A DC Comics vem acertando a mão após os ventos do “sombrio e realista” soprarem sobre as suas produções. É fato que “Batman Vs Superman” dividiu as plateias, ganhando a reprovação de grande parte da imprensa, seguido por uma “Liga da Justiça” que não deu liga!
Assim, chegamos à “Mulher-Maravilha”, responsável por arejar o universo DC, trazendo otimismo ao que estava por vir. “Aquaman”, por outro lado, demonstrou como uma história de fantasia leve, colorida e bem construída pode dar certo, sopesando o humor com o drama, sem esquecer das boas cenas de ação. Tudo isto para chegar em “Shazam!”, a aposta da vez dos estúdios Warner consolida a tendência do tom ameno, da comédia despretensiosa, entre uma pancada e outra - não só física, mas emocional - trabalhando mais na dinâmica dos personagens, nas interações e no envolvimento com a plateia. Sim, não preciso dizer que os efeitos visuais estão bons e as cenas de ação empolgam - isso já é quase obrigação para os filmes deste gênero hoje em dia. O diferencial, aqui, é outro.
A trama apresenta Billy Batson (Asher Angel) como um obstinado garoto em busca de voltar ao convívio de sua mãe, a qual se perdera durante um passeio no parque, ainda menino. Para tanto, entre rebeldias, expulsões de colégios, fugas de abrigos e incompreensão, nutrindo sentimento de desprezo, conhecemos o protagonista aos 14 anos de idade já amargurado com a vida, sem esperança. Características marcantes implementadas desde o início, as quais serão exploradas no fechamento do arco, da jornada do herói. Neste contexto, as ótimas comparações com "Quero Ser Grande", com direito a uma homenagem explícita, ou qualquer obra de John Hughes, são inevitáveis.
Entretanto, a vida do adolescente começa a mudar quando o casal Victor e Rosa Vasquez (Cooper Andrews e Marta Milans) resolve o levar para um lar provisório, de crianças “abandonadas”, oferecendo alimentação, estabilidade e o mais importante: afeto. E é justamente aí, no entrosamento ao conhecer seus “irmãos”, no convívio familiar, na química entre eles, que o filme ganha o espectador. O coração do longa pulsa naquela residência. Ponto também para a excelente trilha sonora, que vai de Queen, passando por The Police a Ramones, a boa música marca o ritmo do longa.
Não menos sensacional, destaco o elenco mirim, principalmente Freddy (o excelente Jack Dylan Grazer) moleque carismático, engraçado e amigo fiel, quase um sidekick do herói; a fofa falante Darla (Faithe Herman, surpreendente) e o inteligente Ian Chen (Eugene Choi), o viciado em videogames (olha o estereótipo), rendendo ótimas piadas/referências geeks.
Mas o principal conflito ainda estava por acontecer. Após uma confusão com dois valentões na escola, Billy foge para o metrô e é “abduzido” para um universo fantástico/paralelo, onde recebe de um antigo mago o dom de se transformar num super-herói adulto chamado Shazam (Zachary Levi impecável!). Ao gritar a palavra “SHAZAM!”, a magia toma conta e o adolescente se transforma nessa sua poderosa versão adulta. Deste modo, o tom mais divertido é logo percebido, em comparação a outros longas de super-heróis, tendo em vista que a primeira coisa que o Billy faz, junto ao seu amigo Freddy, é testar as possíveis habilidades. O poder descompromissado rende ótimas sequências, ao passo que traz leveza à narrativa. “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” é uma ova!
Advindo do horror (“Annabelle 2” e “Lights Out”), o diretor David F. Sandberg (tal qual James Wan de Aquaman), não pesa a mão, sabendo balancear e segurar sua onda gore, mesmo que o vilão dê todas as ferramentas para explorar este gênero. Sim, o Dr. Thaddeus Sivana (vivido pelo sempre competente Mark Strong) é o representante do mal encarnado, pois o nefasto sujeito absorve os sete pecados capitais, todos personificados em monstros horrendos, liberando-os quando bem deseja para atacar quem estiver no seu caminho, tipo uns capangas ou cães de caça. São nessas sequências, inclusive, que Sandberg se sente mais à vontade, na tensão dos monstros contrapondo a humanidade de suas presas. E no episódio da reunião no escritório, o cineasta flerta com o terror.
A propósito, a dualidade abordada entre os conflitos de Shazam e Thaddeus é propositalmente maniqueísta, é a luta do bem contra o mal, genuinamente. Enquanto o super-herói de Zechary Levi (o ator caiu como uma luva no personagem) conquista o público com a sua ingenuidade natural, cujo sentimento de altruísmo vai aos poucos dando lugar à falta de compromisso, é algo crescente; o malvado Dr. Sivana é ruim por essência, fazendo questão de colocar o seu arquirrival em situações que levam à perda da inocência. E isso, de certa forma, faz com que Billy/Shazam amadureça e passe a controlar os seus poderes para enfrentar o vilão.
Em “Shazam!”, os arquétipos reforçam a nostalgia, em que pese o filme se situar nos dias atuais. Ao final, o gosto que fica é aquele sentimento de “sessão da tarde”. Aquela “colcha de retalhos” bordada por referências à cultura pop por todos os lados, literalmente.
Pois é, quando o “S” da esperança surgiu lá em “Man of Steel”, e na época eu detonei por achar brega, explicativo demais, aqui já faz todo sentido. O símbolo aparece na blusa e na mochila de Freddy (que sofre bullying constantemente por mancar de uma perna), e quando este se junta a Pedro (um garoto obeso, tímido e indefeso), a Darla (menina negra, abandonada e sem lar), a um menino oriental estereotipado por ser aficionado por tecnologia e, finalmente, a Billy Batson, o “rebelde” que renega a rejeição, fica claro que este "clube dos derrotados” precisava de um “sinal verde” para seguir em frente. Saquei a referência, DC... que continue inspirada assim!=
*Avaliação: 5,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 9,0.