Qual é o meu valor no mercado dos encontros? Depende da minha altura, da cor dos meus olhos, do tom do meu cabelo? 'Amores Materialistas' parte dessa provocação: a ideia de que a aparência física e o pacote social que carregamos respondem por 80% das nossas chances de conquistar o “par perfeito”. Mas será que chegamos mesmo a esse ponto? Ou estamos apenas tentando transformar o amor em mais um produto a ser vendido, avaliado e comparado?
Dirigido por Celine Song, o filme acompanha Lucy (Dakota Johnson), uma casamenteira de sucesso que organiza encontros como quem monta uma prateleira de supermercado: altura, renda, estilo de vida e até carisma entram na conta. Só que, fora do trabalho, ela própria acaba presa ao mesmo jogo, dividida entre dois homens que parecem resumir esse dilema: o milionário carismático (Pedro Pascal), que representa estabilidade e status, e o ex-namorado ator (Chris Evans), cheio de falhas, mas carregando a imprevisibilidade do desejo.
Logo no início do filme, uma cena simples já dá o tom: um homem na pré-história corteja uma mulher oferecendo um presente. É apenas um buquê de flores, seguido de uma aliança feita com a mesma flor — mas o importante é o gesto, que carrega um simbolismo profundo: a promessa, o desejo de unir-se a alguém. A partir dali, o filme deixa claro que, por mais que o tempo mude, por mais que os aplicativos e as métricas dominem o “mercado amoroso”, seguimos movidos por símbolos antigos. Decidir casar, se unir, estar com alguém, ainda é menos sobre cálculos e mais sobre a necessidade de compartilhar a vida. Afinal, de nada adianta ter tudo se não existe com quem dividir.
É nesse contraste que a comédia romântica encontra sua força. Porque, entre risadas e diálogos ácidos, o filme cutuca uma ferida real: quantas vezes nós também já reduzimos alguém a um detalhe físico, a uma foto de perfil ou ao número na conta bancária? O desconforto é inevitável, porque Amores Materialistas não fala apenas sobre Lucy, mas sobre todos nós tentando equilibrar amor e conveniência em um mundo que insiste em transformar sentimentos em transações.
O mérito de Song é mostrar que o amor não é fórmula. Não existe planilha capaz de prever os caminhos do coração. Lucy não é fútil, seus pretendentes não são rascunhos de arquétipos: são pessoas tentando amar em meio ao ruído da modernidade. Por isso, o filme diverte, mas também incomoda. Ele nos lembra que, embora possamos criar filtros e critérios, sempre haverá algo de imponderável nos sentimentos — e é justamente isso que os torna reais.
No fim, 'Amores Materialistas' é sobre essa ironia: podemos até tentar brincar de mercado, mas o coração nunca se deixa precificar. Antoine de Saint-Exupéry em 'O Pequeno Príncipe': “o essencial é invisível aos olhos.”