quinta-feira, 16 de junho de 2022

Aniversariantes Memoráveis - 70 anos de A MONTANHA DOS SETE ABUTRES


Por Rafael Morais

Atemporal, obra-prima de Billy Wilder discute o jornalismo circense.

É muito difícil se comprometer com a verdade? Creio que sim, e para algumas profissões essa tarefa é ainda mais árdua. O meio jornalístico, por exemplo, precisa da notícia para existir. Porém, muitas vezes, a história surge de uma forma e é comunicada de outra, um tanto quanto mais afetada, sensacionalista e, por conseguinte, vendável. Tudo em nome da audiência, dos números e do lucro. Quem nunca exclamou isso ao assistir um telejornal: "Deus me livre, esse jornal só tem notícia ruim!" Claro, a informação quanto mais apelativa e nefasta, mais se vende.

A notícia deveria ser passada de maneira imparcial, guardando na figura do jornalista um elemento neutro que apenas informa a realidade dos fatos. Acredito que a partir do momento em que a história é alterada por alguma ação desse profissional, a informação já não é mais a mesma, passa a ser eivada de vícios, e, consequentemente, deturpada.

É nesse contexto que o cineasta Billy Wilder, dono de um currículo invejável (Crepúsculo dos Deuses (1950) O Pecado Mora ao Lado (1955), Quanto Mais Quente Melhor (1959), Inferno nº 17 (1953), Sabrina (1954), Testemunha de Acusação (1957) e Se Meu Apartamento Falasse, entre outros), oferece a sua visão nua e crua acerca desse mundo sorrateiro e falseado. 

O longa narra a história de Chuck Tatum (Kirk Douglas), um jornalista arrogante e inescrupuloso que ao perder o emprego em diversos jornais de grande circulação, se vê sem rumo, com a sua carreira em franca decadência. Até que o destino o guia até uma pacata cidade do Novo México, onde arruma um emprego em um jornal discreto e correto, ao ponto de uma placa, dentro do escritório, já apresentar a filosofia de trabalho do pequeno jornal: "Diga a Verdade", dizia a mensagem. Máxima inconcebível para aquele profissional.   

A ideia é que esse trabalho seria temporário, porém, o inquieto jornalista percebe que o tempo está passando e sua vida caiu na mesmice e no anonimato. Até que, para a infelicidade de um, e a alegria de tantos, um minerador (Richard Benedict) é soterrado em uma montanha próxima dali.

Assim, Tatum vê a oportunidade que precisava para voltar aos holofotes: dramatizar e explorar, até não poder mais, a história daquele homem, mesmo que para isso tenha que colocar em risco a vida dele e subornar quem for preciso para manter a exclusividade da coisa, entre xerifes e esposas. Inclusive, a esposa do desafortunado minerador, gananciosa ao extremo, é uma das figuras mais repulsivas do filme, pois, desiste da ideia de abandonar o marido graças aos argumentos de Tatum, que precisa da figura da mulher bondosa e companheira ao lado do esposo, mesmo que tudo não passe de aparência. Está montada a história "perfeita", e o circo está prestes a pegar fogo. 

Neste diapasão, A Montanha dos Sete Abutres é, sem dúvida, um dos filmes mais amargos e raivosos já saídos de algum estúdio de Hollywood. Tudo no filme remete ao pior do ser humano: egoísmo, manipulação, trapaças...

Servindo como estudo de ética para jornalistas em formação (o filme até hoje deve ser usado em faculdades), o discurso de Tatum resume perfeitamente o modo de se contar uma notícia: uma história individual, onde um homem apenas está em perigo, vende muito mais jornais do que se forem várias pessoas; afinal, um só é mais fácil dos leitores se importarem, pois você destrincha sua vida, ramifica a história, dramatiza-a, causando mais impacto do que um grupo. E isso é verdade, vide à atenção exacerbada que a mídia dá até hoje a casos individualizados.

A Montanha dos Sete Abutres é um retrato de como o meio jornalístico transforma simples notícias em espetáculos da existência. Obra-prima que deve ser obrigatoriamente revisitada por todos que gostam de um Cinema que vai muito além da denúncia, sendo o próprio retrato da vida real. Um dos grandes clássicos esquecidos que merece ser redescoberto pelo grande público.

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.

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