Adaptar um jogo eletrônico para os cinemas, de forma bem sucedida, se transformou em um dos maiores desafios que a indústria dos blockbusters já enfrentou. E isso se deve, entre outras questões, ao fato de que nos videogames quem controla o protagonista, quem dita o seu rumo, é o espectador enquanto sujeito ativo da narrativa.
E por mais que o script do game seja linear - sem ser de "mundo aberto" - essa impressão de mover a história pra frente, literalmente, causa uma sensação de poder indescritível ao jogador. Ter o “controle nas mãos” é algo extremamente satisfatório e uma experiência solitária, muitas vezes. Será que o público está disposto a compartilhar o seu "herói" favorito de maneira coletiva?! Será que a falta desse pseudo poder de decisão realmente influencia no resultado negativo (de crítica e público) de uma obra baseada em um jogo?!
Incertezas à parte, o Playstation Studios escolheu a franquia Uncharted para debutar em Hollywood e tentar quebrar esse estigma. A escolha não foi à toa, uma vez que os jogos guardam aspectos cinematográficas como uma de suas principais características. Seja pelos mirabolantes planos-sequência de ação, seja pelo esmero na direção de arte e desenvolvimento das personas.
Nessa toada, a aventura de Nathan Drake e sua turma chega às telonas numa proposta de rejuvenescimento dos personagens e mudanças de suas origens. Ajustes do estúdio para não reproduzir fielmente a mesma história já contada e conhecida pelos fãs, além de não "nichar" tanto o público, alcançando uma classificação indicativa mais abrangente. E claro: surfar no hype do carismático Tom Holland, o atual Peter Parker/Homem-Aranha do MCU.
Em tese, a busca por um tesouro perdido é o pretexto da jornada. Mas o sucessor do lendário pirata Francis Drake, pelo menos era isso que os seus pais diziam, encontra mesmo sua motivação mais nos meios do que no fim. O jovem órfão Drake está mais interessado na expedição do que propriamente no espólio. Assim, Nathan tem uma personalidade carismática e humana que atrai a identificação imediata da plateia: o cara é sarcástico, malandro, despojado, leal e bem-humorado. Em que pese o lado cafajeste se perder um pouco na versão de Holland.
Entretanto, se por um lado temos um protagonista multifacetado - inclusive a carapuça de anti-herói também lhe serve; por outro, faltou profundidade ao antagonista. Antonio Banderas exagera nas frases prontas, nas "caras e bocas", entregando um vilão estereotipado até dizer chega. Claro que o roteiro, previsível e superficial, não acertou a mão. É como se Nathan e seu parceiro Victor Sullivan (Mark Wahlberg) estivessem dançando uma música e embalados por um ritmo totalmente diferente dos demais. A química entre os dois acontece e as melhores cenas sempre envolvem a dupla, de alguma maneira. Sophia Taylor Alli (como Chloe Frazer) completa o trio de ladrões "desonrados" entre si, sem tanto destaque como merecia.
Antecipadamente, confesso que finalizei todos os jogos da saga, são cinco ao total, e isso interferiu muito nesta minha análise, mas pelo lado positivo. Me peguei com o sorriso no rosto, várias vezes, captando todas as referências que pipocavam na tela. Duvido se o espectador médio, que não se envolveu com o game, vá curtir tanto o longa-metragem, tamanho o fan service ali entregue.
Desde a abertura, onde a Playstation Productions apresentou sua nova introdução animada, caprichadíssima e que acabou de “sair do forno”; passando pela utilização da linda música-tema de "Uncharted 4: The Thief's End" ressoando ao fundo; até perceber o discreto easter egg de um pequeno adesivo da "Naughty Dog" - desenvolvedora dos jogos - na mala de viagem de Nate. Tudo me causava arrepio e desbloqueava as melhores memórias das minhas jogatinas.
No entanto, devo dizer que apesar de extremamente divertido e despretensioso, "Uncharted: Fora do Mapa" é aquela típica diversão escapista de uma boa e clássica "sessão da tarde", onde as cenas de ação cumprem bem o seu papel - se você não levar em consideração a física e fizer meia dúzia de "licenças poéticas". É uma produção que vai dialogar mais com quem teve a oportunidade e o prazer de conhecer os jogos do que captar novos fãs.
Pitfall, Indiana Jones e Tomb Raider fiquem tranquilos: Uncharted é uma mistura respeitosa e atual de todos vocês juntos. É um "continue" no lugar do "game over". É a Sony pensando grande a partir de pequenos começos. "Sic Parvis Magna".
* Tem duas cenas pós-créditos.
** Avaliação: 5,0 Pipocas + 3,0 Rapaduras = 8,0.