terça-feira, 11 de julho de 2023

Nos Cinemas - MISSÃO IMPOSSÍVEL: ACERTO DE CONTAS (PARTE 1)

Por Rafael Morais

Saber revitalizar uma franquia de Cinema não é para todo mundo. Ainda mais uma que iniciou há 27 anos. Mas muito do mérito, para não dizer exclusivo, é de Tom Cruise. O astro se entrega a Ethan Hunt com tamanha devoção que faz do personagem uma carta de amor aberta ao seu público.

O ator e produtor sabe que está travando uma luta - que muitos dizem ser perdida - entre o Cinema como conhecemos (sobretudo após a pandemia) e os streamings: o sofá da sala de casa X a poltrona da sala de cinema; o produto, por vezes, enlatado versus a obra exposta em um circuito; a comodidade de ficar em casa (leia-se: mexer no celular, pausar para ir ao banheiro, bater um papo, etc, etc...) versus se arrumar e sair especialmente para assistir a um filme; a experiência individual versus a catarse coletiva. Embates estes, aliás, já propostos em “Top Gun” (2022). O analógico/tradicional tentando se manter frente a uma iminente avalanche digital. Sai o piloto Maverick e entra o agente Hunt. O conflito é bem parecido.

Para Cruise, nada, simplesmente nada supera comprar um ingresso, adentrar uma sala escura, com uma tela enorme, se concentrar e sentir aquele som arrebatador no peito. A sensação de ir ao cinema é inigualável. E eu tenho que concordar com ele. Assim, o respeito do idealizador para com a sua audiência é notável quando ele diz: “vá ver o meu filme na maior tela e som possível, você não vai se arrepender. Eu vou fazer valer o seu ingresso”. E, de fato, o cara entrega!

Na contramão disso tudo, e utilizando um exemplo negativo de como não revigorar uma saga, temos o icônico Indiana Jones. É perceptível a falta de tato dos roteiristas/produtores em entender o clássico personagem. Depois da trilogia clássica, a tal "Caveira de Cristal" e agora essa "Relíquia do Destino" não passam de histórias anacrônicas e clichês de si mesmas. Não tiveram coragem alguma de remexer, readaptar, colocar o herói em situações minimamente atualizadas. O mais do mesmo impera na maioria dos blockbusters, mas, em "Missão: Impossível" não! A obra vem ganhando cada vez mais valor de produção e se mantendo relevante a cada novo capítulo.

A sinopse da vez traz o agente Ethan Hunt e sua equipe da IMF formada por Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), Benji Dunn (Simon Pegg) e Luther Stickell (Ving Rhames) embarcando em uma perigosa missão para rastrear uma arma terrível que ameaça a humanidade. Com o controle do futuro e o destino do mundo em jogo, e algumas forças sombrias do passado de Ethan se aproximando, uma corrida mortal ao redor do mundo começa. Confrontado por um misterioso e poderoso inimigo chamado Gabriel (Esai Morales), Ethan é forçado a considerar que nada pode importar mais do que sua missão – nem mesmo a vida daqueles com quem ele mais se preocupa.

A trama é atual ao colocar as inteligências artificiais no centro da discussão, principalmente ao abordar o perigo do fator humano na equação. Aquele que deseja dominar o hightech para o mal. A Entidade, como é tratada no filme, é extremamente poderosa e pode prever situações, antecipar "jogadas", emular as personalidades de quem lhe interessa, enfim, é o nêmesis perfeito. Se cair em mãos erradas então...É aquele enredo moderno, mas que não deixa de prestar reverência ao clássico. Seja através de menções visuais ou rimas expressivas com relação aos outros episódios da saga: está tudo lá para quem conseguir captar.

Entretanto, é na ação que o filme brilha. Aliada ao carisma de seu protagonista, que sabe a importância dele próprio fazer acontecer as cenas, as sequências de perseguição são simplesmente insanas! As melhores da saga, até agora. A porradaria é caprichada, as coreografias são inventivas e o uso de um CGI/efeitos visuais orgânicos auxiliam à imersão. O cineasta Christopher McQuarrie, definitivamente, sabe o que está fazendo. Desde o episódio 5, por sinal.

Não menos fantástica, a adição de Hayley Atwell (Grace) ao elenco, além de reoxigenar o plantel, oferece camadas de mistério e charme. Muito charme! A atriz tem carisma suficiente para fazer com que nos importemos com a sua jornada. Ao oferecer um timing de humor sarcástico, a personagem divide “o fardo do alívio” cômico com Simon Pegg. É um misto de Lara Croft com Indy e pitadas de Uncharted (observe as cores sempre em tom marrom de seu figurino, aquela paleta cor de terra típica de aventureiros).

Aliás, por falar em quebrar situações de alta tensão, drama ou suspense com piadas/gags, Ethan Hunt, desde “Rogue Nation” (Nação Secreta//Ep.5), vem brincando com o absurdo numa quase metalinguagem. Ele faz caras e bocas quando se vê em circunstâncias surreais, como se dissesse: “como é que eu fiz isso?!”. Gosto do Tom bem humorado que Cruise empresta ao seu herói. Na verdade, isso é entender o ilógico e se divertir junto com a gente. Cerrar a cara e tratar tudo com seriedade seria dar um “tiro no pé”. Dominic (cof cof) Toretto.

Mas nem tudo são flores, o Gabriel de Esai Morales destoa por ser um arquétipo bem previsível. Infelizmente, o vilão usa frases e trejeitos esperados pelas convenções do gênero. Parece overacting em alguns momentos e me tirou um pouco da tensão proposta. Longe de estar à altura do antagonista vivido por Henry Cavill em “Efeito Fallout”.

Tecnicamente primoroso, o longa é lindamente fotografado por Fraser Taggart. Os planos ajudam o espectador a se situar na geografia da cena. E isso sempre é necessário nos filmes da saga, ou melhor, do gênero. O diretor de fotografia posiciona as câmeras nos melhores e mais insólitos ângulos, seja nos planos abertos ou fechados. É como se nos colocasse lá dentro e algumas vezes nos tirasse para enxergar de fora, por cima. Nos fazendo entender melhor o que está acontecendo. Tanto é que no take da escadaria em Roma, ele faz exatamente isso: sai da câmera grudada no carro para dar um “zoom out” e nos mostrar, lá do alto, em qual contexto a ação está inserida. Sensacional! Sem esquecer as nuances de orquestra clássica que a famosa música-tema do compositor argentino Lalo Schifrin ganhou aqui. De arrepiar!

E que venha o “Acerto de Contas - Parte 2”, porque impossível mesmo é não gostar dessa franquia.

Pipocas 5,0 + Rapaduras 4,0 = 9.0


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