Não é um filme fácil. Perturbador, sufocante e, em muitos momentos, cruel, mas também necessário para compreendermos um contexto histórico onde escolhas impossíveis eram feitas diariamente. Inspirado em fatos reais, o filme nos transporta para o período de guerra e pós-guerra, quando a fome, a miséria e a desesperança dominavam a rotina. Mulheres viúvas, sem amparo e cercadas por filhos que não tinham como sustentar, buscavam alternativas para sobreviver – e, muitas vezes, essas escolhas eram invisibilizadas ou mal compreendidas pela sociedade.
A protagonista, Karoline, interpretada com intensidade por Vic Carmen Sonne, se encaixa nesse cenário devastador. Sem saída, ela acaba se envolvendo com Dagmar (Trine Dyrholm), uma figura ambígua que oferece uma suposta solução para mulheres desesperadas. O filme não tenta suavizar essa relação nem romantizar as decisões tomadas. O horror está não apenas nos atos cometidos, mas na normalidade com que eles ocorrem dentro desse contexto.
Uma das cenas mais marcantes acontece quando Dagmar é presa, cercada por mães que a julgam sem saber que, no fundo, também são vítimas de um sistema cruel. Com frieza, ela as encara e declara: "Eu estou fazendo o que vocês não tiveram coragem de fazer." A frase ressoa ao longo da narrativa, não como uma justificativa, mas como um golpe seco na consciência do espectador.
Essas mulheres, esmagadas pela miséria e pela desesperança, acreditavam estar entregando seus bebês a alguém que poderia oferecer-lhes um futuro melhor – um destino mais digno do que aquele que elas poderiam proporcionar. O horror do filme reside justamente na quebra brutal dessa ilusão: o que parecia um ato de amor e sacrifício era, na verdade, uma sentença de morte. A verdadeira tragédia não está apenas nos atos de Dagmar, mas na forma como uma sociedade falida permitiu que essas práticas existissem, sustentadas pelo desespero e pela falta de opções.
O que "A Garota da Agulha" provoca não é apenas indignação, mas um questionamento profundo sobre moralidade em tempos de caos. Quando todas as escolhas levam à dor, ainda há espaço para condenação? Karoline percorre essa linha tênue entre ignorância e culpa, sendo sugada para um universo onde não há vencedores – apenas sobreviventes tentando agarrar qualquer resquício de esperança.
E, mesmo em meio à brutalidade, o filme sugere uma pequena fagulha de reconstrução. Após tudo, Karoline decide adotar uma criança. Em um ambiente onde vidas foram brutalmente descartadas, esse gesto carrega um peso simbólico imenso. Não se trata de redenção, mas da necessidade humana de seguir em frente, ainda que sobre os escombros do passado.
A direção de Magnus von Horn imprime um olhar preciso e implacável, sem recorrer ao sentimentalismo. A escolha da fotografia em preto e branco não se limita ao fato de ser um filme de época, mas também reforça o peso da temática. A morte de inocentes é um assunto tão denso que parece já carregar um luto embutido na própria imagem. Já imaginou tratar disso em cores? Uma fotografia saturada, solar, vibrante, para retratar algo tão desesperançoso e obscuro? O preto e branco, nesse caso, não apenas reforça a atmosfera sufocante, mas parece traduzir o próprio pesar que a história carrega. O silêncio, os olhares e os enquadramentos fechados dizem mais do que qualquer trilha sonora poderia.
No fim, "A Garota da Agulha" não oferece conforto, mas exige reflexão. Ele nos coloca frente a frente com realidades difíceis e nos obriga a questionar: o que teríamos feito no lugar dessas mulheres?