(*resenha escrita em novembro de 2016)
"Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia". Essa clássica frase do escritor William Shakespeare poderia resumir a mais nova adaptação da Marvel para os cinemas, só que não! Este "Doutor Estranho" fica no meio do caminho e não consegue sair da zona de conforto cinematográfica em que o estúdio tem se ancorado. A tal fórmula do humor empurrada goela abaixo já passa a incomodar, somado à ausência de urgência/perigo pela qual os personagens da Marvel/Disney nunca passaram verdadeiramente.
A trama da vez gira em torno de um médico arrogante, Stephen Strange (o sempre ótimo e carismático Benedict Cumberbatch), que se vê incapacitado após um acidente de carro. Assim, Strange busca se recuperar de todas as maneiras possíveis, indo parar em Katmandu, onde encontra a “Anciã” (Tilda Swinton desfilando sua versatilidade), através de “Mordo” (Chiwetel Ejiofor).
O primeiro ato nos dar a falsa sensação de estarmos diante de algo diferente, principalmente quando somos apresentados a um protagonista sequelado após este grave acidente. O estado das suas mãos e o rosto desfigurado destoa dos filmes de heróis ao qual estamos acostumados. E o diretor Scott Derrickson enquadra com excelência a nova situação do sujeito, limitado e angustiado, numa tomada frontal, em primeira pessoa, onde os braços estirados do herói nos coloca numa posição desconfortável, tal qual aquela em que ele vive. O gore está lá, na medida, mas não se anime, pois ele vai desaparecer.
O fato é que o currículo do cineasta em fitas de terror (“O Exorcismo de Emily Rose”, entre outros) me fez acreditar, previamente, em uma atmosfera sombria, diferente da aquarela que acabou pintando a fotografia do filme.
Contudo, para não soar como um desastre completo, a divertida película se destaca em três sequências extremamente bem conduzidas: a iniciação do herói no mundo místico - que explodirá a sua cabeça, sobretudo se assistida em IMAX - precedida de um excelente diálogo com a Anciã; a luta com um clã de magos do mal, liderados por Kaecilius (Mads Mikkelsen sendo o Hannibal de sempre), claramente sugada de “A Origem/Inception”, onde o personagem de Joseph Gordon Levitt luta com capangas, em gravidade zero, aqui elevado à enésima potência; e a utilização do “Olho de Agamotto” (uma das tais joias do infinito) no desfecho, ocasião em que o tempo volta em slow motion enquanto a porrada come solta.
Aliás, apesar de inúmeros poderes e armas místicas, a boa e velha pancadaria é a solução encontrada pelos magos durante o enfrentamento, o que nos causa estranheza pela falta de criatividade.
O fato é que o roteiro escancara furos e facilitações sem parcimônia. Observe a necessidade de tudo girar em torno do hospital onde o protagonista trabalha, até mesmo quando este precisa de uma cirurgia delicada e é o seu pior rival, frequentemente humilhado por sua falta de perícia, quem vai realizar o procedimento. O livro sagrado, por exemplo, objeto importantíssimo, facilmente roubado na abertura do filme pela gangue do vilão?! Faltou uma vigilância redobrada ali ou a Anciã (que já deveria estar “careca de saber”, com a licença do trocadilho) é inexperiente demais para não perceber que isso poderia acontecer?!
Voltando aos aspectos positivos (juro que estou tentando), a trilha sonora, por sua vez, equaliza o tom aventuresco, configurando um acerto dentro da proposta. Repare que o arco do herói, perfeitamente traçado em todos os filmes do gênero, ganha contornos apoteóticos na composição de Michael Giacchino.
Por outro lado, parte do elenco, mal aproveitado, traz coadjuvantes sem graça, que vão desde um interesse amoroso sem sal (Rachel McAdams, o que aconteceu com a senhorita depois de o “Diário de uma Paixão”?) a vilões descartáveis e amigos questionáveis.
Enfim, não rolou pra mim! Pode ser que a minha expectativa estivesse voltada a mais psicodelias e pirações estranhas, não limitada apenas ao sobrenome do personagem-título.
*Avaliação: 3,0 pipocas + 2,5 rapaduras = nota 5,5.