Por Rafael Morais
17 de novembro de 2016
"Há mais coisas
entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia". Essa
clássica frase do escritor William Shakespeare poderia resumir a mais nova
adaptação da Marvel para os cinemas, só que não! Este "Doutor
Estranho" fica no meio do caminho e não consegue sair da zona de conforto
cinematográfica em que o estúdio tem se ancorado. A tal fórmula do humor
empurrado goela abaixo já passa a incomodar, somado à ausência de
urgência/perigo a qual os personagens da Marvel/Disney nunca passaram
verdadeiramente.
A trama da vez gira em torno de um médico arrogante, Stephen
Strange (o sempre ótimo e carismático Benedict Cumberbatch), que se vê
incapacitado após um acidente de carro. Assim, Strange busca se recuperar de
todas as maneiras possíveis, indo parar em Katmandu, onde encontra a “Anciã”
(Tilda Swinton desfilando sua versatilidade), através de “Mordo” (Chiwetel
Ejiofor). O primeiro ato nos dar a falsa sensação de estarmos diante de
algo diferente, principalmente quando somos apresentados a um protagonista
sequelado após este grave acidente. O estado das suas mãos e o rosto
desfigurado destoa dos filmes de heróis ao qual estamos acostumados. E o
diretor Scott Derrickson enquadra com excelência a nova situação de
Strange, limitado e angustiado, numa tomada frontal, em primeira pessoa, onde
os braços estirados do herói nos colocam
numa posição desconfortável, tal qual aquela em que ele vive. O gore está lá,
na medida, mas não se anime, pois ele vai desaparecer.
O fato é que o currículo
do cineasta em fitas de terror (“O Exorcismo de Emily Rose”, entre outros) me
fez acreditar, previamente, em uma atmosfera sombria, diferente da aquarela que
acabou pintando a fotografia do filme. Contudo, para não soar como um desastre
completo, a divertida película se destaca em três sequências extremamente bem conduzidas:
a iniciação do herói no mundo místico - que explodirá a sua cabeça, sobretudo
se assistida em IMAX - precedida de um excelente diálogo com a Anciã; a luta de
Estranho com um clã de magos do mal, liderados por Kaecilius (Mads Mikkelsen
sendo o Hannibal de sempre), claramente sugada de “A Origem/Inception”, onde o
personagem de Joseph Gordon Levitt luta com capangas, em gravidade zero, aqui
elevado à enésima potência; e a utilização do “Olho de Agamotto” (uma das tais joias
do infinito) no desfecho, ocasião em que o tempo volta em slow motion enquanto
a porrada come solta. Aliás, apesar de
inúmeros poderes e armas místicas, a boa e velha pancadaria é a solução
encontrada pelos magos durante o enfrentamento, o que nos causa estranheza pela
falta de criatividade.
Furos estes que o roteiro escancara ao espectador, sem
parcimônia. Observe a necessidade de tudo girar em torno do hospital onde o
protagonista trabalha, até mesmo quando este precisa de uma cirurgia delicada e
é o seu pior rival, frequentemente humilhado por sua falta de perícia, quem vai
realizar o procedimento. E o livro sagrado, objeto importantíssimo, facilmente
roubado na abertura do filme pela gangue de Kaecilius? Faltou uma vigilância
redobrada ali, ou a Anciã (que já deveria estar “careca de saber”, com a
licença do trocadilho) é inexperiente demais para não perceber que isso poderia
acontecer?
Voltando aos aspectos positivos (juro que estou tentando), a trilha sonora, por sua vez, equaliza o tom aventuresco, configurando um acerto dentro da proposta.
Repare que o arco do herói, perfeitamente traçado em todos os filmes do gênero,
ganha contornos apoteóticos na composição de Michael Giacchino.
Por outro lado, parte do elenco, mal aproveitado, traz coadjuvantes sem graça,
que vão desde um interesse amoroso sem sal (Rachel McAdams, o que aconteceu com
a senhorita depois de o “Diário de uma Paixão”?) a vilões descartáveis e amigos
questionáveis. Enfim, não rolou pra mim! Pode ser que a minha expectativa estivesse
voltada a mais psicodelias e pirações estranhas, não limitada apenas ao sobrenome
do personagem-título.
*Avaliação: 3,0
pipocas + 2,5 rapaduras = nota 5,5.