quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Aniversariantes Memoráveis - 32 anos de OS BONS COMPANHEIROS

 A máfia sob a genial perspectiva de Scorsese.

Por Rafael Morais

Francis Ford Coppola elevou os filmes de máfia a um patamar impressionante com a saga da família Corleone na trilogia "O Poderoso Chefão". Partindo dessa premissa, o que vimos foram sucessivas produções sobre o tema, embora nenhuma alcançasse o nível cinematográfico da icônica trilogia.

No entanto, surpreendentemente, no ano de lançamento do terceiro filme da saga do "Padrinho", o cineasta ítalo-americano Martin Scorsese entrega um filme do gênero, mas com o seu olhar peculiar. Como de costume, na filmografia do diretor (agora renomado) o reconhecimento como obra-prima demorou a acontecer. Hoje ninguém duvida que "Os Bons Companheiros" é um jovem clássico!

Enquanto Coppola trabalha com um registro romantizado, nostálgico e bastante estilizado, Scorsese é muito mais dinâmico, brutal e realista. E põe realismo nisso, pois, logo na sequência de abertura, já começamos seguindo os três amigos mafiosos (DeNiro, Ray Liotta e Joe Pesci) levando uma vítima que se debate no porta-malas, onde, segundos depois, viria a ser executada a sangue frio. Tudo sem remorso, sem cerimônia, simples assim.  

Para Scorsese, o mafioso, dentre outras características, é aquele sujeito que não se submete às atividades triviais de um cidadão comum. E isso fica claro no arco do personagem de Liotta.

Tecnicamente, o cineasta é impecável na condução da narrativa seja pela montagem dinâmica, que não deixa a história descansar, seja pelo esmero em cada take. É perceptível que os storyboards foram fielmente seguidos na configuração das cenas.

Observe, por exemplo, os belos planos-sequências nas cenas da boate, perpassando todas as figuras envolvidas na trama, pormenorizando o meio/ o habitat daqueles "poderosos" homens. E por falar em boates ("funny how?!", é impossível não lembrar essa fala), destaque para a iluminação, figurino e direção de arte soberbos. 

É Cinema na essência. Observe a cena em que Henry esmurra um sujeito desferindo várias coronhadas no rosto: note que a câmera filma tudo estaticamente nos inserindo como verdadeiros testemunhas voyeurs daquelas atrocidades. Quando assistimos ao filme, percebemos que estamos nas mãos de um mestre.

Baseado em Wise Guys, livro-reportagem de Nicholas Pileggi sobre personagens reais, o filme faz uma espécie de painel da história americana em quase 30 anos através da trajetória do mafioso Henry Hill (Ray Liotta). Ainda garoto, ele se junta à máfia e passa a crescer na organização trabalhando para o chefão do bairro e tornando-se amigo dos "bons companheiros" Jimmy (Robert De Niro) e Tommy (Joe Pesci). É a inserção do anti-herói no mundo dos mafiosos. A partir daí, o que se vê é puro virtuosismo cinematográfico de Scorsese.

A narrativa em off de Henry Hill (Ray Liotta), conversando em tom coloquial com o espectador, é sonoramente primorosa. Aliás, Liotta dá um show de interpretação. À época, o ator enxergou no papel a chance de entrar de vez em Hollywood, em que pese já ter participado do ótimo "Campo dos Sonhos", mas que não havia ganhado tantos holofotes quanto deveria. 

Na verdade, todo o elenco é absurdamente talentoso. É impressionante como Robert DeNiro se expressa diante das câmeras. Em várias cenas, basta um olhar para o espectador "se ligar" no recado do personagem. Claro que o melhor de todos é o baixinho mal-encarado que fica por conta do excelente Joe Pesci (ainda melhor que na continuação descompromissada, “Cassino"). Além da pequena participação do "coringa" Samuel L. Jackson. Todos brilham.

Goodfellas”, de fato, não é um filme comum de gângster. É sobre escolhas e consequências; sobre a introdução, desenvolvimento e desfecho do protagonista que envereda pelo universo do crime, porém, sem o glamour que ele tanto esperava como recompensa. Um verdadeiro soco no estômago do espectador e, principalmente, do sonho americano. 

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.

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