quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Amores Materialistas


Por Isa Barretto

Qual é o meu valor no mercado dos encontros? Depende da minha altura, da cor dos meus olhos, do tom do meu cabelo? 'Amores Materialistas' parte dessa provocação: a ideia de que a aparência física e o pacote social que carregamos respondem por 80% das nossas chances de conquistar o “par perfeito”. Mas será que chegamos mesmo a esse ponto? Ou estamos apenas tentando transformar o amor em mais um produto a ser vendido, avaliado e comparado?

Dirigido por Celine Song, o filme acompanha Lucy (Dakota Johnson), uma casamenteira de sucesso que organiza encontros como quem monta uma prateleira de supermercado: altura, renda, estilo de vida e até carisma entram na conta. Só que, fora do trabalho, ela própria acaba presa ao mesmo jogo, dividida entre dois homens que parecem resumir esse dilema: o milionário carismático (Pedro Pascal), que representa estabilidade e status, e o ex-namorado ator (Chris Evans), cheio de falhas, mas carregando a imprevisibilidade do desejo.

Logo no início do filme, uma cena simples já dá o tom: um homem na pré-história corteja uma mulher oferecendo um presente. É apenas um buquê de flores, seguido de uma aliança feita com a mesma flor — mas o importante é o gesto, que carrega um simbolismo profundo: a promessa, o desejo de unir-se a alguém. A partir dali, o filme deixa claro que, por mais que o tempo mude, por mais que os aplicativos e as métricas dominem o “mercado amoroso”, seguimos movidos por símbolos antigos. Decidir casar, se unir, estar com alguém, ainda é menos sobre cálculos e mais sobre a necessidade de compartilhar a vida. Afinal, de nada adianta ter tudo se não existe com quem dividir.

É nesse contraste que a comédia romântica encontra sua força. Porque, entre risadas e diálogos ácidos, o filme cutuca uma ferida real: quantas vezes nós também já reduzimos alguém a um detalhe físico, a uma foto de perfil ou ao número na conta bancária? O desconforto é inevitável, porque Amores Materialistas não fala apenas sobre Lucy, mas sobre todos nós tentando equilibrar amor e conveniência em um mundo que insiste em transformar sentimentos em transações.

O mérito de Song é mostrar que o amor não é fórmula. Não existe planilha capaz de prever os caminhos do coração. Lucy não é fútil, seus pretendentes não são rascunhos de arquétipos: são pessoas tentando amar em meio ao ruído da modernidade. Por isso, o filme diverte, mas também incomoda. Ele nos lembra que, embora possamos criar filtros e critérios, sempre haverá algo de imponderável nos sentimentos — e é justamente isso que os torna reais.

No fim, 'Amores Materialistas' é sobre essa ironia: podemos até tentar brincar de mercado, mas o coração nunca se deixa precificar. Antoine de Saint-Exupéry em 'O Pequeno Príncipe': “o essencial é invisível aos olhos.”

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Na Netflix - A Noite Sempre Chega


Por Isa Barretto

"Situações extremas exigem medidas desesperadas". Essa máxima não poderia combinar tanto em um filme como em 'A Noite Sempre' Chega (Night Always Comes), dirigido por Benjamin Caron e protagonizado por Vanessa Kirby, que entrega uma atuação intensa e vulnerável. O longa mergulha na escuridão da condição humana ao colocar sua personagem diante de escolhas impossíveis, revelando como a necessidade pode corroer valores e redefinir os limites da sobrevivência.

A trama acompanha uma mulher que, durante uma única noite, precisa levantar o dinheiro necessário para garantir seu futuro, o da mãe e do irmão. O que começa como uma tentativa de resolver uma urgência financeira logo se transforma em uma corrida contra o tempo, marcada por negociações perigosas, dilemas éticos e o peso psicológico de cada decisão. A escolha de Kirby intensifica ainda mais o contraste: loira, magra e com uma beleza marcante, ela destoa do perfil mais comum daqueles que carregam na pele as marcas da desigualdade — e justamente por isso sua presença ressalta o abismo entre aparência e realidade social.

Mas a força do filme não está apenas na urgência material. Quando não se tem nada além das memórias, até onde somos capazes de ir para mantê-las? Para Lynette, a casa não era só paredes e telhado: era a lembrança de um tempo de pureza, de uma infância em que podia ser apenas uma criança antes que os traumas a marcassem. Essa ligação afetiva transforma a busca por dinheiro em algo ainda mais doloroso, pois cada obstáculo não representa apenas o risco de perder um imóvel, mas de ver desmoronar a última lembrança de felicidade que lhe restava.

A protagonista não é nem heroína nem vilã: é uma mulher comum, atravessada por urgências materiais, traumas e falta de opções. O roteiro constrói sua jornada como uma espiral: cada decisão a empurra para um corredor ainda mais estreito, onde a saída parece sempre exigir um preço maior do que o anterior. Essa arquitetura dramática sustenta a tensão e funciona como metáfora amarga: quando o jogo é desigual, até as rotas de fuga já vêm sabotadas de origem.

A cidade noturna assume papel de antagonista. As ruas são vazias e os interiores claustrofóbicos — tudo parece conspirar para aumentar a fricção moral a cada encontro. A fotografia investe em contrastes que transformam a noite em uma presença não só ativa, mas opressiva, enquanto a montagem mantém o pulso acelerado sem perder o fôlego emocional. Kirby ancora o filme com um trabalho de corpo contido e olhar em brasa: ela não “explica” a personagem; ela a encarna.

Como comentário social, o longa prefere o desconforto ao panfleto. Em vez de discursos, oferece circunstâncias em que a necessidade reconfigura a ética, revelando a hipocrisia de sistemas que fabricam o desespero e depois punem quem tenta sobreviver a ele. O incômodo não é só deliberado — é necessário.

Ao final, fica uma sensação áspera: quando as opções se reduzem a nada, qualquer gesto de vida soa como crime. 'A Noite Sempre Chega' não pede absolvição; exige que olhemos para a sombra — e reconheçamos ali o que há de humano nela.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Extermínio - A Evolução

Por Isa Barretto

Quando pensamos em filmes de zumbis, logo vem à mente o caos absoluto: sobreviventes em fuga, perseguições incessantes e um espetáculo de sangue. O gênero se consagrou nesse frenesi de destruição, mas 'Extermínio: A Evolução', dirigido por Danny Boyle, segue por outro caminho. Sem ignorar a brutalidade, o filme aposta em uma abordagem rara: íntima, intensa e profundamente humana. O medo está presente, mas é o afeto que guia a trama — e é no meio do horror que o amor revela sua força.

No centro dessa história está Spike, interpretado com emoção por Alfie Williams. À primeira vista frágil e inseguro, o garoto se transforma em símbolo de resistência. Ele atravessa a floresta com a mãe debilitada (Jodie Comer) em busca do último médico sobrevivente, vivido por Ralph Fiennes. A cada passo, Spike carrega o medo, mas também a coragem de quem ama. Aaron Taylor-Johnson completa a família no papel do pai — rígido por fora, mas com fissuras de humanidade. Visto por Spike como um herói, ele perde esse posto ao falhar diante da mãe, e essa quebra redefine para sempre a relação entre pai e filho.

O pano de fundo é tão inquietante quanto os dramas pessoais. O vírus evolui, criando diferentes tipos de infectados — rastejantes e alphas brutais. Já os humanos, acuados pela incerteza, se dividem em facções de sobrevivência com regras duras, onde qualquer contato externo é visto como ameaça. O medo da contaminação não só distancia os corpos, mas também fragmenta a convivência.

Ralph Fiennes dá vida a um médico recluso e pragmático — não é salvador nem vilão. Ele oferece o cuidado possível, com humanidade e limites claros, sem prometer milagres. Sua presença sustenta a tensão na medida certa e reforça sua versatilidade como ator.

O roteiro de Boyle e Alex Garland mantém o espectador em uma corda bamba: a esperança surge, mas logo se dissolve. A cada nova virada, parece haver uma chance de futuro — até que ela é arrancada, de repente diante do espectador. Essa oscilação entre a expectativa e o desespero torna a jornada de Spike ainda mais intensa.

A fotografia de Anthony Dod Mantle reforça esse contraste: florestas verdes que de repente se tornam palco de caos, como se a natureza também estivesse em colapso. Em vários momentos, a câmera se aproxima da simplicidade de um documentário, ampliando esse desconforto. A trilha de John Murphy acompanha essa cadência, alternando entre o silêncio contido e explosões sonoras que remetem a gritos, acelerando o coração e transformando a música em parte essencial da narrativa.

'Extermínio: A Evolução' se diferencia justamente por unir o terror físico ao drama humano. O horror não está só nas ruas devastadas, mas também no corpo que muda e na sociedade que se fragmenta. Boyle entrega mais do que um filme de zumbis: ele propõe um retrato direto da nossa natureza, em que medo e esperança se alternam como forças invisíveis.

Agora a pergunta que não quer calar : se o vírus continua a evoluir e a sociedade a se fragmentar, o que nos resta afinal: a esperança de preservar nossa essência ou a certeza de que também estamos destinados a ruir?

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

NOS CINEMAS - Faça Ela Voltar


Por Isa Barretto

O que existe entre a vida e a morte?
Talvez seja só o luto. Talvez seja o amor gritando no escuro. Talvez seja o ponto exato onde a dor vira obsessão — e a obsessão vira loucura.

Em 'Bring Her Back', (Faça ela voltar), os irmãos Philippou não nos entregam um monstro. Entregam algo pior: uma mãe incapaz de aceitar que a filha morreu. E que, em vez de enterrar o passado, decide recriá-lo — do jeito mais cruel e silencioso possível. Sally Hawkins é Laura, e sua atuação é um abismo. Ela não grita, não quebra pratos, não corre pelos corredores. Sua loucura é metódica, fria e doce. Laura acolhe, oferece chá, fala baixo... mas a casa que ela construiu é um altar para os mortos. E ninguém que entra ali sai o mesmo.

Andy (Billy Barratt) e Piper (Sora Wong) são as novas presenças nesse teatro do luto. Para Laura, eles não são crianças órfãs — são peças. Partes de um experimento emocional e espiritual para reconstruir a filha que perdeu. Ela os observa, molda seus comportamentos, tenta substituir o que foi embora. E quando a realidade insiste em mostrar sua face, ela fecha as cortinas com mais força.

Mas 'Faça ela voltar' não é apenas sobre luto. É sobre os traumas inevitáveis — e o que cada um faz com eles para continuar respirando. Andy, em silêncio, carrega marcas invisíveis das violências do pai. Ele protege Piper, tentando poupá-la da verdade. Mas nada o poupa da perda traumática e irreparável que virá. Piper, por sua vez, vive o peso de ser uma adolescente com deficiência visual, alvo constante de exclusão e bullying. E então há Laura — que, incapaz de sobreviver à morte da filha, decide que, se o mundo não a devolve, ela mesma irá recriá-la. Nem que para isso precise destruir outras vidas.

Nesse cenário, os traumas não são apenas tema — são personagens. Eles estão em cada gesto contido, em cada silêncio pesado, e até mesmo nos sons. O barulho de um chuveiro ligado, o tilintar insistente de uma pulseira batendo na mesa — nada está ali por acaso. Cada som é um gatilho. Uma lembrança. Um assombro. O som aqui é ferida aberta.

A direção dos Philippou é precisa ao construir esse labirinto emocional. A casa de Laura é um personagem por si só: abafada, parada no tempo, cheia de pequenos detalhes que sugerem que o passado nunca foi deixado ir. Mas é na forma como eles nos arrastam para a mente de Laura — nos colocando dentro de sua visão deturpada, porém dolorosamente compreensível — que o filme arrepia de verdade. Não pelo susto, mas pelas circunstâncias.

'Bring Her Back' é sobre o que acontece quando o trauma não cicatriza. Quando o amor ultrapassa o limite do cuidado e se torna prisão. Quando a dor ganha voz e decide escrever o roteiro. Um filme para quem entende que os traumas são inevitáveis — mas que seguir adiante é uma escolha. E que há quem, infelizmente, prefira continuar presa à dor... mesmo que isso custe tudo.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

NOS CINEMAS - A Hora do Mal

 

Por Isa Barretto

Há antigas histórias e contos sobre forças capazes de seduzir e conduzir crianças para longe, retirando-lhes a vontade e o discernimento, como se o mundo ao redor perdesse importância. A 'Hora do Mal' resgata esse imaginário de forma velada, mas inquietante. Desde os primeiros minutos, paira sobre o filme uma sensação de manipulação invisível — algo, ou alguém, move os personagens como peças num tabuleiro que só o “jogador” enxerga por inteiro.

A trama se desenrola em uma cidade aparentemente normal, com todas as suas figuras conhecidas: a escola, o comércio, as famílias, a polícia e até aqueles que vivem à margem da sociedade. Esse cenário “comum” é um dos elementos mais perturbadores do filme, pois os acontecimentos não surgem em um lugar isolado ou exótico — eles nascem no coração do cotidiano, onde todos acreditam estar seguros. Um dia, às 2h17, dezessete crianças somem sem deixar rastros, restando apenas uma sobrevivente, Alex. A partir desse ponto, a trama se abre em diferentes perspectivas, revelando não só o mistério por trás do evento, mas também as culpas, os segredos e a tensão que passam a dominar a comunidade.

O diretor e roteirista Zach Cregger, que veio da comédia — assim como Jordan Peele —, traz para o terror um domínio surpreendente sobre o equilíbrio entre tensão e alívio. Em alguns pontos, insere doses precisas de humor, não para quebrar o clima, mas para torná-lo ainda mais desconfortável. É o tipo de riso que surge em momentos inoportunos, como se a vida seguisse seu curso mesmo quando tudo à volta está prestes a ruir.

Ao explorar diferentes pontos de vista, o filme expõe as fissuras desse microcosmo social. O colégio prefere “abafar” os fatos em vez de encará-los. Os pais carregam arrependimentos, ora por ausência, ora por negligência. Professores se tornam bodes expiatórios, punidos para que outros possam se eximir de responsabilidade. A polícia, falha tanto na aparelhagem quanto no preparo, tropeça diante da urgência. E o morador de rua, símbolo de quem vive à margem da exclusão, carrega informação e intenção de ajudar, mas é silenciado pela invisibilidade social.

O roteiro é paciente e calculado. Não corre para entregar respostas. Dá tempo para que cada personagem se apresente, permitindo que suas contradições e fragilidades venham à tona. É nesse ritmo que cenas aparentemente simples ganham peso simbólico. A corrida — com o corpo projetado para frente, veloz como uma flecha — é uma delas. À distância, parece liberdade; de perto, percebemos que é deslocamento dentro de limites invisíveis, um impulso que nunca leva para fora.

A montagem reforça a sensação de fragmentação. As perspectivas se alternam como peças de um quebra-cabeça imperfeito, onde cada corte revela mais sobre a subjetividade de quem vive a cena do que sobre o fato em si. Isso cria uma tensão constante: a sensação de que a história completa está ali, mas fora do nosso alcance.

A luz, a sombra, o silêncio e a constante sensação de algo à espreita criam um clima de antecipação que inquieta. O medo aqui não vem apenas do que aparece, mas do que se anuncia — e essa espera pelo que está por vir é o que realmente assusta.

Nas atuações, Julia Garner entrega uma personagem vulnerável, dividida entre sucumbir à culpa que lhe é imposta e se afundar num ciclo de autopiedade ou enfrentar o que a cerca e ajudar a desvendar o mistério. Josh Brolin, por sua vez, interpreta um homem imerso na culpa de não ter demonstrado todo o amor que sentia; sua busca por respostas é incessante, e cada pista que encontra é uma tentativa desesperada de se aproximar do filho — nem que seja nos sonhos recorrentes que o assombram. O elenco de apoio sustenta a densidade do filme, com personagens que se integram organicamente à história, cada um trazendo um fragmento de verdade que mantém o espectador em alerta.

No fim, 'A Hora do Mal' é horror em estado puro — não apenas pelo clima de tensão constante, mas também pelas imagens que ficam gravadas na mente, capazes de causar desconforto muito depois de a sessão acabar. É intenso, inquietante e perfeito para ser sentido na sala escura, onde cada som, cada sombra e cada impacto visual ganham força máxima! Fica a dica!

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Filmes da Vida -Orgulho e Preconceito (2005)

 

Por Isa Barreto

Vinte anos atrás, o diretor britânico Joe Wright estreava no cinema com uma missão desafiadora: adaptar um dos romances mais amados da literatura inglesa, 'Orgulho e Preconceito', de Jane Austen. O que poderia ter sido apenas mais uma releitura de época se transformou, nas mãos dele, em uma experiência sensorial e emocional que atravessou o tempo.

De cara, a estética saltava aos olhos. A câmera de Wright deslizava pelos salões e campos com fluidez e ousadia nas sequências de neblinas simbólicas e silêncios significativos. Era um romance de época filmado como se fosse uma coreografia emocional. E foi essa linguagem cinematográfica que dividiu algumas opiniões na época, mas que hoje é o que mais faz esse filme se destacar e se manter tão vivo.

Keira Knightley, aos 20 anos, entregou uma Elizabeth Bennet de espírito indomável, com o olhar afiado e a ironia nos lábios. Uma Lizzie moderna sem ser anacrônica. Forte, mas profundamente humana. Sua atuação lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz — e ajudou a redefinir o que o público esperava de heroínas de época.

Matthew Macfadyen, até então um nome pouco conhecido, reinventou o Sr. Darcy. Ao contrário do Darcy impetuoso e contido eternizado por Colin Firth na BBC em 1995, o de Macfadyen é mais introspectivo, vulnerável, quase hesitante. Mas é justamente essa contenção — esse amor sufocado, esse orgulho desmontado aos poucos — que torna seu Darcy tão memorável. Quando enfim declara: "Você me enfeitiçou de corpo e alma", é impossível não se render.

A primeira vez que assisti a 'Orgulho e Preconceito' eu era adolescente. Me deixei levar pela beleza das imagens, pelos diálogos que soavam como flechas gentis, e por aquele romance que surgia devagar, como quem aprende a dançar sem encostar os pés no chão. Tudo parecia mágico, quase inalcançável. Mas foi ao revisitar o filme com outras vivências que entendi sua verdadeira força: não era só sobre beleza — era sobre amadurecimento. Sobre orgulho, sim, mas também sobre coragem. Sobre como a gente muda quando escolhe escutar em vez de reagir. Cada novo olhar trouxe um sentido diferente — e foi nesse processo silencioso que ele se tornou um dos filmes da minha vida.

O roteiro de Deborah Moggach, com polimentos de Emma Thompson , foi certeiro ao manter a essência da obra de Austen, mas trazendo um ritmo mais acessível para novos públicos. Os diálogos fluem com a leveza que esconde a profundidade: uma crítica aos julgamentos apressados, às aparências sociais e às limitações impostas às mulheres.

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A crítica da época, embora majoritariamente positiva, teve suas ressalvas: alguns disseram que era esteticamente mais bonito do que profundo. Mas o tempo — esse crítico final — mostrou que estavam errados. O filme envelheceu com elegância. Continuou a encantar. E, para muitos, se tornou a versão definitiva da história no cinema.

'Orgulho e Preconceito' (2005) não é apenas um romance.

É um estudo sutil sobre como a gente aprende a amar melhor.

Sobre escutar antes de julgar.

Sobre mudar — não por alguém, mas por merecer ser merecido.

Vinte anos depois, o filme ainda pulsa.

Ainda há quem o reveja só pela cena do campo, com Darcy caminhando na névoa do amanhecer, onde o amor chega não com promessas, mas com presença.

E onde o silêncio fala mais alto que qualquer declaração.

'Orgulho e Preconceito' não envelheceu. Ele amadureceu.

E se tornou um clássico para quem ainda acredita que amor de verdade exige tempo, escuta e coragem.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Nos Cinemas - Quarteto Fantástico: Primeiros Passos

Por Isa Barreto

'Quarteto Fantástico – Primeiros Passos' marca o retorno de uma das equipes mais icônicas dos quadrinhos ao cinema, mas desta vez com um cuidado que nunca antes havia sido visto nas adaptações anteriores.A Marvel entende que não basta mostrar poderes impressionantes: o público precisa sentir quem está por trás deles. E é justamente por esse caminho mais humano, mais emocional e menos frenético, que o filme encontra sua força.

Desde sua criação em 1961, o Quarteto sempre representou algo diferente dentro do universo da Marvel: uma família, um grupo que convive com as próprias falhas, que briga, que se reconcilia, que se transforma — por dentro e por fora. Eles não são os mais poderosos, nem os mais populares, mas são os que mais carregam o peso do que é ser humano diante do desconhecido. E esse espírito está muito presente nesta nova versão.

A direção de Matt Shakman, que já havia explorado com competência emoções profundas em 'WandaVision', aposta novamente no poder do silêncio, do olhar, das conversas difíceis. Ele não tem pressa de mostrar os heróis em ação. Prefere, primeiro, nos fazer sentir suas dores, seus medos, suas rupturas. Isso faz com que a construção da equipe seja gradual, com tempo para o público se conectar a cada personagem individualmente — uma abordagem que, infelizmente, nem sempre tem sido priorizada no Universo Cinematográfico da Marvel.

Pedro Pascal assume o papel de Reed Richards com a serenidade de quem sabe que inteligência não resolve tudo. Seu Senhor Fantástico é um homem dividido, marcado por escolhas que afetam não apenas o mundo, mas as pessoas que ele ama. Vanessa Kirby, como Sue Storm, se torna o centro emocional do filme. Ela é o elo que tenta manter tudo em equilíbrio, mesmo quando tudo está prestes a desmoronar. E faz isso com uma atuação contida, mas poderosa, como se cada gesto carregasse um pedaço da história daquela família. Joseph Quinn, conhecido pelo carisma rebelde em 'Stranger Things', traz para Johnny Storm a chama certa entre provocação e vulnerabilidade. Ele é o mais impulsivo, o mais intenso, mas também o mais perdido. E Ebon Moss-Bachrach entrega uma versão do Coisa que comove sem precisar de exageros. Ben Grimm é força e solidão. É alguém que perdeu sua auto estima para continuar lutando. 

Os efeitos especiais estão lá, sim — e funcionam muito bem diga-se de passagem. Mas é quando o filme nos leva para dentro da dor, da dúvida e da busca de identidade de cada um que ele realmente se destaca. Não é uma história sobre poderes, é sobre como lidar com as consequências deles. E essa é uma escolha narrativa que valoriza o legado original do grupo nos quadrinhos, ao mesmo tempo em que posiciona o filme de forma madura dentro do Universo Cinematográfico da Marvel.

Mas o ponto que realmente humaniza esta história — e que a distancia dos filmes anteriores — é a decisão central dos personagens: eles escolhem a família. Quando Galactus surge como uma ameaça cósmica e impõe uma escolha devastadora, Reed e Sue se negam a entregar seu filho, Franklin, mesmo que isso signifique colocar tudo em risco. É nesse momento que o filme mostra que, acima de tudo, esses heróis são pais, irmãos e amigos. E que o verdadeiro heroísmo, às vezes, está em dizer “não” à lógica, em proteger quem se ama, mesmo diante do incontrolável.

Há ainda presenças importantes para os fãs mais atentos. A introdução de Shalla-Bal, uma versão alternativa da Surfista Prateada vivida por Julia Garner, adiciona camadas cósmicas à trama sem roubar o protagonismo do quarteto. E a figura ameaçadora de Galactus, interpretada por Ralph Ineson, cumpre seu papel como o grande desequilíbrio da balança entre o íntimo e o épico.

'Quarteto Fantástico – Primeiros Passos' pode não ser o filme mais barulhento da Marvel, mas talvez seja um dos mais necessários. Ele resgata a essência de quem esses personagens são, muito além das capas e dos poderes. Com atuações sólidas, uma direção sensível e um roteiro que respeita a inteligência emocional do público, o filme prova que, às vezes, o mais fantástico está em ser real.

sábado, 2 de agosto de 2025

Nos Cinemas - Lilo & Stitch


Por Isa Barretto 

Os desenhos da Disney marcaram gerações. Com traços simples, histórias emocionantes e uma pitada de magia, eles tocaram o coração de milhões de crianças pelo mundo. “Lilo & Stitch”, lançado originalmente em 2002, é um desses clássicos que, mesmo sem a pompa de princesas ou castelos, conquistou com sua essência única: a de uma família quebrada que se reconstrói através do afeto – ainda que esse afeto venha de um alienígena azul altamente destrutivo.

A chegada da versão live action reacendeu a expectativa em dois públicos bem distintos: os adultos que foram crianças naquela época e cresceram com a expressão "ohana significa família", e as crianças de hoje, que talvez estejam tendo seu primeiro contato com a história. O desafio era enorme – afinal, como emocionar novamente sem perder a autenticidade do original?

Mas o resultado infelizmente escorrega em um ponto fundamental: a falta de conexão do roteiro. O que antes era uma história recheada de silêncios cheios de significado, olhares que diziam muito, e uma trilha sonora havaiana embebida em saudade e pertencimento, agora se perde em uma narrativa apressada, onde o impacto emocional é substituído por explicações óbvias e diálogos rasos.

Na animação, Lilo era mais do que uma criança "estranha" – ela era solitária, sensível, desajustada em um mundo que exige encaixe. Sua dor e o esforço de sua irmã Nani em criá-la sozinha após a morte dos pais são palpáveis. Já no live action, essas camadas parecem diluídas. A relação das duas irmãs perde profundidade, e Stitch, que antes conquistava pela dualidade entre caos e afeto, agora é uma criatura digital bem feita , mas que pouco transmite em termos de emoção.

É é aí que o “faz de conta” da animação parece mais verdadeiro do que a tentativa de realismo nessa adaptação. Porque, por mais fantasiosa que seja, a versão animada sabe tocar onde realmente importa: no sentimento.

Claro, para quem nunca assistiu à obra original, talvez o live action funcione. É bonitinho, tem momentos engraçados e entrega uma aventura simples. Mas para quem cresceu com a versão de 2002, falta aquela lágrima que caía sem aviso quando Lilo dormia com um retrato rasgado na mão, ou quando Stitch caminhava sozinho pela floresta, murmurando que estava perdido – e pela primeira vez, desejando ser encontrado.

No fim, o novo “Lilo & Stitch” se torna apenas mais uma peça na engrenagem de adaptações que, ao tentar modernizar clássicos, acabam esquecendo que o que nos encantava não era apenas o que os olhos viam, mas o que o coração sentia. Era o afeto bordado em cada cena, como se a história tivesse sido desenhada com emoção, quadro a quadro.

E quando o real não consegue tocar tanto quanto a fantasia, o que antes era sonho se transforma apenas em mais um título no catálogo — bonito, mas esquecível.