segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ESPECIAL OSCAR 2025 - Anora


Por Isa Barretto

Se existe um conto de fadas que atravessa o tempo e se mantém vivo nos imaginários mais diversos, é o de Cinderela. A jovem que sai da pobreza e da exploração para uma vida de luxo ao lado de um príncipe encantado parece um roteiro irresistível para quem acredita que o amor pode ser a solução para todas as dificuldades. Mas o que acontece quando essa fantasia se encontra com a dura realidade?

Sean Baker, conhecido por retratar personagens com um olhar cru e humano, leva essa questão ao extremo em Anora. A protagonista, vivida com intensidade por Mikey Madison, é uma jovem russa que ganha a vida como dançarina em uma boate e já conhece bem as regras do jogo: precisa seduzir, encantar e, acima de tudo, manter o controle. Seu mundo é feito de transações, onde corpos e emoções se misturam na busca por sobrevivência.

Mas então surge ele: um jovem rico que parece oferecer um caminho diferente, um atalho para uma vida de facilidades e diversão. E é aqui que o Complexo de Cinderela entra em cena. A crença de que o amor pode ser um passaporte para uma nova realidade faz com que Anora baixe a guarda, esquecendo por um momento tudo o que aprendeu sobre poder e controle nas relações. O que era sobrevivência se transforma em ilusão – e Baker nos faz questionar até que ponto essa ilusão é criada por ela ou imposta por um mundo que sempre prometeu que príncipes existem.

A força do filme está justamente na forma como ele brinca com essa narrativa clássica, subvertendo expectativas e nos deixando em constante tensão: será que Anora realmente encontrou um conto de fadas? Ou será que, como tantas mulheres antes dela, está prestes a descobrir que a carruagem sempre pode voltar a ser abóbora?

E o mais interessante é que Baker não nos conduz apenas pelo drama e pela tensão. Anora também nos faz rir – e muito. Com sua abordagem realista e sem rodeios, o filme encontra humor no absurdo das situações e nos diálogos afiados, tornando tudo ainda mais envolvente. Entre risadas e momentos de angústia, o longa nos desafia a repensar as fantasias românticas e escancara o abismo entre privilégio e sobrevivência. No mundo real, nem toda história tem um final feliz – e, às vezes, o verdadeiro poder não está em ser resgatada, mas em aprender a resgatar a si mesma.

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