domingo, 26 de dezembro de 2021

NÃO OLHE PARA CIMA

 

Por Rafael Morais
26 de dezembro de 2021

Em tempos de movimentos antivacinas, entre outras bizarrices, Don't Look Up é um irônico convite a enxergar o óbvio. Politizar o “impolitizável” é o traço característico da idiotice que impera no mundo, atualmente.

A sinopse dá conta de dois astrônomos que descobrem a existência de um meteorito em rota de colisão com a Terra. Em questão de poucos meses o nosso Planeta Azul será completamente varrido do universo. Seres humanos, fauna e flora, como a gente conhece, não existirão mais. A partir desse momento, Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) e Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence) partem numa ingrata missão de alertar a humanidade por meio da imprensa sobre o perigo que se aproxima.

“Mas e daí?”; “Isso é teoria da conspiração!”; “Alguém tá querendo ganhar com essa narrativa.”; “Eu não acredito!” ... esses e outros questionamentos são os conflitos enfrentados pelos protagonistas em busca da salvação.

O diretor e cineasta Adam McKay (dos ótimos "A Grande Aposta" e "Vice") sabe como poucos narrar essa história absurda, em forma de alegoria, através de arquétipos prontos para construir um arco de redenção, ou não.

Assustadoramente cômico e atual, o longa celebra a estupidez humana por meio de uma sátira à futilidade. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. As próprias questões climáticas, aliás, podem render leituras interpretativas por parte da plateia.

Perceba, portanto, que quanto mais os cientistas tentam avisar sobre a gravidade da situação, mais o mundo reage no sentido contrário. É como se o simples ato de fechar os olhos para o problema, fazendo de conta que não existisse, o tornasse meramente fictício ou irreal.

Seja por conveniência política-eleitoreira (e a presidente dos EUA, vivida por Meryl Streep, aliada ao seu filho/assessor/bobo da corte, interpretado por Jonah Hill, representam bem esse núcleo); seja pela positividade tóxica que inebria cada vez mais a sociedade (o casal do “jornalismo de fofocas” encarnado por Cate Blanchet e Tyler Perry dão conta do recado). “Okay, Okay!”

O fato é que falar a verdade, nua e crua, desagrada e muito!

Assim, este lançamento da Netflix - divulgado como um presente de natal para o público - é uma comédia dramática que apela para o literal e escrachado, em certos momentos, ocasião em que determinados diálogos soam rasos e nonsense demais. Único ponto negativo que salta aos olhos, por sinal.

Mas tirando o tom pastelão, que vez ou outra quer tomar o filme de assalto, a obra brilha mesmo é na sagacidade de seu roteiro montado com extrema dinâmica e inspiração. É na crítica às mídias, de maneira geral, em especial às redes sociais, empestadas de haters, que o argumento expõe a geração das hashtags, dos memes e da perigosa velocidade de viralização. Para o bem ou para o mal, a explosão de compartilhamentos pode levar uma pessoa, ou uma ideia, do céu ao inferno na mesma proporção, e em questão de minutos.

Ciente da polarização que assola a humanidade, o sarcástico McKay atira pra todos os lados acertando em cheio os mais extremistas, sem deixar de lado também os que ficam "em cima do muro". Se por um lado, existem aqueles alienados que defendem o #nãoolheparacima, simbolizado por uma seta apontando pra baixo como forma de negar a enorme rocha espacial prestes a esmagar suas cabeças; por outro, uma parcela da sociedade levanta a bandeira do #olheparacima no intuito de conscientizar para a iminente tragédia.

Nesse contexto, é hilário perceber que para dar punch à piada proposta, logo surgem os que estampam broches com uma seta que aponta para o alto e para baixo, simultaneamente. É aquela típica piscadela para o espectador: “eu sei que você se identifica com algum desses signos”.

Sendo uma das melhores películas lançadas em 2021, Don't Look Up deve amealhar algumas indicações para a vindoura temporada de premiações, muito por conta de seu elenco estelar capaz de entregar o que lhe é esperado, de um script inteligente o suficiente para brincar com a subversão de alguns estereótipos, de uma edição criativamente rítmica e, sobretudo, por te fazer pensar.

PS: existem cenas no meio e após os créditos finais.

NOTA: 5,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 9,0


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