dos pesares, há vida fora dos castelos, do glamour das princesas e dos príncipes. Muito além do deslumbre visual, Encanto representa a diversidade cultural exibida para diferentes plateias mundo afora. Já disponível no Disney Plus, o filme é um charme à parte quando se propõe a falar sobre a esperança e a força da união como último anseio de uma comunidade. Quando retrata a beleza da humanidade marcada pelo errático. O excepcional só existe graças às falhas. E quem disse que o dom tido como “comum” é menos relevante do que o excepcional?! Mirabel que o diga.

NOTA: 4,5 Pipocas + 3,0 Rapaduras = 7,5

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