Por Isa Barretto
Há antigas histórias e contos sobre forças capazes de seduzir e conduzir crianças para longe, retirando-lhes a vontade e o discernimento, como se o mundo ao redor perdesse importância. A 'Hora do Mal' resgata esse imaginário de forma velada, mas inquietante. Desde os primeiros minutos, paira sobre o filme uma sensação de manipulação invisível — algo, ou alguém, move os personagens como peças num tabuleiro que só o “jogador” enxerga por inteiro.
A trama se desenrola em uma cidade aparentemente normal, com todas as suas figuras conhecidas: a escola, o comércio, as famílias, a polícia e até aqueles que vivem à margem da sociedade. Esse cenário “comum” é um dos elementos mais perturbadores do filme, pois os acontecimentos não surgem em um lugar isolado ou exótico — eles nascem no coração do cotidiano, onde todos acreditam estar seguros. Um dia, às 2h17, dezessete crianças somem sem deixar rastros, restando apenas uma sobrevivente, Alex. A partir desse ponto, a trama se abre em diferentes perspectivas, revelando não só o mistério por trás do evento, mas também as culpas, os segredos e a tensão que passam a dominar a comunidade.
O diretor e roteirista Zach Cregger, que veio da comédia — assim como Jordan Peele —, traz para o terror um domínio surpreendente sobre o equilíbrio entre tensão e alívio. Em alguns pontos, insere doses precisas de humor, não para quebrar o clima, mas para torná-lo ainda mais desconfortável. É o tipo de riso que surge em momentos inoportunos, como se a vida seguisse seu curso mesmo quando tudo à volta está prestes a ruir.
Ao explorar diferentes pontos de vista, o filme expõe as fissuras desse microcosmo social. O colégio prefere “abafar” os fatos em vez de encará-los. Os pais carregam arrependimentos, ora por ausência, ora por negligência. Professores se tornam bodes expiatórios, punidos para que outros possam se eximir de responsabilidade. A polícia, falha tanto na aparelhagem quanto no preparo, tropeça diante da urgência. E o morador de rua, símbolo de quem vive à margem da exclusão, carrega informação e intenção de ajudar, mas é silenciado pela invisibilidade social.
O roteiro é paciente e calculado. Não corre para entregar respostas. Dá tempo para que cada personagem se apresente, permitindo que suas contradições e fragilidades venham à tona. É nesse ritmo que cenas aparentemente simples ganham peso simbólico. A corrida — com o corpo projetado para frente, veloz como uma flecha — é uma delas. À distância, parece liberdade; de perto, percebemos que é deslocamento dentro de limites invisíveis, um impulso que nunca leva para fora.
A montagem reforça a sensação de fragmentação. As perspectivas se alternam como peças de um quebra-cabeça imperfeito, onde cada corte revela mais sobre a subjetividade de quem vive a cena do que sobre o fato em si. Isso cria uma tensão constante: a sensação de que a história completa está ali, mas fora do nosso alcance.
A luz, a sombra, o silêncio e a constante sensação de algo à espreita criam um clima de antecipação que inquieta. O medo aqui não vem apenas do que aparece, mas do que se anuncia — e essa espera pelo que está por vir é o que realmente assusta.
Nas atuações, Julia Garner entrega uma personagem vulnerável, dividida entre sucumbir à culpa que lhe é imposta e se afundar num ciclo de autopiedade ou enfrentar o que a cerca e ajudar a desvendar o mistério. Josh Brolin, por sua vez, interpreta um homem imerso na culpa de não ter demonstrado todo o amor que sentia; sua busca por respostas é incessante, e cada pista que encontra é uma tentativa desesperada de se aproximar do filho — nem que seja nos sonhos recorrentes que o assombram. O elenco de apoio sustenta a densidade do filme, com personagens que se integram organicamente à história, cada um trazendo um fragmento de verdade que mantém o espectador em alerta.
No fim, 'A Hora do Mal' é horror em estado puro — não apenas pelo clima de tensão constante, mas também pelas imagens que ficam gravadas na mente, capazes de causar desconforto muito depois de a sessão acabar. É intenso, inquietante e perfeito para ser sentido na sala escura, onde cada som, cada sombra e cada impacto visual ganham força máxima! Fica a dica!