segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

ESPECIAL OSCAR 2025 - Emilia Pérez

 

Por Isa Barretto

*contém spoilers!

'Emilia Pérez', dirigio por Jacques Audiard, é um daqueles filmes que pegam o espectador de surpresa, seja pelo formato, pelos temas ou pela forma como conduz sua narrativa. Fugindo do musical tradicional, ele não aposta em grandes números dançantes nem em canções que interrompem a trama. Aqui, as músicas se misturam ao diálogo, transformando conversas em melodias que refletem emoções. A intenção é clara: trazer um tom quase teatral, onde a música é parte do drama e não um adereço. Mas essa escolha tem seu revés—há momentos em que pequenos espetáculos dentro da história acabam desconectando o público, como se o filme se perdesse um pouco na própria estética.

Além disso, a opção por diálogos musicados nem sempre funciona. Em alguns momentos, a melodia se encaixa bem na carga emocional da cena, mas em outros, acaba soando artificial, como se os personagens estivessem cantando simplesmente por cantar. Há cenas que pediriam uma abordagem mais natural, e o excesso de musicalização tira a força de certas conversas que poderiam ser mais impactantes se faladas normalmente. Esse efeito faz com que algumas passagens do filme pareçam presas a um formato que nem sempre é necessário.

O DNA das novelas mexicanas está lá: muito melodrama, reviravoltas e um protagonista tentando se livrar de um passado sombrio. Mas a jornada de redenção de Juan "Manitas" Del Monte, um chefão do crime que decide largar tudo para viver como Emilia Pérez, levanta uma questão interessante: por que essa busca pela reparação só acontece depois da transição? Existe um subtexto sexista aí? O filme sugere que mudar de nome e gênero pode transformar a essência de alguém, mas será que realmente muda? E quando Emilia se sente ameaçada, sua antiga natureza volta à tona? Essa tensão entre identidade e instinto é um dos pontos mais intrigantes da história.

A grande virada na vida da personagem não é apenas pessoal—ela passa a se dedicar a devolver os corpos de desaparecidos para suas famílias, tentando reparar os danos que não só ela como outros chefões causaram. Isso ressignifica sua transformação e nos faz questionar: até onde vai essa busca por redenção? Os ciclos realmente se fecham? O filme tenta amarrar todas as suas discussões, mas nem sempre com o impacto esperado. Há um certo esvaziamento emocional em algumas resoluções, e a banalização da vida permeia a trama de forma um tanto incômoda. Violência, crime e arrependimento são tratados de maneira que, em alguns momentos, parece simplista para o peso que carregam.

O roteiro também tem suas brechas. Emilia está em transição há dois anos, faz reposição hormonal, desenvolve seios e, ainda assim, sua esposa e filhos não percebem? A forma como isso é conduzido simplifica demais um processo que, na vida real, é muito mais complexo. Além disso, precisava mesmo de um número musical para a vaginoplastia? Algumas músicas funcionam ao adicionar camadas ao drama, mas outras parecem forçar a teatralidade, tornando algumas cenas involuntariamente questionáveis.

O elenco, no entanto, abraça esse melodrama com força. Karla Sofía Gascón brilha como Emilia, trazendo presença e magnetismo. Zoe Saldaña entrega uma atuação carregada de intensidade, enquanto Selena Gomez, em um papel menor, complementa a trama de forma discreta, mas eficaz.

No fim, Emilia Pérez é um filme que provoca, questiona e aposta em um formato diferente—e só por isso vale a experiência. Mas nem sempre suas escolhas narrativas e musicais funcionam de forma coesa. Os diálogos musicados, em especial, são um dos elementos que enfraquecem a obra, tornando algumas cenas menos impactantes do que poderiam ser. Ele abre discussões sobre identidade, redenção e o peso do passado, mas nem todas as respostas são satisfatórias. Se é um acerto ou um tropeço? Depende do olhar de quem assiste.

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