Por Isa Barretto
O que existe entre a vida e a morte?
Talvez seja só o luto. Talvez seja o amor gritando no escuro. Talvez seja o ponto exato onde a dor vira obsessão — e a obsessão vira loucura.
Em 'Bring Her Back', (Faça ela voltar), os irmãos Philippou não nos entregam um monstro. Entregam algo pior: uma mãe incapaz de aceitar que a filha morreu. E que, em vez de enterrar o passado, decide recriá-lo — do jeito mais cruel e silencioso possível. Sally Hawkins é Laura, e sua atuação é um abismo. Ela não grita, não quebra pratos, não corre pelos corredores. Sua loucura é metódica, fria e doce. Laura acolhe, oferece chá, fala baixo... mas a casa que ela construiu é um altar para os mortos. E ninguém que entra ali sai o mesmo.
Andy (Billy Barratt) e Piper (Sora Wong) são as novas presenças nesse teatro do luto. Para Laura, eles não são crianças órfãs — são peças. Partes de um experimento emocional e espiritual para reconstruir a filha que perdeu. Ela os observa, molda seus comportamentos, tenta substituir o que foi embora. E quando a realidade insiste em mostrar sua face, ela fecha as cortinas com mais força.
Mas 'Faça ela voltar' não é apenas sobre luto. É sobre os traumas inevitáveis — e o que cada um faz com eles para continuar respirando. Andy, em silêncio, carrega marcas invisíveis das violências do pai. Ele protege Piper, tentando poupá-la da verdade. Mas nada o poupa da perda traumática e irreparável que virá. Piper, por sua vez, vive o peso de ser uma adolescente com deficiência visual, alvo constante de exclusão e bullying. E então há Laura — que, incapaz de sobreviver à morte da filha, decide que, se o mundo não a devolve, ela mesma irá recriá-la. Nem que para isso precise destruir outras vidas.
Nesse cenário, os traumas não são apenas tema — são personagens. Eles estão em cada gesto contido, em cada silêncio pesado, e até mesmo nos sons. O barulho de um chuveiro ligado, o tilintar insistente de uma pulseira batendo na mesa — nada está ali por acaso. Cada som é um gatilho. Uma lembrança. Um assombro. O som aqui é ferida aberta.
A direção dos Philippou é precisa ao construir esse labirinto emocional. A casa de Laura é um personagem por si só: abafada, parada no tempo, cheia de pequenos detalhes que sugerem que o passado nunca foi deixado ir. Mas é na forma como eles nos arrastam para a mente de Laura — nos colocando dentro de sua visão deturpada, porém dolorosamente compreensível — que o filme arrepia de verdade. Não pelo susto, mas pelas circunstâncias.
'Bring Her Back' é sobre o que acontece quando o trauma não cicatriza. Quando o amor ultrapassa o limite do cuidado e se torna prisão. Quando a dor ganha voz e decide escrever o roteiro. Um filme para quem entende que os traumas são inevitáveis — mas que seguir adiante é uma escolha. E que há quem, infelizmente, prefira continuar presa à dor... mesmo que isso custe tudo.