Por Rafael Morais
25 de novembro de 2016
“Você vive hoje uma
vida que gostaria de viver por toda a eternidade?”. Eis um questionamento do
filósofo alemão Nietzsche
que, entre tantas outras ponderações, vem a dialogar com o novo trabalho do
cineasta canadense Dennis Villeneuve. Audacioso, no bom sentido, intrigante e
filosófico, “A Chegada” não subestima em nenhum momento o espectador,
demonstrando uma autoconfiança invejável do diretor e do roteirista Eric Heisserer, principalmente neste
gênero de filme, onde o excesso de didatismo costuma imperar.
Imagine o mundo
tomado, de repente, por doze ovnis espalhados por diversos continentes. Nesse
contexto, conhecemos a intérprete/linguista Louise (Amy Adams), que convocada
pelo coronel Weber (Forest Whitaker) faz parte de uma equipe de cientistas, da
qual também está o físico/matemático Ian (Jeremy Renner), tudo para tentar
traduzir a mensagem dos visitantes inesperados. O desespero das diferentes
nações diante do desconhecido, dos militares frente a uma provável ameaça e dos
religiosos constatando as suas crenças caírem por terra. Afinal, o que eles
querem de nós? Essa é a premissa do longa, capaz de prender a nossa atenção do
início ao fim. E muito se deve ao talento de Villeneuve ao abordar a linguagem
como força motriz do filme, inclusive a cinematográfica, o que faz com
maestria. Brincar com uma montagem não linear, tal qual o conceito de
palíndromo (frase
ou palavra que se pode ler, indiferentemente, da esquerda para a direita ou
vice-versa), criando uma
identidade harmônica com o que está sendo visto.
Assim, instigar o público, já curioso
por natureza, se torna uma arma (ou seria ferramenta?) na mão do idealizador. Perceba
a curiosidade superficial dos personagens em saber o formato
dos alienígenas, pelo menos em dois momentos, identificando-se com a do
espectador, freando a expectativa e colocando mais suspense no que está por vir: “Eles possuem boca?”, pergunta Louise
ao coronel num primeiro momento, sendo abruptamente desconversada pelo militar;
“como eles são?”, pergunta Ian a um dos cientistas; “você vai já ver”, responde
antes de entrar na câmara. Para quem conhece as outras obras do cineasta, fica
fácil observar as semelhanças entre elas. A alta dose de tensão empregada na
sequência do carro em “Sicario: Terra de Ninguém” lembra o primeiro encontro
dos cientistas com os alienígenas, tudo na perspectiva de Louise. Respiração
ofegante, preparação angustiante e esta tensão crescente são digitais do
idealizador, tudo somado a lindos planos aéreos, que servem não somente para
nos ambientar na geografia do local, como também para lembrar o quão efêmeros
somos. E a música de Jóhann Jóhannsson,
parceiro habitual na filmografia do canadense,
é forjada com os próprios elementos da narrativa, através dos sons emitidos
pelos aliens - lembrando “Sinais” do Shyamalan, neste aspecto - compondo a trilha
ideal para o clímax.
Dono de uma fotografia
incrível, com referências diretas a “Contato” e “2001 – Uma Odisseia no
Espaço”, sem esquecer “Solaris” e “Interestelar”, o filme sabe onde está
pisando, deixando o seu recado para quem quiser ouvir, ou sentir seria mais
apropriado?! O fato é que neste misto de suspense com sci-fi há espaço para
abordar temas primordiais, principalmente nos dias atuais, tais como: a
importância de uma boa comunicação, a utópica união entre os povos,
solidariedade, altruísmo, entre outros. Tudo isso sem soar piegas!
Deste modo, o peso no
drama da protagonista é essencial para que compreendamos o sentido da mensagem,
tudo construído por elipses que captam os principais momentos de mãe e filha,
numa sequência de abertura que lembra um misto de “Up” com “Árvore da Vida”.
Aliás, Terrence Mallick pode ser sentido em diversas cenas da fita, desde o
toque de um empolgado cientista na concha (como chamam o ovni), bem intimista,
até nos enquadramentos que miram a natureza. Ao final, assim como a protagonista se desfez das suas pesadas vestimentas para conseguir se comunicar, dispa-se dos
preconceitos, dos estereótipos, e encare o novo: vá ao cinema e experiencie um
dos melhores filmes do ano!
*Avaliação: 5 pipocas + 5 rapaduras = nota 10.