Por Rafael Morais
19 de setembro de 2016
O cineasta uruguaio Fede Alvarez despontou para os holofotes
hollywoodianos com o curta “Ataque de Pânico” lançado no Youtube há 07 anos.
Não demorou a Sam Raimi apresentar o novel diretor em um projeto ousado, mas
que deu muito certo: regravar o cultuado “Evil Dead” (traduzido por aqui como
“A Morte do Demônio”). E a aposta em Alvarez vem
dando ótimos frutos: o remake se saiu bem na crítica e público ao ponto de
alavancá-lo a outros trabalhos. Chegamos, assim, a este "O Homem nas
Trevas" com a expectativa nas alturas. Entretanto, devido a um roteiro
pífio, o resultado não atinge o nível esperado, por mais que o diretor deixe o
seu “DNA esparramado” em cada frame (sim, esta expressão faz referência a uma determinada cena
do filme).
O argumento, por sua vez, é bastante simples: um grupo de jovens
ladrões decide furtar a casa de um idoso, cego, reformado do exército. Segundo
relatos, a vítima mora sozinha e estaria guardando em sua casa uma bolada em
dinheiro vivo proveniente de uma indenização judicial. Mas o que seria um sonho
se torna um pesadelo para os delinquentes quando se veem trancafiados com um
sujeito repleto de mágoa, forte e raivoso, tal qual o seu cão. Aliás, a
homenagem a "Cujo" - obra de Stephen King adaptada para home video
que alegrou as minhas tardes de cine trash na infância - está explícita para
quem quiser enxergar (desculpe o trocadilho novamente).
Abraçando os clichês do
gênero, que vão desde as tomadas de decisões imbecis a não dar o "tiro de misericórdia/golpe
final" no vilão, entre outras, para não entregar trechos importantes do
filme, Alvarez capricha mesmo é na linguagem narrativa, entregando ótimas rimas
visuais. Esqueça a cafonice da joaninha, por favor. Repare no plano-sequência empregado após a invasão da residência: um take
sem corte capaz de situar o espectador no enorme cenário. A câmera passeia
pelos cômodos entregando detalhes, armadilhas e objetos que serão essenciais no
decorrer da película: revólver embaixo da cama, martelo acima da bancada, entre
outros.
Outro destaque do filme fica por conta do orgânico design e mixagem de
som. Com o volume no talo, tal qual a crescente tensão, sentimos a nossa
audição tão aguçada quando à de um deficiente visual. Qualquer barulhinho é
captado pela técnica e introduzido nos momentos adequados, com maestria e
sensibilidade, provocando a imediata sensação de angústia tanto nos personagens
quanto no espectador.
Por outro lado, esse quesito evidencia um dos buracos do pálido roteiro, já que o homem cego (sim, o vilão não tem nome), em determinados
instantes, não consegue sequer notar que tem alguém bem na sua frente, enquanto
em outros sente até o cheiro do chulé dos bandidos, nos fazendo concluir que o
olfato do sujeito é mais apurado que sua audição.
Falhando também na tentativa de aproximar o
anti-herói do público, a obra não consegue nos fazer se importar com o desfecho
da personagem feminina Rocky (Jane Levy), mesmo se utilizando de uma criança
para justificar os seus fins, o que só demonstra um pretexto rasteiro para uma
ladra extremamente gananciosa cometer os seus crimes. Não colou!
Já a ambientação em Detroit combina com a atmosfera sugerida,
uma vez que a cidade foi assolada pela crise financeira em 2008. E nesse
propício contexto, somos apresentados a Stephen Lang compondo um homem de
físico imponente, transpirando
ameaça, mesmo sem enxergar, desprovido de remorso, que teima em não abandonar o seu bairro, como fizeram os seus
vizinhos, e com o senso de justiça claramente
deturpado, ficando somente a cargo da reviravolta (plot twist) o elemento
capaz de colocá-lo na posição de vilão/monstro.
Contudo, felizmente, o talento do cineasta para filmar o
horror se sobressai. O gore está na medida, na linha tênue entre o
escatológico, como deve ser. Observe os enquadramentos fechados (close) nos
semblantes de agonia das vítimas indefesas, bem como na utilização dos efeitos
de “zoom out” e “dolly in” (truques na lente da câmera capazes de alterar o
comprimento focal e distanciamento do fundo) servindo para encarcerar ainda
mais os personagens, trazer senso de urgência e/ou desorientação. Hitchcok fez
escola e Alvarez aprendeu direitinho!
* Avaliação:
3,5 pipocas + 3,0 rapaduras = nota 6,5.