A máfia sob a genial perspectiva de Scorsese.
Francis Ford
Coppola elevou os filmes de máfia a um patamar impressionante com a saga
da família Corleone na trilogia "O Poderoso
Chefão". Partindo dessa premissa, o que vimos foram sucessivas
produções sobre o tema, embora nenhuma alcançasse o nível cinematográfico da
icônica trilogia.
No
entanto, surpreendentemente, no ano de lançamento do terceiro filme da
saga do "Padrinho", o cineasta ítalo-americano Martin
Scorsese entrega um filme do gênero, mas com o seu olhar peculiar. Como de
costume, na filmografia do diretor (agora renomado) o reconhecimento como
obra-prima demorou a acontecer. Hoje ninguém duvida que "Os Bons
Companheiros" é um jovem clássico!
Enquanto Coppola trabalha
com um registro romantizado, nostálgico e bastante
estilizado, Scorsese é muito mais dinâmico, brutal e realista. E põe
realismo nisso, pois, logo na sequência de abertura, já começamos seguindo os
três amigos mafiosos (DeNiro, Ray Liotta e Joe Pesci) levando uma vítima que se
debate no porta-malas, onde, segundos depois, viria a ser executada a sangue
frio. Tudo sem remorso, sem cerimônia, simples assim.
Para Scorsese, o mafioso,
dentre outras características, é aquele sujeito que não se submete às
atividades triviais de um cidadão comum. E isso fica claro no arco do personagem
de Liotta.
Tecnicamente, o cineasta é
impecável na condução da narrativa seja pela montagem dinâmica, que não deixa a
história descansar, seja pelo esmero em cada take. É perceptível que os storyboards
foram fielmente seguidos na configuração das cenas.
Observe, por exemplo, os belos
planos-sequências nas cenas da boate, perpassando todas as figuras envolvidas
na trama, pormenorizando o meio/ o habitat daqueles
"poderosos" homens. E por falar em boates ("funny how?!", é impossível não lembrar essa fala), destaque para a iluminação,
figurino e direção de arte soberbos.
É Cinema na essência. Observe
a cena em que Henry esmurra um sujeito desferindo várias coronhadas no rosto: note que
a câmera filma tudo estaticamente nos inserindo como verdadeiros testemunhas
voyeurs daquelas atrocidades. Quando assistimos ao filme, percebemos que
estamos nas mãos de um mestre.
Baseado em Wise Guys,
livro-reportagem de Nicholas Pileggi sobre personagens reais, o filme
faz uma espécie de painel da história americana em quase 30 anos através da
trajetória do mafioso Henry Hill (Ray Liotta). Ainda garoto, ele se junta
à máfia e passa a crescer na organização trabalhando para o chefão do bairro e
tornando-se amigo dos "bons companheiros" Jimmy (Robert De
Niro) e Tommy (Joe Pesci). É a inserção do anti-herói no mundo
dos mafiosos. A partir daí, o que se vê é puro virtuosismo cinematográfico de
Scorsese.
A narrativa em off
de Henry Hill (Ray Liotta), conversando em tom coloquial com o
espectador, é sonoramente primorosa. Aliás, Liotta dá um show de
interpretação. À época, o ator enxergou no papel a chance de entrar de vez em Hollywood,
em que pese já ter participado do ótimo "Campo dos Sonhos", mas
que não havia ganhado tantos holofotes quanto deveria.
Na verdade, todo o elenco é absurdamente talentoso. É impressionante como Robert DeNiro se
expressa diante das câmeras. Em várias cenas, basta um olhar para o espectador
"se ligar" no recado do personagem. Claro que o melhor de todos é o
baixinho mal-encarado que fica por conta do excelente Joe Pesci (ainda melhor
que na continuação descompromissada, “Cassino"). Além da pequena
participação do "coringa" Samuel L. Jackson. Todos brilham.
“Goodfellas”, de
fato, não é um filme comum de gângster. É sobre escolhas e
consequências; sobre a introdução, desenvolvimento e desfecho do protagonista
que envereda pelo universo do crime, porém, sem o glamour que ele tanto
esperava como recompensa. Um verdadeiro soco no estômago do espectador e,
principalmente, do sonho americano.
*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.