quarta-feira, 19 de julho de 2023

Nos Cinemas - OPPENHEIMER

Por Rafael Morais

"Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus." Albert Einstein.

Em “Oppenheimer”, a bomba é plantada e vendida pelo marketing como o grande chamariz do filme. Mas não se engane: o jogo político, os desdobramentos e as consequências, sobretudo após a detonação, são o grande cerne da obra. Uma pena que esteja sendo vendida de maneira dissimulada para alcançar um público mais amplo. Audiência esta que, por sinal, não me surpreenderá se abandonar a sala no meio da projeção.

Arrastado, verborrágico, enfadonho. Estes podem ser alguns sinônimos proferidos por quem estiver esperando algo mais dinâmico e preenchido por ação. Mas essa pessoa não sou eu, definitivamente. Minhas expectativas foram alcançadas, não superadas. O longa é sobre como a natureza humana pode ser autodestrutiva, em todos os sentidos. Sobrepujar em prol do poder é a meta.

A burocracia, enfatizada pelas muitas (mas muitas!) linhas de diálogos - imagino o encadernado gigantesco que deve ser o roteiro desse filme – só reforça o quão complexo e ambicioso foi o “Projeto Manhattan”, como também as escolhas dos personagens, o contexto histórico e as decisões. A misancene é marcante no longa. Por vezes quase teatral.

Assim, há muito jogo de cena por trás dos bastidores de como a “roda gira”. Esteja preparado para isso. Se você está imaginando apenas explosões e aquela tensão estabelecida nas prévias (pare de ver trailers urgente!), passe longe. Logo, se a sua ansiedade/curiosidade está, tão somente, em acompanhar os aliados (leia-se EUA) x nazistas na corrida para quem vai criar primeiro a famigerada bomba atômica; ou uma mínima sensibilidade ao abordar Hiroshima e Nagasaki; cuidado para não se decepcionar. Não aguarde nada mais do que notícias de jornais e rádios dando essas informações. E friamente. Por este motivo, o ponto de menor destaque reside justamente na falta do prisma japonês, minimamente. Não é difícil entendermos o porquê de o filme ainda não ter data de lançamento lá para as bandas da “terra do sol nascente”.

Aqui, acompanhamos tudo pelo ponto de vista do protagonista-título. Para o bem, ou para o mal, a perspectiva é totalmente de Oppie (para os íntimos). Trata-se, portanto, de uma obra séria e pesarosa, desde o início. É pessimista no seu desfecho (ou seria realista demais?!), mas, por outro lado, enobrece a classe dos cientistas. Há graça e maldição na sabedoria. Em contrapartida, quase não existe espaço para o humor, principalmente o satírico: diametralmente oposto ao “Dr. Fantástico” de Kubrick, por exemplo. O alívio cômico não vem ao nosso socorro e o fôlego vai ficando cada vez mais curto.

Christopher Nolan, na verdade, consegue se revigorar aqui. O diretor encontra um meio termo na sua cinematografia, sabendo dosar seus maneirismos didáticos para entregar, igualmente, o sensorial. Ainda tem explicação? Tem bastante! Mas é compreensível, tendo em vista a temática técnico-científica. São explanações para não deixar o público “boiando”. O problema é que, às vezes, o tiro pode sair pela culatra. Na ânsia de decifrar e ensinar, efusivamente, o script pode confundir ao invés de esclarecer. Claro que ajuda o fato de Nolan ser um apaixonado pelo assunto. É notório. Mesmo assim, estamos diante de uma versão refinada (“2.0”) do cineasta, aquela pronta para amealhar estatuetas douradas e carecas. É um filme para Oscar, sem dúvida.

Tecnicamente primoroso, o longa é belamente fotografado por Hoyte van Hoytema, alternando entre o preto e branco e a paleta colorida - a depender de qual momento cronológico a edição está abordando. Os traumas do cientista também são representados por raios de luz alvejantes e flashs assombrosos que remetem ao peso de mais de 120 mil vidas “nas costas”. Montagem esta, aliás, que conduz de forma ágil e tranquila, até certo ponto, o desenrolar dos acontecimentos. Até que a pancada vem. E vem forte!

A direção de arte capricha na recriação histórica. O envolvimento do público fica até mais fácil com tamanho esmero. Até porque, a partir do segundo ato em diante, temos um típico “filme de tribunal”. E, para tanto, a plateia terá que ter comprado a personalidade problemática/humana/errática do protagonista, além de ter sido imersa naquele universo. Dr. Oppenheimer passa por um julgamento massivo acerca de um possível envolvimento de traição da pátria.

Afinal, ter pensamentos e atitudes afins de um democrata é o mesmo que ser um comunista? Ter ideias, tidas como comunistas, é ser um potencial antipatriota ao ponto de alimentar os soviéticos de informações sobre a bomba?  Essas e outras questões são colocadas em xeque quando menos se espera. É tudo uma questão de conveniência, afinal “eles estão lhe tratando bem até precisarem de você”, diz um personagem lá pelas tantas.

Não menos fantástica, a trilha sonora de Ludwig Göransson é um espetáculo à parte. Se conferida em IMAX, você sentirá o som arrasador pressionando o seu peito e estremecendo as cadeiras. É uma trilha que brinca com os elementos de cena para compor. Diegética. Seja um sonar radioativo nervoso ou um tique-taque inquietante de uma bomba que está prestes a explodir (literalmente); seja os pés, batendo forte no chão, de uma arquibancada repleta por uma plateia ufanista sedenta por “heroísmo”; enfim, tudo pode ser usado na composição da trilha. E o resultado é simplesmente impecável!

O elenco estelar está excepcional, em sua grande maioria. As atuações são inspiradas e vão render indicações. Robert Downey Jr. se destaca. Matt Damon sempre convence, impressionante. Já Cillian Murphy mergulha de corpo e alma no seu enigmático "herói vilanesco". Camadas não faltam. Contudo, a personagem de Florence Pugh, por outro lado, é mal aproveitada.

A vida do “pai da bomba atômica”, do “Prometeu americano”, ganhou uma adaptação bombástica, com o perdão do trocadilho, que nos convida a refletir sobre os dilemas éticos e as ambiguidades propostas. O paradoxo de arriscar destruir o mundo para tentar salvá-lo trará um inevitável futuro sombrio? "Cabeças explodirão", ou não, ao final da sessão. Vá, veja e se certifique se a sua permanecerá no mesmo lugar.

3,5 Pipocas + 4,5 Rapaduras = 8,0.


terça-feira, 11 de julho de 2023

Nos Cinemas - MISSÃO IMPOSSÍVEL: ACERTO DE CONTAS (PARTE 1)

Por Rafael Morais

Saber revitalizar uma franquia de Cinema não é para todo mundo. Ainda mais uma que iniciou há 27 anos. Mas muito do mérito, para não dizer exclusivo, é de Tom Cruise. O astro se entrega a Ethan Hunt com tamanha devoção que faz do personagem uma carta de amor aberta ao seu público.

O ator e produtor sabe que está travando uma luta - que muitos dizem ser perdida - entre o Cinema como conhecemos (sobretudo após a pandemia) e os streamings: o sofá da sala de casa X a poltrona da sala de cinema; o produto, por vezes, enlatado versus a obra exposta em um circuito; a comodidade de ficar em casa (leia-se: mexer no celular, pausar para ir ao banheiro, bater um papo, etc, etc...) versus se arrumar e sair especialmente para assistir a um filme; a experiência individual versus a catarse coletiva. Embates estes, aliás, já propostos em “Top Gun” (2022). O analógico/tradicional tentando se manter frente a uma iminente avalanche digital. Sai o piloto Maverick e entra o agente Hunt. O conflito é bem parecido.

Para Cruise, nada, simplesmente nada supera comprar um ingresso, adentrar uma sala escura, com uma tela enorme, se concentrar e sentir aquele som arrebatador no peito. A sensação de ir ao cinema é inigualável. E eu tenho que concordar com ele. Assim, o respeito do idealizador para com a sua audiência é notável quando ele diz: “vá ver o meu filme na maior tela e som possível, você não vai se arrepender. Eu vou fazer valer o seu ingresso”. E, de fato, o cara entrega!

Na contramão disso tudo, e utilizando um exemplo negativo de como não revigorar uma saga, temos o icônico Indiana Jones. É perceptível a falta de tato dos roteiristas/produtores em entender o clássico personagem. Depois da trilogia clássica, a tal "Caveira de Cristal" e agora essa "Relíquia do Destino" não passam de histórias anacrônicas e clichês de si mesmas. Não tiveram coragem alguma de remexer, readaptar, colocar o herói em situações minimamente atualizadas. O mais do mesmo impera na maioria dos blockbusters, mas, em "Missão: Impossível" não! A obra vem ganhando cada vez mais valor de produção e se mantendo relevante a cada novo capítulo.

A sinopse da vez traz o agente Ethan Hunt e sua equipe da IMF formada por Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), Benji Dunn (Simon Pegg) e Luther Stickell (Ving Rhames) embarcando em uma perigosa missão para rastrear uma arma terrível que ameaça a humanidade. Com o controle do futuro e o destino do mundo em jogo, e algumas forças sombrias do passado de Ethan se aproximando, uma corrida mortal ao redor do mundo começa. Confrontado por um misterioso e poderoso inimigo chamado Gabriel (Esai Morales), Ethan é forçado a considerar que nada pode importar mais do que sua missão – nem mesmo a vida daqueles com quem ele mais se preocupa.

A trama é atual ao colocar as inteligências artificiais no centro da discussão, principalmente ao abordar o perigo do fator humano na equação. Aquele que deseja dominar o hightech para o mal. A Entidade, como é tratada no filme, é extremamente poderosa e pode prever situações, antecipar "jogadas", emular as personalidades de quem lhe interessa, enfim, é o nêmesis perfeito. Se cair em mãos erradas então...É aquele enredo moderno, mas que não deixa de prestar reverência ao clássico. Seja através de menções visuais ou rimas expressivas com relação aos outros episódios da saga: está tudo lá para quem conseguir captar.

Entretanto, é na ação que o filme brilha. Aliada ao carisma de seu protagonista, que sabe a importância dele próprio fazer acontecer as cenas, as sequências de perseguição são simplesmente insanas! As melhores da saga, até agora. A porradaria é caprichada, as coreografias são inventivas e o uso de um CGI/efeitos visuais orgânicos auxiliam à imersão. O cineasta Christopher McQuarrie, definitivamente, sabe o que está fazendo. Desde o episódio 5, por sinal.

Não menos fantástica, a adição de Hayley Atwell (Grace) ao elenco, além de reoxigenar o plantel, oferece camadas de mistério e charme. Muito charme! A atriz tem carisma suficiente para fazer com que nos importemos com a sua jornada. Ao oferecer um timing de humor sarcástico, a personagem divide “o fardo do alívio” cômico com Simon Pegg. É um misto de Lara Croft com Indy e pitadas de Uncharted (observe as cores sempre em tom marrom de seu figurino, aquela paleta cor de terra típica de aventureiros).

Aliás, por falar em quebrar situações de alta tensão, drama ou suspense com piadas/gags, Ethan Hunt, desde “Rogue Nation” (Nação Secreta//Ep.5), vem brincando com o absurdo numa quase metalinguagem. Ele faz caras e bocas quando se vê em circunstâncias surreais, como se dissesse: “como é que eu fiz isso?!”. Gosto do Tom bem humorado que Cruise empresta ao seu herói. Na verdade, isso é entender o ilógico e se divertir junto com a gente. Cerrar a cara e tratar tudo com seriedade seria dar um “tiro no pé”. Dominic (cof cof) Toretto.

Mas nem tudo são flores, o Gabriel de Esai Morales destoa por ser um arquétipo bem previsível. Infelizmente, o vilão usa frases e trejeitos esperados pelas convenções do gênero. Parece overacting em alguns momentos e me tirou um pouco da tensão proposta. Longe de estar à altura do antagonista vivido por Henry Cavill em “Efeito Fallout”.

Tecnicamente primoroso, o longa é lindamente fotografado por Fraser Taggart. Os planos ajudam o espectador a se situar na geografia da cena. E isso sempre é necessário nos filmes da saga, ou melhor, do gênero. O diretor de fotografia posiciona as câmeras nos melhores e mais insólitos ângulos, seja nos planos abertos ou fechados. É como se nos colocasse lá dentro e algumas vezes nos tirasse para enxergar de fora, por cima. Nos fazendo entender melhor o que está acontecendo. Tanto é que no take da escadaria em Roma, ele faz exatamente isso: sai da câmera grudada no carro para dar um “zoom out” e nos mostrar, lá do alto, em qual contexto a ação está inserida. Sensacional! Sem esquecer as nuances de orquestra clássica que a famosa música-tema do compositor argentino Lalo Schifrin ganhou aqui. De arrepiar!

E que venha o “Acerto de Contas - Parte 2”, porque impossível mesmo é não gostar dessa franquia.

Pipocas 5,0 + Rapaduras 4,0 = 9.0