segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

NO RITMO DO CORAÇÃO (CODA)

Por Rafael Morais

Após um sucesso estrondoso no Festival de Sundance esta produção da Apple TV+, adquirida pelo Amazon Prime Video, é aquele típico feel good movie necessário para os dias atuais.

A jovem Ruby (a cativante Emilia Jones) é a única pessoa capaz de ouvir em uma família de surdos. E quando o negócio de pescaria de seus pais é ameaçado, ela fica dividida entre seu amor pela música e suas obrigações. Ruby é uma CODA (children of deaf adults, ou filha de adultos surdos) - sigla homônima ao título original do filme.

Assim, a diretora e roteirista Sian Heder - que se baseou no filme francês A Família Bélier” - adapta um script que mostra o poder da comunicação, alternando leveza e peso nas horas oportunas. É incrível como, de repente, você se pega sorrindo para, no segundo seguinte, as lágrimas descerem incontrolavelmente. Um musical disfarçado de dramédia.

Na verdade, a condução dos atos e a estrutura da montagem me lembrou ligeiramente “A Pequena Miss Sunshine”. A sequência do concerto escolar é de uma sensibilidade sem igual e se assemelha à referência citada. Optar por excluir a sonora de um local, colocando o espectador diretamente na pele - ou melhor, no tímpano dos personagens - é imersivo e angustiante, mas imperioso à narrativa.

É o longa feito para quem tem um coração de manteiga derretida. Ou para aqueles desprovidos de sentimentos tentarem superar os seus limites. Prepare o lenço, tente não se emocionar e falhe miseravelmente. E o melhor é que a pieguice anda longe da trama, fazendo com que os conflitos genuínos de Ruby e sua família sejam palpáveis. É impossível não se identificar com a protagonista, neste sentido. A garota sofre demais por ter nascido diferente dos demais dentro do próprio lar. Incompreendida – e lutando para que o mundo lá fora compreenda as suas dores e de seus parentes - é como se ela carregasse nos ombros uma culpa que não é dela.

Destaque também para a atuação da mãe de Ruby, Jackie Rossi (a oscarizada Marlee Matlin), o irmão Leo Rossi (Daniel Durant) e, sobretudo a presença marcante do pai Frank Rossi (o impecável Troy Kotsur) em cena; aliás, os últimos dois são, de fato, surdos na vida real.

Não menos interessante, o uso da linguagem de sinais, que os personagens utilizam para se expressar durante toda a projeção, é um elemento narrativo poderoso não só por comprovar que o homem médio não faz ideia de como se comunicar com um deficiente auditivo, mas também por conferir verossimilhança, energia e dramaticidade aos diálogos.

Ao final, "No Ritmo do Coração" é um exercício à empatia, uma fábula acerca do desprendimento, do amadurecimento e, principalmente, sobre pertencimento. Uma obra sutil, humana e representativa que aposta na emoção sem se entregar aos clichês. Trata-se de uma grata surpresa que não apela para o dramalhão barato em momento algum. Uma verdadeira pérola escondida no streaming da "locadora azul".

*Avaliação:5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.


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