segunda-feira, 26 de setembro de 2016

NOS CINEMAS - Café Society

Por Rafael Morais
26 de setembro de 2016

Woody Allen volta a falar sobre o acaso - pouco inspirado, desta vez - em mais uma de suas comédias dramáticas. Banhado por uma fotografia solar de Vittorio Storaro, condizente com a Los Angeles dourada apresentada (também uma referência à era de ouro do cinema americano dos anos 30), o filme introduz o seu protagonista Bobby (Jesse Eisenberg) como um estereótipo de seu criador: repare nos trejeitos e caracterização do personagem que quase emula os de Allen. Se toda criatura tem um pouco de quem o concebeu, não é por acaso o fato de Bobby falar rápido, ter uma postura insegura, soltar frases paradoxais e existenciais. 

Na verdade, não precisa se esforçar para perceber que estamos diante de uma obra de Woody Allen. A identidade visual e sonora são uma de suas marcas cinematográficas. Observe já na abertura, com a tela preta e letreiros na cor branca, sempre na mesma fonte, acompanhada por jazz casual ao fundo: já sabemos quem assinou a obra. E quando os diálogos surgem, berram: "Allen, Allen". Como sou admirador do cineasta, já me entreguei, de cara, a mais um episódio proveniente de sua cabeça efervescentemente inquieta. 

Desta vez, acompanhamos um pouco dos bastidores da indústria do cinema como pano de fundo de uma historia de amor que envolve ganância, intriga e dilemas existenciais, como não poderia deixar de ser. Nesta situação, somos apresentados a um importante agenciador de atores na figura de Phill (Steve Carrel). Desde o princípio, a imponência deste personagem está estampada em tudo à sua volta. O plano-sequência que abre o longa mostra Phill sendo chamado para atender a um telefonema, tendo que se ausentar de uma luxuosa festa à beira de uma piscina, cercado por astros e estrelas da sétima arte. Do outro lado da linha, sua humilde irmã (Jude Davis), lhe roga um favor: que acolha o sobrinho Bobby, desempregado, na cidade e lhe ofereça uma oportunidade de trabalho. A partir desta cena é notória a preocupação da obra em dualizar os dois mundos desta mesma família: se por um lado Phill vive mergulhado num universo caloroso, quente e solar, que remete ao conforto; seus irmãos, que possuem condições financeiras diametralmente opostas, acabam refletidos em ambientes de paleta fria, sem cores vibrantes, demonstrando um cotidiano normal, quase que sem graça. 

Neste sentido, toda vez que Phill surge em cena, os cenários que lhes cerca são imensos, sempre com espaço sobrando, tomado por móveis lustrados e figurinos impecáveis. De outra parte, a sua humilde família é sempre enquadrada em locais apertados, móveis simples e figurinos triviais. Com a exceção de Ben (Corey Stoll), o gângster deslocado. Mas a ideia realmente é essa: destacar as duas personas, Phill e Bobby, daquela “pacata” linhagem. O extraordinário salta aos olhos do cineasta. 

Mas o filme tenta ganhar fôlego com a chegada do sobrinho ao mundo novo apresentado. Narrando os desafios e desilusões amorosas de um jovem “inocente” conhecendo a realidade pelos olhos de Vonnie (Kristen Stewart), a secretária de Phill, o roteiro tende a “novelizar” demais as situações, sem contar com uma estranha (para não dizer desnecessária) narração em off do próprio diretor.  Aliás, a falta de expressão de Stewart incomoda ao ponto de não entendermos como ela despertou a paixão de Bobby. E o pior: o filme homenageia, aqui e acolá, algumas das grandes atrizes de Hollywood, como Gloria Swanson, por exemplo. Deste modo, escalar Stewart se tornou um erro de casting, já que mais tarde entra em cena a talentosa Blake Lively (Veronica) desfilando carisma, dona de uma beleza elegante, condizente com o glamour da época. 

Mesmo torcendo contra o casal principal (e o não se importar com o desfecho dos protagonistas acaba se refletindo num pálido final), que vivem um relacionamento obsessivo, o público tende a se apegar a qualquer coisa para não perder o foco, uma vez que o desenvolvimento dos personagens é sofrível. Assim, a Nova York filmada no pôr do sol é deslumbrante (assim como em Manhattan) ao ponto de nos esquecermos, por um instante, da efemeridade do que está sendo falado, para nos flagrarmos encantados com a estética da composição: a embalagem vencendo o conteúdo, o que é raro na filmografia do idealizador.

*Avaliação: 2,5 pipocas + 3 rapaduras = nota 5,5 

Nenhum comentário:

Postar um comentário