Um grupo de jovens é atormentado por uma entidade maligna, representada por diversas formas, guardando na figura do palhaço dançarino Pennywise a sua principal representação. Ancorado nesta premissa, este remake de "Uma obra-prima do medo", de 1990, se revela necessário tanto pelas questões técnicas (efeitos visuais aperfeiçoados, maquiagem caprichada e direção de arte impecável) quanto pelo valioso subtexto abordado, tão em voga atualmente: o bullying sofrido pelos heróis e a representatividade das minorias, através das diferentes raças, credos e culturas do clube dos "perdedores".
Na verdade, o roteiro escrito por Gary Dauberman, Chase Palmer e Cary Fukunaga conseguiu captar o espírito do livro de Stephen King ao estabelecer uma química entre os membros do grupo ao passo que expõe, gradualmente, as limitações e problemáticas de cada um. Repleto de alegorias sobre a difícil fase “mutante” que é a adolescência, o filme, de maneira proposital, desfoca a visão do adulto como um ser implacável com as suas crianças, além de alienados ao que está acontecendo à sua volta. E aqui, o Cinema sob o ponto de vista freudiano pesa a mão nas relações pais e filhos. "It - A Coisa" é focado exclusivamente sob a perspectiva do universo infanto-juvenil, em que pese a atmosfera de terror que toma a película.
Assim, o diretor Andy Muschietti captura cenas icônicas de uma juventude em constante transformação por meio de tomadas que evocam a amizade, os desafios e a maturidade precoce. Lembrando "Conta Comigo", também de King, neste aspecto - quando caminham pela floresta, andam de bicicleta pelas ruas e tramam planos mirabolantes - o cineasta tem ótimas e certeiras referências. E "A Hora do Pesadelo" de Wes Craven também é uma delas. Perceba o tom onírico das sequências de assombração que remetem àquelas situações em que Freddy Krueger escolhia sua presa, sempre solitária e indefesa. Contudo, se lá soava orgânico o fato de a vítima estar dormindo, e, portanto, havia uma lógica para o pesadelo ser um evento individual e descolado da realidade; aqui em "It" cada sequência de terror parece um videoclipe à parte, o que não ajuda na construção do todo, na misancene, podendo transparecer um viés episódico ao longa, situação que o Cinema evita a todo custo.
Isso também acontece graças ao terror estilosamente gráfico. Esqueça o medo psicológico ou intimista, aqui o gore rola solto e o monstro apresenta suas garras, literalmente. O suspense não andou lado a lado com o terror, aniquilando a preparação para o “sentir medo”. E por falar em medo, como a entidade nefasta se alimenta dele, é curioso notarmos a inventividade da direção de arte em criar lugares e figuras macabras para cada tipo de situação. Esgotos, escolas, quartos e porões fazem parte do imaginário popular, dos contos sombrios, fato não esquecido pelo script, muito menos pelo olhar apurado do diretor. Neste sentido, adaptando-se individualmente a cada tipo de fobia, variando de acordo com o personagem, chove criatividade em tela, como por exemplo: o leproso que assombra uma criança hipocondríaca; os traumas de uma tragédia do passado que voltam à tona no presente; o ciclo menstrual de uma garota entrando na puberdade (e a cena do banheiro é uma das minhas favoritas), que enfrenta o preconceito da sociedade dentro e fora de casa, apenas por ser mulher; e claro, o medo de palhaço. E assim chegamos a Pennywise.
Interpretado com maestria por Bill Skargard, o palhaço é freaky na medida, além de carregar nas expressões corporais e faciais um trunfo para a composição perfeita de um ser macabro. Entregando doçura para atrair uma criança e insanidade para fazê-la sentir medo, no mesmo quadro, como uma entidade sempre prestes a explodir, Pennywise parece estar onipresente tanto fisicamente, quanto em cada ato eivado de maldade. Note o balãozinho vermelho (a cor do perigo) que passeia perto de um personagem que acabara de praticar o mal ou omitir uma ajuda, como na sequência em que uma criança obesa é gravemente agredida por seus perseguidores, fato presenciado por um casal de senhores que passa de carro no momento e nada faz para ajudar a indefesa vítima. Desta forma, o símbolo surge no banco de trás do carro indicando que a figura de um clow é apenas uma das formas de malignidade.
O elenco mirim, por sua vez, é carismático e talentoso ao ponto de Amblin nenhuma botar defeito. E quando me refiro à empresa responsável por um dos melhores filmes de aventura dos anos 80 não é à toa. A película nos mergulha nesta época, flertando com o jeitão datado de um cine trash ou sessão da tarde (“Os Goonies” estão ali), ocasião em que a nostalgia nos pega de jeito. Spielberg que o diga...
Divertido mais do que aterrorizante, o longa deixa um gostinho de quero mais, muito embora tenha duas horas e quinze minutos de duração. De tal modo, até a fotografia solar explicita o tom aventuresco em detrimento do terror, uma vez que a maioria das cenas se passa à luz do sol, durante o verão, sem se preocupar com a mudança para uma possível paleta mais dark ou ambientes escuros.
Enfim, preparando terreno para a vindoura parte II (e não foi preciso esperar mais 27 anos para assistir à continuação, apesar desta data ser uma referência direta aos acontecimentos do filme), o desfecho amarra as pontas soltas, se é que tinha alguma, e cria expectativa para o que pode vir no futuro, uma vez que o medo não é privilégio apenas de crianças, muito pelo contrário.
E você, tem medo de quê?
*Avaliação: 5,0 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 9,0