segunda-feira, 6 de novembro de 2023

RETRATOS FANTASMAS


Por Rafael Morais

O despertar da cinefilia.


“Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho ("O Som ao Redor", "Aquarius" e "Bacurau"), propõe um olhar crítico, intimista e gradualmente universal sobre o desaparecimento das salas de cinema de rua. Partindo de Recife - terra natal do cineasta - especificamente do bairro Setúbal, o documentário/ensaio ganha vida ao desbravar, justamente, o quão efêmero podemos nos tornar ao subtrair a cultura da equação da vida.

Bairrista, saudosista, mas, acima de tudo, amante da sétima arte, o diretor narra com sobriedade, melancolia, e um quê de poesia, o resumo de anos de fitas, fotos e arquivos catalogados entre 1950 e 2000. Figuras que preenchiam aqueles espaços e locais públicos, ou não, são redescobertas aqui, quase como um processo de ressuscitação audiovisual. Aos poucos, o cinema foi sendo substituído por prédios comerciais, igrejas e farmácias. Sim, os remédios surgem inescusáveis para uma sociedade doente e que, mesmo sem saber, está sedenta por arte.

O poder do Cinema (e aqui com "C" maiúsculo) é complexo ao ponto de se observar os seus diversos aspectos: seja o lado mercantilista, ou pelo prisma do espaço de socialização, de conhecimento e lúdico – tudo ao mesmo tempo. A experiência catártica e coletiva, porque não dizer comunitária, de assistir a um filme em uma sala de cinema revela muito do que nós somos enquanto agentes transformadores 

Concorrendo a uma das vagas de melhor filme internacional no Oscar de 2024 (foi o escolhido para representar o Brasil), “Retratos Fantasmas” chega ao catálogo da Netflix e se mostra uma excelente opção para quem valoriza a história e resgata memórias. O risco do descaso e esquecimento remete à finitude, à morte permanente. Afinal, quem não respeita o passado pouco se importa com o futuro.

terça-feira, 29 de agosto de 2023

Nos Cinemas - TARTARUGAS NINJA: CAOS MUTANTE

Por Rafael Morais

Meu fascínio por Cinema começa e se confunde com a chegada de Tartarugas Ninja nas telonas. Calma, eu explico. Em meados dos anos 90, minha mãe me levava ao São Luiz do Centro (um clássico cinema aqui de Fortaleza) para ver todos os filmes das Tartarugas e dos Trapalhões também. Eu tinha meus 07 anos de idade, um cágado ainda rsrsrs. Ali foi dado o start na minha cinefilia.

E sabendo de suas origens, sobretudo do contexto histórico, o roteiro dessa nova versão de 2023 (escrito por Seth Rogen e Evan Goldberg) homenageia "Curtindo a Vida Adoidado", por exemplo, e dar uma piscadela para o seu público rootz.

Saem os figurinos emborrachados, em live action, e entra a animação que reluta contra o jeito Disney de ser. Traços disformes assumem com bastante personalidade, lembrando a reformulação pela qual passou "Gato de Botas" e a novidade trazida em "Aranhaverso", este último mais ainda. Na verdade, este estilo artístico encaixou muito bem com o universo cyberpunk onde as Tartarugas estão inseridas. Mérito da caprichada direção de arte!

A movimentação também é sentida na taxa de quadros, como se tivesse emulando um stop motion. As cores vibram, quando têm que aparecer, e dessaturam no momento certo. Há uma quebra do "padrão", e isso é notório. Aliás, a própria trilha sonora dos excelentes Trent Reznor e Atticus Ross acompanham a variação conforme a intensidade da paleta. O que não muda são os ícones: as personas de Raphael (o melhor deles, por motivos óbvios rsrsrs) Leonardo, Donatello e Michelangelo; as armas características de cada um e, claro, a paixão deles por pizza! A direção de Jeff Rowe e Kyler Spears sabe o terreno que está pisando.

Aqui, os nossos protagonistas são adolescentes e o humor, por vezes bobo e nonsense, funciona. As cenas de ação empolgam bastante! Tá tudo no lugar! Há química entre os irmãos, entre a família. Mestre Splinter rouba a cena. As referências diretas a alguns super-heróis são hilárias!

Entretanto, nem tudo são flores. Um ponto do enredo que me incomodou está na virada de alguns capangas. Não quero dar spoiler, mas a busca por redenção a qualquer custo parece apressada demais e pode desapontar um pouco a audiência mais purista. Me enquadro nessa categoria, tendo em vista minha relação com os primórdios dos quelônios no Cinema, como explicado.

Por sorte, o filme tem uma mensagem final muito interessante, além de falar de amizade e pertencimento. Sem esquecer que o respeito e a proteção aos animais deveria lhe render algum destaque junto à PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais), assim como aconteceu com "Guardiões da Galáxia Vol. 3".

Definitivamente, é um ótimo ano para as animações: "Super Mario", a própria continuação do "Aranhaverso" e "Gato de Botas 2", como já citado. Que venham mais sequências divertidas e de qualidade como esse "Caos Mutante". 

Cowabunga!

*Avaliação: 4,5 Pipocas + 4,0 Rapaduras = nota 8,5.


sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Vale a Pena? Drácula - A Última Viagem do Demeter


Por Rafael Morais

Sinopse: A presença profana de Drácula condena a tripulação do navio mercante Demeter.

Direção: André Øvredal

Pontos positivos
  • Claustrofóbico, o filme nos encarcera junto com a tripulação. O ranger do navio é palpável, além do frio na espinha por sentir que tem um ser, quase onipresente, muito mais forte e implacável, caçando um a um. Isso te lembrou de algo? Tem um quê de "O Predador" e "Alien - o 8⁰ Passageiro".
  • Em "A Última Viagem do Demeter" o suspense precede o gore. Jugulares jorrarão! Os jump scares estão contidos aqui, o que é uma boa notícia.
  • A atmosfera opressora apresenta um vilão impiedoso, como deve ser. Por vezes pode até parecer um slasher de Drácula, mas é só uma primeira impressão.
  • A produção adapta um capítulo do livro do Drácula de Bram Stoker, onde o monstro está sendo transportado até à Inglaterra. Neste sentido, o recorte da história, que pretende ser contada, é bem realizada e sem grandes pretensões.
  • As atuações estão ótimas, com destaque para o ator mirim Woody Norman. O menino arrebenta!
  • A obra me recordou muito a 1ª temporada da série The Terror (disponível no Prime Video). Todo aquele clima sem escapatória está lá. Agonizante!

Pontos duvidosos, não diria negativos:
  • Para quem não curte uma preparação para o clímax, pode achar o filme arrastado, sobretudo o primeiro ato. Até porque ele se passa quase 100% dentro do navio e o Drácula vai ceifando lentamente as suas pobres vítimas.
  • Algumas decisões de alguns personagens são estranhas, para não dizer estúpidas. Mas OK, nem todo mundo vai saber o que fazer quando ver um bicho daquele querendo lhe matar bem na sua frente.
  • Clichês podem atrapalhar a experiência. Por que o cachorro tem que ser o primeiro a ser executado?! 
  • A transfusão de sangue (como solução) afastou os mais puristas, que não é o meu caso.
  • O visual inicial do monstro lembra demais o Gollum do Sr. dos Aneis. Fiquei esperando ele falar "my precious" a qualquer momento, mas não veio.
Síntese - Quem curte filmes de vampiro esse é um bom exemplar! Eu sei que o longa está sendo massacrado pela crítica especializada, mas realmente recomendo que cada um assista e tire suas próprias conclusões. Devo dizer que imergi naquela embarcação e senti a angústia dos tripulantes em alguns takes. O desfecho é empolgante e a última cena traz toda a elegância e a instigância que um filme do Drácula deve ter. Seria a história de origem do Blade?! Brincadeiras à parte, fica a dica!

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Nos Cinemas - OPPENHEIMER

Por Rafael Morais

"Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus." Albert Einstein.

Em “Oppenheimer”, a bomba é plantada e vendida pelo marketing como o grande chamariz do filme. Mas não se engane: o jogo político, os desdobramentos e as consequências, sobretudo após a detonação, são o grande cerne da obra. Uma pena que esteja sendo vendida de maneira dissimulada para alcançar um público mais amplo. Audiência esta que, por sinal, não me surpreenderá se abandonar a sala no meio da projeção.

Arrastado, verborrágico, enfadonho. Estes podem ser alguns sinônimos proferidos por quem estiver esperando algo mais dinâmico e preenchido por ação. Mas essa pessoa não sou eu, definitivamente. Minhas expectativas foram alcançadas, não superadas. O longa é sobre como a natureza humana pode ser autodestrutiva, em todos os sentidos. Sobrepujar em prol do poder é a meta.

A burocracia, enfatizada pelas muitas (mas muitas!) linhas de diálogos - imagino o encadernado gigantesco que deve ser o roteiro desse filme – só reforça o quão complexo e ambicioso foi o “Projeto Manhattan”, como também as escolhas dos personagens, o contexto histórico e as decisões. A misancene é marcante no longa. Por vezes quase teatral.

Assim, há muito jogo de cena por trás dos bastidores de como a “roda gira”. Esteja preparado para isso. Se você está imaginando apenas explosões e aquela tensão estabelecida nas prévias (pare de ver trailers urgente!), passe longe. Logo, se a sua ansiedade/curiosidade está, tão somente, em acompanhar os aliados (leia-se EUA) x nazistas na corrida para quem vai criar primeiro a famigerada bomba atômica; ou uma mínima sensibilidade ao abordar Hiroshima e Nagasaki; cuidado para não se decepcionar. Não aguarde nada mais do que notícias de jornais e rádios dando essas informações. E friamente. Por este motivo, o ponto de menor destaque reside justamente na falta do prisma japonês, minimamente. Não é difícil entendermos o porquê de o filme ainda não ter data de lançamento lá para as bandas da “terra do sol nascente”.

Aqui, acompanhamos tudo pelo ponto de vista do protagonista-título. Para o bem, ou para o mal, a perspectiva é totalmente de Oppie (para os íntimos). Trata-se, portanto, de uma obra séria e pesarosa, desde o início. É pessimista no seu desfecho (ou seria realista demais?!), mas, por outro lado, enobrece a classe dos cientistas. Há graça e maldição na sabedoria. Em contrapartida, quase não existe espaço para o humor, principalmente o satírico: diametralmente oposto ao “Dr. Fantástico” de Kubrick, por exemplo. O alívio cômico não vem ao nosso socorro e o fôlego vai ficando cada vez mais curto.

Christopher Nolan, na verdade, consegue se revigorar aqui. O diretor encontra um meio termo na sua cinematografia, sabendo dosar seus maneirismos didáticos para entregar, igualmente, o sensorial. Ainda tem explicação? Tem bastante! Mas é compreensível, tendo em vista a temática técnico-científica. São explanações para não deixar o público “boiando”. O problema é que, às vezes, o tiro pode sair pela culatra. Na ânsia de decifrar e ensinar, efusivamente, o script pode confundir ao invés de esclarecer. Claro que ajuda o fato de Nolan ser um apaixonado pelo assunto. É notório. Mesmo assim, estamos diante de uma versão refinada (“2.0”) do cineasta, aquela pronta para amealhar estatuetas douradas e carecas. É um filme para Oscar, sem dúvida.

Tecnicamente primoroso, o longa é belamente fotografado por Hoyte van Hoytema, alternando entre o preto e branco e a paleta colorida - a depender de qual momento cronológico a edição está abordando. Os traumas do cientista também são representados por raios de luz alvejantes e flashs assombrosos que remetem ao peso de mais de 120 mil vidas “nas costas”. Montagem esta, aliás, que conduz de forma ágil e tranquila, até certo ponto, o desenrolar dos acontecimentos. Até que a pancada vem. E vem forte!

A direção de arte capricha na recriação histórica. O envolvimento do público fica até mais fácil com tamanho esmero. Até porque, a partir do segundo ato em diante, temos um típico “filme de tribunal”. E, para tanto, a plateia terá que ter comprado a personalidade problemática/humana/errática do protagonista, além de ter sido imersa naquele universo. Dr. Oppenheimer passa por um julgamento massivo acerca de um possível envolvimento de traição da pátria.

Afinal, ter pensamentos e atitudes afins de um democrata é o mesmo que ser um comunista? Ter ideias, tidas como comunistas, é ser um potencial antipatriota ao ponto de alimentar os soviéticos de informações sobre a bomba?  Essas e outras questões são colocadas em xeque quando menos se espera. É tudo uma questão de conveniência, afinal “eles estão lhe tratando bem até precisarem de você”, diz um personagem lá pelas tantas.

Não menos fantástica, a trilha sonora de Ludwig Göransson é um espetáculo à parte. Se conferida em IMAX, você sentirá o som arrasador pressionando o seu peito e estremecendo as cadeiras. É uma trilha que brinca com os elementos de cena para compor. Diegética. Seja um sonar radioativo nervoso ou um tique-taque inquietante de uma bomba que está prestes a explodir (literalmente); seja os pés, batendo forte no chão, de uma arquibancada repleta por uma plateia ufanista sedenta por “heroísmo”; enfim, tudo pode ser usado na composição da trilha. E o resultado é simplesmente impecável!

O elenco estelar está excepcional, em sua grande maioria. As atuações são inspiradas e vão render indicações. Robert Downey Jr. se destaca. Matt Damon sempre convence, impressionante. Já Cillian Murphy mergulha de corpo e alma no seu enigmático "herói vilanesco". Camadas não faltam. Contudo, a personagem de Florence Pugh, por outro lado, é mal aproveitada.

A vida do “pai da bomba atômica”, do “Prometeu americano”, ganhou uma adaptação bombástica, com o perdão do trocadilho, que nos convida a refletir sobre os dilemas éticos e as ambiguidades propostas. O paradoxo de arriscar destruir o mundo para tentar salvá-lo trará um inevitável futuro sombrio? "Cabeças explodirão", ou não, ao final da sessão. Vá, veja e se certifique se a sua permanecerá no mesmo lugar.

3,5 Pipocas + 4,5 Rapaduras = 8,0.


terça-feira, 11 de julho de 2023

Nos Cinemas - MISSÃO IMPOSSÍVEL: ACERTO DE CONTAS (PARTE 1)

Por Rafael Morais

Saber revitalizar uma franquia de Cinema não é para todo mundo. Ainda mais uma que iniciou há 27 anos. Mas muito do mérito, para não dizer exclusivo, é de Tom Cruise. O astro se entrega a Ethan Hunt com tamanha devoção que faz do personagem uma carta de amor aberta ao seu público.

O ator e produtor sabe que está travando uma luta - que muitos dizem ser perdida - entre o Cinema como conhecemos (sobretudo após a pandemia) e os streamings: o sofá da sala de casa X a poltrona da sala de cinema; o produto, por vezes, enlatado versus a obra exposta em um circuito; a comodidade de ficar em casa (leia-se: mexer no celular, pausar para ir ao banheiro, bater um papo, etc, etc...) versus se arrumar e sair especialmente para assistir a um filme; a experiência individual versus a catarse coletiva. Embates estes, aliás, já propostos em “Top Gun” (2022). O analógico/tradicional tentando se manter frente a uma iminente avalanche digital. Sai o piloto Maverick e entra o agente Hunt. O conflito é bem parecido.

Para Cruise, nada, simplesmente nada supera comprar um ingresso, adentrar uma sala escura, com uma tela enorme, se concentrar e sentir aquele som arrebatador no peito. A sensação de ir ao cinema é inigualável. E eu tenho que concordar com ele. Assim, o respeito do idealizador para com a sua audiência é notável quando ele diz: “vá ver o meu filme na maior tela e som possível, você não vai se arrepender. Eu vou fazer valer o seu ingresso”. E, de fato, o cara entrega!

Na contramão disso tudo, e utilizando um exemplo negativo de como não revigorar uma saga, temos o icônico Indiana Jones. É perceptível a falta de tato dos roteiristas/produtores em entender o clássico personagem. Depois da trilogia clássica, a tal "Caveira de Cristal" e agora essa "Relíquia do Destino" não passam de histórias anacrônicas e clichês de si mesmas. Não tiveram coragem alguma de remexer, readaptar, colocar o herói em situações minimamente atualizadas. O mais do mesmo impera na maioria dos blockbusters, mas, em "Missão: Impossível" não! A obra vem ganhando cada vez mais valor de produção e se mantendo relevante a cada novo capítulo.

A sinopse da vez traz o agente Ethan Hunt e sua equipe da IMF formada por Ilsa Faust (Rebecca Ferguson), Benji Dunn (Simon Pegg) e Luther Stickell (Ving Rhames) embarcando em uma perigosa missão para rastrear uma arma terrível que ameaça a humanidade. Com o controle do futuro e o destino do mundo em jogo, e algumas forças sombrias do passado de Ethan se aproximando, uma corrida mortal ao redor do mundo começa. Confrontado por um misterioso e poderoso inimigo chamado Gabriel (Esai Morales), Ethan é forçado a considerar que nada pode importar mais do que sua missão – nem mesmo a vida daqueles com quem ele mais se preocupa.

A trama é atual ao colocar as inteligências artificiais no centro da discussão, principalmente ao abordar o perigo do fator humano na equação. Aquele que deseja dominar o hightech para o mal. A Entidade, como é tratada no filme, é extremamente poderosa e pode prever situações, antecipar "jogadas", emular as personalidades de quem lhe interessa, enfim, é o nêmesis perfeito. Se cair em mãos erradas então...É aquele enredo moderno, mas que não deixa de prestar reverência ao clássico. Seja através de menções visuais ou rimas expressivas com relação aos outros episódios da saga: está tudo lá para quem conseguir captar.

Entretanto, é na ação que o filme brilha. Aliada ao carisma de seu protagonista, que sabe a importância dele próprio fazer acontecer as cenas, as sequências de perseguição são simplesmente insanas! As melhores da saga, até agora. A porradaria é caprichada, as coreografias são inventivas e o uso de um CGI/efeitos visuais orgânicos auxiliam à imersão. O cineasta Christopher McQuarrie, definitivamente, sabe o que está fazendo. Desde o episódio 5, por sinal.

Não menos fantástica, a adição de Hayley Atwell (Grace) ao elenco, além de reoxigenar o plantel, oferece camadas de mistério e charme. Muito charme! A atriz tem carisma suficiente para fazer com que nos importemos com a sua jornada. Ao oferecer um timing de humor sarcástico, a personagem divide “o fardo do alívio” cômico com Simon Pegg. É um misto de Lara Croft com Indy e pitadas de Uncharted (observe as cores sempre em tom marrom de seu figurino, aquela paleta cor de terra típica de aventureiros).

Aliás, por falar em quebrar situações de alta tensão, drama ou suspense com piadas/gags, Ethan Hunt, desde “Rogue Nation” (Nação Secreta//Ep.5), vem brincando com o absurdo numa quase metalinguagem. Ele faz caras e bocas quando se vê em circunstâncias surreais, como se dissesse: “como é que eu fiz isso?!”. Gosto do Tom bem humorado que Cruise empresta ao seu herói. Na verdade, isso é entender o ilógico e se divertir junto com a gente. Cerrar a cara e tratar tudo com seriedade seria dar um “tiro no pé”. Dominic (cof cof) Toretto.

Mas nem tudo são flores, o Gabriel de Esai Morales destoa por ser um arquétipo bem previsível. Infelizmente, o vilão usa frases e trejeitos esperados pelas convenções do gênero. Parece overacting em alguns momentos e me tirou um pouco da tensão proposta. Longe de estar à altura do antagonista vivido por Henry Cavill em “Efeito Fallout”.

Tecnicamente primoroso, o longa é lindamente fotografado por Fraser Taggart. Os planos ajudam o espectador a se situar na geografia da cena. E isso sempre é necessário nos filmes da saga, ou melhor, do gênero. O diretor de fotografia posiciona as câmeras nos melhores e mais insólitos ângulos, seja nos planos abertos ou fechados. É como se nos colocasse lá dentro e algumas vezes nos tirasse para enxergar de fora, por cima. Nos fazendo entender melhor o que está acontecendo. Tanto é que no take da escadaria em Roma, ele faz exatamente isso: sai da câmera grudada no carro para dar um “zoom out” e nos mostrar, lá do alto, em qual contexto a ação está inserida. Sensacional! Sem esquecer as nuances de orquestra clássica que a famosa música-tema do compositor argentino Lalo Schifrin ganhou aqui. De arrepiar!

E que venha o “Acerto de Contas - Parte 2”, porque impossível mesmo é não gostar dessa franquia.

Pipocas 5,0 + Rapaduras 4,0 = 9.0


sexta-feira, 26 de maio de 2023

ANIVERSARIANTES MEMORÁVEIS – 15 anos de “O PROFETA”


Por Rafael Morais

A vida é mais fácil para quem não tem nada a perder.

A França, por ser um país cosmopolita, abraça todas as etnias e culturas, e isso é bem retratado em seus filmes e literaturas. Liberté, Égalité, Fraternité. Em “O Profeta”, percebemos a importância dessas três máximas, pois, um sujeito sem liberdade, dificilmente será visto com igualdade, e assim, a tal fraternidade estará a léguas da sua realidade. 

Não foi à toa que o filme ganhou várias premiações festivais afora, entre eles o Grande Prêmio do júri de Cannes em quase todas as categorias. A obra, para além de um filme de gângster, aborda com seriedade um tema de grande valia para a sociedade: o sistema prisional. Uma análise desesperadora acerca do papel sócio-educativo invertido dentro de uma penitenciária. A ressocialização de um indivíduo torna-se quase impossível, fazendo com que um mero "ladrão de galinhas" saia lá de dentro um experiente e influente criminoso.

O espectador mais atento perceberá que o filme se ambienta em uma França pós-euro, onde essa moeda passa a vigorar em substituição de todas as outras, como o Franco, por exemplo. Repare que as relações multiétnicas, e as constantes confluências de culturas dentro da prisão, representam fielmente essa situação cambial-econômica que o país e o continente se encontravam. 

O longa acompanha a trajetória do francês de origem árabe Malik El Djebena (Tahar Rahim), de 19 anos, que acaba preso após uma suposta agressão a um policial. O roteiro, propositalmente, não explica e nem deixa claro se o prisioneiro realmente cometeu o ilícito. Apenas sabemos que a sua pena será de seis anos. Com isso, durante as duas horas e meia de projeção, percebemos, aos poucos, que essas são pseudoquestões, já que o que aconteceu no passado do jovem delinquente não importa para o longa. O que vale mesmo é saber como Malik irá superar os desafios de conviver com diferentes culturas e bandidos de toda espécie. 

Aproveitando-se do novato Malik, os ítalo-franceses, que dominam a penitenciária, liderados pelo implacável veterano César Luciani (Arestrup), obrigam-no a matar um outro encarcerado, alterando definitivamente sua estada naquele purgatório. Escolher o inexpressivo Malik para cometer tal crime não foi tarefa das mais difíceis, uma vez que o novel prisioneiro não tinha influência no "mundo do crime"; a sua figura não impunha a respeitabilidade necessária para a sua vital sobrevivência ali dentro. A ausência de amigos, e também de inimigos, não significa algo louvável, pelo contrário, o morno não tem vez dentro do sistema.

Mas esse cenário logo mudaria. Malik aprendeu rápido que precisava de aliados e aos poucos passou a ganhar mais confiança graças à sua humildade e subserviência. Com a aliança formada junto aos mafiosos italianos, o jovem francês fechou as portas para o segundo grupo de dominantes: os muçulmanos franceses. Temos aí, portanto, um arco dramático completo para apresentar a ascensão do "faz tudo", aquele que contra tudo e todos respeita a hierarquia, sem, no entanto, deixar de buscar a sua independência, ameaçando provar aos chefões que pode mais.

Ao abordar temas como o sistema penitenciário - como um entrave universal - sob uma visão holística, o longa acrescenta tons e preocupações sociais relevantes. Já como obra cinematográfica, a produção prende a nossa atenção, igualmente, nas cenas de ação - homicídios encomendados, tocaias, tiroteios, violência dentro e fora das "jaulas" - que são realizadas, na maioria das vezes, com a câmera na mão, tremulante e perspicaz, representando fielmente o nervosismo inerente à ação do personagem.

Algumas cenas dentro da prisão lembram Carandiru (2003, Hector Babenco), devido à visceralidade do homem como animal agrupador inserido em uma situação-limite. Nesse contexto, a semelhança entre o homem (ser humano) e um animal irracional acuado são impressionantes.

Outra comparação inevitável é com o clássico “O Poderoso Chefão”. O diretor Jacques Audiard bebeu da fonte de Coppola ao empregar a hierarquia do mafioso César sobre os demais. Repare que quando o líder entra em cena, temos a impressão de que ele não faz parte daquele meio, parece não estar aprisionado, onde as regras e as leis não o afetam. Permanecer acima do bem e do mal é o seu mister.

As cenas finais propõem uma profundidade de campo em um plano aberto, onde as relações de respeito e hierarquia lembram as questões de família vs. negócio do referido clássico. Uma obra simplesmente imperdível!

Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Dica de Streaming (AppleTv+) - TETRIS


Por Rafael Morais

A trama gira em torno do vendedor norte-americano Henk Rogers (Taron Egerton), que tenta conseguir os direitos de distribuição de “Tetris”, criado pelo engenheiro de software russo Alexey Pakitnov (Nikita Efreton). Mas para conseguir seu objetivo, o protagonista passará por situações inusitadas e grandes reviravoltas lhe aguardam.

Assim, Tetris, da AppleTV+, é uma grata surpresa! Protagonizado pelo talentoso Taron Egerton, o filme biográfico é uma incursão pelos bastidores do mundo dos videogames, sobretudo da indústria. Antes de se tornar um sucesso, o jogo precisou ser exportado da União Soviética para os Estados Unidos em meio aos conflitos da Guerra Fria.  

Acompanhamos um empreendedor nato (Henk) que não medirá esforços para atingir sua meta. O longa passa uma sensação de que criar algo novo, como um joguinho, é tão árduo quanto distribuí-lo em larga escala. A montagem é extremamente dinâmica quando se utiliza da metalinguagem para brincar com as possibilidades.

Os sons monofônicos trazem nostalgia ao tempo em que nos situa naquele universo. A trilha sonora também está impecável! As músicas ditam o ritmo da aventura. Sim, a uma certa altura o filme se transmuta em vários gêneros: espionagem, suspense, drama, comédia... É impressionante como a obra consegue transitar por todas essas categorias de maneira orgânica.

Dirigido com inspiração por John S. Baird, “Tetris” mostra como um programador de jogos, mesmo sem intenção nenhuma, não consegue prever o que estar por vir. Após lançada, uma obra não pertence mais ao seu criador: e o filme eleva essa ideia à enésima potência. Prepare-se para não piscar em algumas sequências, uma vez que a história vai prender sua atenção reservando plot twists incríveis! É um filme tão viciante quanto o game do título.

Outro acerto é o contexto geopolítico da época. A Guerra Fria travava embates velados homéricos até mesmo quando o assunto era um “simples”, e bota aspas nisso, videogame! As piadas, de ótimo bom gosto, se confundem com a seriedade do assunto e, por vezes, não sabemos se rimos ou ficamos tenso. Ou tudo ao mesmo tempo.

Certamente, quem teve Game Boy, por exemplo, vai se lembrar de Tetris. Claro que depois o jogo foi adaptado para diversos consoles, incluindo realidade virtual, PC’s e similares “piratex”. Ou vai me dizer que na infância sua mãe não chegou do centro da cidade com aquele mini game preto e amarelo para lhe dar de presente?! O jogo da “cobrinha” também estava na memória desse humilde console de mão. Quem nunca?!

*Avaliação: 4,5 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 8,5.


quarta-feira, 5 de abril de 2023

Nos Cinemas: SUPER MARIO BROS. - O FILME


Por Rafael Morais

Mario (Raphael Rosatto) é um encanador junto com seu irmão Luigi (Manolo Rey) no Brooklyn – EUA. Um certo dia, eles vão parar, por acidente, no reino dos cogumelos, governado pela Princesa Peach (Carina Eiras), mas ameaçado por Bowser (Marcio Dondi), o rei dos Koopas, que faz de tudo para conseguir reinar e ter o poder supremo. Durante a jornada, os irmãos toparão com figuras como Toad (Eduardo Drummond) e Donkey Kong (Pedro Azevedo).

Essa é a sinopse de "Super Mario - O Filme". Nada demais, como se pode ver. Seria uma sessão da tarde marota se não fosse a execução de tudo isso. A forma como os diretores Aaron HorvathMichael Jelenic, sem esquecer do roteirista Matthew Fogel, conduzem o projeto é o diferencial. O trio pinta e borda, literalmente. Há esmero em cada detalhe. É perceptível o respeito às origens do icônico protagonista. Os mais variados gameplays e mecânicas auxiliam à narrativa de modo criativo, orgânico e revigorante. Rimas visuais e sonoras são cirúrgicas ao despertar memórias afetivas adormecidas.

Finalmente, estamos vivendo a era dos acertos nas adaptações de videogames para as telonas e telinhas. E, felizmente, esse é o caso dessa nova animação “fruto da união” entre Ilumination Entertainment (“Meu Malvado Favorito”) e a gigante Nintendo. O rebento é um misto de puro encantamento e nostalgia! É de deixar o espectador com um sorriso estampado no rosto durante toda a projeção. É a combinação do saudosismo com o novo numa sinergia perfeita.

O sucesso também está em não ter medo de ser fiel ao original. Da coragem de assumir as cores, os traços e o espírito da obra como foi concebida. Atualizar é preciso, e eles fazem aqui, mas jamais perdem de vista o paradigma. O êxito passa por respeitar a base de fãs para, a partir dela, conquistar um novo público. E não o contrário. Do nintendinho, SNES, Game Boy, Nintendo 64, Switch ou até mesmo quem nunca pegou em um console, não importa: prevejo uma bilheteria astronômica capaz de alcançar a audiência de maneira geral.

Destaco, para tanto, a esplêndida trilha sonora escolhida com precisão. Os caras brincam de apertar gatilhos e desbloquear lembranças no espectador. Cada vez que o herói desbrava um novo universo ou quebra uma caixa com uma interrogação, por exemplo, é certeza que algo extraordinário vai acontecer.

Como não me emocionar, em particular, ao ouvir “Take On Me”, do “A-Ha”, numa sequência de ação que remete diretamente à minha infância?! Na década de noventa, meu irmão, que é cinco anos mais velho, escutava os vinis da banda norueguesa em um toca-discos na sala de casa, local onde também jogávamos videogame. Não era raro os momentos em que a música do game se confundia, ou se misturava, com algum álbum rolando no som ao fundo. Assim, percebam que o jogo “Super Mario Bros.” é de 1985, e essa canção do “A-Ha” é de qual ano? Adivinhem! “Preste atenção em mim”, está tudo conectado.

Não menos fantástica, a dublagem nacional é um show à parte! O elenco brasileiro consegue transmitir o carisma dos seus personagens através de entonações, sotaques e maneirismos (com direito a regionalismos muito bem-vindos) que somente dubladores profissionais conseguiriam. Pois é, nos últimos meses, os fãs da franquia subiram a campanha #MarioSemStarTalent no Twitter, com o intuito de fazer a Universal dublar o filme do encanador apenas com profissionais, sem celebridades. A hashtag parece ter funcionado, tendo em conta a notável falta de “Star Talents” no elenco brasileiro, especialmente em contraste com o duramente criticado americano.

Dona de um visual exuberante, a mágica aventura emociona e diverte. O filme do Mario (mas não me pergunte “que Mario?”, porque essa piada eu não posso completar aqui rsrsrs) é necessário para a indústria cinematográfica entender, de uma vez por todas, que não existe maldição em adaptar um jogo para a sétima arte. Há sim muito amor e cuidado em cada frame, em cada composição. O coração estando no lugar, o resto há de funcionar.

*Avaliação 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.


domingo, 19 de março de 2023

ENTRE MULHERES


Por Rafael Morais

Baseado no livro homônimo de Miriam Toews, "Entre Mulheres" tem um discurso forte, necessário e, infelizmente, atemporal. Sarah Polley (vencedora do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado) dirige e roteiriza o filme com o cuidado e o respeito necessário, porém, sem nunca deixar de lado as agruras e os gatilhos que a obra está disposta a propor.

Inspirado em eventos reais ocorridos na colônia de Manitoba, na Bolívia, o longa segue as mulheres de uma comunidade religiosa que lutam para conciliar sua fé com a realidade. Em 2010 (pasmem!), as mulheres da comunidade isolada seguem a religião da igreja Menonita e acabam descobrindo um segredo chocante sobre os homens daquele grupo.

Teatral em alguns enquadramentos e marcações, o filme tem uma trilha sonora que ajuda a contar a história alternando entre o contemplativo e apoteótico quando precisa; ao passo que os diálogos preenchem de humanidade os personagens. Destaque para as atuações de Rooney Mara, Jessie Buckley e Ben Wishaw. Assim, surpreendentemente, o texto é antimaniqueísta e complexo na medida certa, tornando viável o desenvolvimento de um argumento inteligente e pungente. Não há resoluções fáceis para questões difíceis.

Opressão, abusos, violências e subserviência são temas recorrentes aqui. Para tanto, é intrigante perceber a paleta dessaturada, de cores frias, escolhida para a fotografia. Um mundo cinza, como a realidade ali demonstrada, aqui e acolá se permite ser contemplado por um belo pôr do sol – como no trecho em que uma mãe acalenta sua filha e a coloca pra dormir depois de uma crise de choro - onde os raios solares dourados e quentes roubam o filtro da cena. É mais um dia vencido, o leão daquele dia se foi. Que venha o próximo.

Se a realidade à sua volta é muito crua e dura, como era para aquelas mulheres, resta buscar pelo menos na natureza um consolo genuíno. Não à toa o foco no relacionamento com os animais irracionais/domesticados traçando uma bela analogia sobre os relacionamentos sinceros. Repare, então, no arco e na importância da personagem vivida pela ótima Sheila McCarthy.

Neste aspecto, e ainda sobre como a direção de arte influencia no despertar da imaginação e na interpretação do espectador, seja consciente ou inconscientemente, é interessante constatar as tonalidades mais vivas nos adereços dos cabelos das meninas/adolescentes como se representasse a feminilidade e a inocência. Ainda mais peculiar, observe em uma certa sequência, já próxima do desfecho, a figura de um triângulo com a ponta voltada para cima (o signo masculino), banhado por um vermelho berrante, posicionado justo na parte detrás das carruagens das mulheres. O objeto encarnado é, certamente, o elemento de cenário mais colorido e saturado de todo o filme. Ele denota perigo, paixão e intensidade (e a depender da dosagem de cada um a toxicidade pode ser fatalmente inevitável) e parece impregnar o caminho/destino das protagonistas.

É um simbolismo derradeiro e melancólico, pois vende esperança na desesperança aos mais despercebidos. E eu juro que não queria ter me atentado a isso. Me cortou o coração, assim como aconteceu em “A Lista de Schindler” quando Spielberg destaca o vestido rubro daquela garotinha em meio ao preto e branco – guardadas as devidas proporções, claro.

Mas que venham outros poentes, seguidos pelo nascer de outras manhãs, intercalados por crepúsculos e tempestades num ciclo perfeito...com o tempo, quem sabe os seres humanos não evoluam, verdadeiramente. Conscientização, cultura (combate à ignorância) e isonomia são as “armas”.

E você, vai ficar e lutar ou vai partir?

Avaliação: 3,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 8,0.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Nos Cinemas - BATEM À PORTA


Por Rafael Morais

"Batem à porta" conta a história de uma família que é feita de refém por quatro estranhos armados. Uma criança e seus pais precisam fazer uma escolha impensável, que consiste no sacrifício de um deles, para evitar o apocalipse, enquanto estão com acesso limitado ao mundo exterior. 

O autoral cineasta M. Night Shyamalan adapta o livro "The Cabin at The End of The World", de Paul Tremblay, imprimindo sua assinatura do início ao fim. A construção do suspense é o que o filme tem de melhor. A atmosfera opressora em que os personagens estão mergulhados é auxiliada pela excelente montagem que não deixa a tensão cair em momento algum.

Não menos intensa e enervante, a trilha sonora de Herdís Stefánsdóttir se aproveita dos sons ambientes, como as batidas na porta, as pancadas e o arrastado das armas brancas pesadas no chão, para compor uma melodia diegética, sempre voltada aos acordes graves, capaz de nos deixar na ponta da cadeira.

Assim como um comediante, que sabe o timing ideal da piada para ela funcionar, um cineasta do calibre de Shyamalan domina o tempo de esticar o clima claustrofóbico até o seu encerramento. A acurada decupagem, somada aos movimentos de câmera bem orquestrados, auxilia à misancene e reforça a angústia de sabermos o que raios vai acontecer em seguida. E apesar da duração média do filme, não há pressa ou atropelo no desenrolar. Também não temos espaço para “barrigadas”. O plot é seco como uma pancada na boca do estômago.

Para tanto, aquele artifício de utilizar vídeos "reais" da televisão, advindos de um telejornal, como aconteceu em "Sinais", é repisado aqui e funciona por ser uma ponte com os acontecimentos lá fora, ou não. Isso traz verossimilhança ao absurdo. Porém, a depender do nível de paranoia, o que vimos pela TV pode ou não representar a realidade. Afinal, a plateia está inserida no mesmo dilema dos protagonistas: esse grupo invasor é formado por cultistas fundamentalistas ou profetas de verdade?! Pena que essa ambiguidade se esvai até fácil se você for mais atento aos detalhes.

É como se o diretor, a partir de agora, não tivesse mais ligando para sua marca registrada. Ser refém da grande reviravolta não é o bastante. Tirado esse peso a menos dos ombros de Shyamalan, que parece valorizar a própria direção em si, temos uma obra honesta e despida dessa necessidade do gran finale. É certo que o roteiro também é assinado pelo diretor - e ele até entrega algo do tipo no desfecho - talvez por ser uma obra encomendada e por imposição do estúdio, mas o faz com certo desdém. Proposital ou não, o resultado me satisfez enquanto Cinema, imageticamente falando.

Lamentável que esse roteiro mastiga o terceiro ato (o mais divisivo) e segura na mão do espectador para conduzi-lo às explicações exaustivas, quase didáticas.

Destaque para as atuações da pequena notável Kristen Cui na pele de Wen, sobretudo quando troca diálogos tensos, na floresta, com o "bom gigante" Leonard (Dave Bautista de óculos é outro patamar de performance rsrsrs). Interessante perceber o contraponto na diferença abissal dos tamanhos da criança e do homem. Os closes nas trocas de olhares doces, entre duas figuras tão antagônicas, são desconcertantes. O efeito vertigo - criado por Hitchcock (“Um Corpo que Cai”) e replicado por Spielberg ("Tubarão") - é repetido neste longa para trazer uma estranheza, medo e premonição frente ao “perigo” que sopra entre as árvores. Os mestres ensinam, os bons alunos copiam com perfeição.

Trazendo novos ares ao gênero “terror de cabana”, “Batem à Porta” aborda a temática de crenças elevando a metáfora à enésima potência. Contudo, se por um lado o diretor indiano brilha na direção de um suspense crescente. Por outro, o script derrapa no didatismo subestimando a inteligência de seu público.

*Avaliação: 3,5 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 7,5.



segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Dica Streaming [Prime Video e Star Plus] - FRAGMENTADO

Por Rafael Morais

*texto escrito no Blog em março de 2017 e revisado em janeiro de 2023

Um homem rapta três garotas e as leva a um cativeiro, onde descobriremos quais as suas verdadeiras intenções. Esta premissa de “Fragmentado” seria idêntica a tantas outras caso quem estivesse por trás de sua idealização não fosse o cineasta M. Night Shyamalan. Diretor e roteirista, o indiano surpreendeu o público, no final da década de 90, com “O Sexto Sentido” entregando um dos plot twist (reviravolta) mais memoráveis do Cinema atual. Aliás, a expectativa gerada em cima da sua carreira, após o sucesso estrondoso, acabou deixando-o refém do próprio estilo: o final de cada filme teria que vir acompanhado de uma virada espetacular.

Taxado por parte da crítica como o novo Hitchcok (não apenas por fazer uma ponta no seu próprio filme), e amado pelo público sedento por surpresas - que adora ser enganado, no bom sentido - o cineasta se viu no comando de filmes medíocres como “O Último Mestre do Ar” e “Depois da Terra”, por exemplo, sendo este último encomendado por Will Smith no intuito de promover o seu filho. Enquanto artista autoral, Shyamalan é consciente do Cinema que pretende realizar, porém, se perdeu entre uma produção e outra, graças à tentação ($$$) de Hollywood.

Dito isto, “A Visita” iniciou a parceria com a Blumhouse (selo independente ligado a filmes de terror/horror), ocasião em que o indiano ensaiou um retorno, esperado com ansiedade pelos fãs, trazendo fôlego à sua cambaleante filmografia. Aqui em “Fragmentado”, por sua vez, o roteiro é auxiliado pela magnífica atuação de James McAvoy. Inspirado, o ator interpreta um sujeito perturbado, diagnosticado com TDI (Transtorno Dissociativo de Identidade), passando a desenvolver 23 personalidades distintas, das quais 6 ou 7 são melhores abordadas durante o filme.

E é justamente Dennis, uma de suas personas, responsável pelo sequestro das meninas, bem como por toda a arquitetura do plano, que causa o estopim no interior do vilão/protagonista. A batalha introspectiva entre os diversos tipos que residem na “caixola” do sujeito é admirável graças à composição de McAvoy, dotado de expressões físicas e corporais. Representar, na mesma tomada e sem cortes aparentes, uma transição de uma criança de 09 anos de idade, frágil e vacilante, para um adulto com mania de limpeza, forte e seguro, passando por uma mulher maquiavélica, tudo dentro do mesmo ser, quase simultaneamente, é algo fantástico que só um ator multifacetado consegue fazer.

Deste modo, repare como o intérprete se utiliza de uma simples peça de figurino, o cachecol, para entregar nuances distintas para cada personalidade coexistente. Quando levanta o objeto e desfere um olhar de vaidade, acompanhado de um sorriso e voz suave, temos uma figura feminina; ao passo que quando se cobre com a mesma peça e entrega um ar de medo, insegurança, temos Kevin, o verdadeiro “paciente zero”.

Mérito também para a direção de arte na concepção do ambiente em que as vítimas estão confinadas. Claustrofóbico, o lugar guarda nos detalhes um pouco da identidade de cada persona. Destaque também para a jovem atriz Anya Taylor-Joy (sucesso em “A Bruxa”), na pele de Casey. Personagem feminina inteligente, com atitudes dignas de quebrar convenções do gênero, tendo apenas o seu desenvolvimento prejudicado por conta de flashbacks deslocados que trazem a sua versão infantil passando por traumas de abusos, representada por uma atriz mirim, que não se parece em nada com o seu biotipo na fase adulta, o que acaba nos tirando um pouco do filme, além de quebrar o ritmo da narrativa, essencial no suspense.

Terror psicológico de primeira, “Fragmentado” se revela um interessante estudo de personagens quando se volta para o confinamento no intuito de observar a complexidade do ser humano. Daí a explicação para os enquadramentos fechados nos rostos, desfocando o que estiver ao fundo, ou nas laterais. As facetas são o que importa para a ideia funcionar, e funciona! 

Assim, com um desfecho genial que interliga o universo “shayamalaniano” (a Marvel está fazendo escola) temos uma obra voltada para o nascimento de um poderoso monstro, numa espécie de jornada do vilão, contrapondo, sincronicamente, com outro filme do cineasta, o qual não entrarei em detalhes para evitar spoiler.

 *Avaliação: 4,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 8,5.     


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - OS BANSHEES DE INISHERIN

Por Rafael Morais

Reeditando a parceria de “Na Mira do Chefe” (2008), o trio Colin Farrell, Brendan Gleeson e o cineasta Martin McDonagh voltam a se encontrar nesse inusitado ensaio sobre a afeição em “Os Banshees de Inisherin”.

Aclamado pela crítica, e com nove merecidas indicações ao Oscar deste ano, o filme é todo situado em uma ilha remota na costa oeste da Irlanda de 1923, tendo como contexto histórico a Guerra Civil Irlandesa. Entretanto, isso é apenas um pano de fundo para retratar outro embate mais intimista que se avizinha.

A história acompanha os amigos de longa data Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), que se encontram em um impasse quando Colm inesperadamente põe fim à amizade deles. Um atordoado Pádraic - auxiliado por sua irmã Siobhán (Kerry Condon) e o problemático jovem ilhéu Dominic (Barry Keoghan) - se esforça para consertar o relacionamento, recusando-se a aceitar um não como resposta. Os esforços repetidos de Colm de pôr um fim no relacionamento apenas fortalecem a determinação de seu ex-amigo de reatá-lo. E quando Colm entrega um ultimato desesperado, consequências para ambos começam a acontecer.

Destaque para as excelentes atuações. Colin Farrel se perde na pele de um homem ingênuo (ou seria infantil?) rústico e gentil que reluta diante do iminente fim de uma convivência. Barry Keoghan entrega um Dominic como sendo aquele sujeito interiorano atrapalhado que podemos encontrar em qualquer cidadezinha. Perturbado e dono de um olhar sofrido, o garoto é peça fundamental no desenrolar da história, uma vez que força a amizade com Pádraic e acaba espelhando a relação dos dois protagonistas em pé de guerra. Já Siobhán, a irmã do protagonista, encarnada por Kerry Condon, é a construção de uma persona que sabe balancear bem a razão e a emoção. Doce, amorosa, inteligente e confiável, a mulher estava à frente do seu tempo, porém, o seu amor fraternal a mantinha na ilha.

Neste sentido, o roteiro brilha no desenvolvimento dessas figuras, encontrando em Colm (Gleeson) o contraponto perfeito para o conflito. O cara é um músico culto, talvez o único artista local, talentoso e conhecido por todos. O problema é que, de repente, sem mais nem menos, ele cansa dos papos aleatórios (para não falar besteirol), de jogar uma boa conversa fora e da companhia de Pádraic. Deste modo, o filme começa a mexer com o espectador quando entrega um misto de alegrias e tristezas na mesma cena. Confesso que, bruscamente, deu vontade de rir e chorar, ao mesmo tempo, em algumas situações. É uma típica comédia dramática, bem “bipolar”, que leva a carência e todo o peso contido na expressão “meu melhor amigo é fulano” ao extremo.

Apostando na atmosfera bucólica da ilha, a direção de arte capricha nos detalhes e na retratação da época. As casas e o bar (ponto-chave para o desenrolar da narrativa), repletos de objetos cenográficos harmônicos e condizentes, são microcosmos vivos que passam o calor das pessoas que ali transitam. Há alma, há vida e confraternização transmitida à percepção/sensibilidade do público. Ao final da sessão, no acender das luzes, a película me deu uma sensação de estar deixando para trás não somente a sala de cinema, mas também aquela ilha e os personagens apresentados, tamanha a imersão. Parecia que eu estava lá com eles o tempo todo.

Não menos espetacular, a trilha sonora evocativa e regionalista de Carter Burwell nos conduz por paisagens e diálogos inesquecíveis. A cultura irlandesa parece estar bem representada na linda composição do músico. Da mesma forma, a fotografia deslumbrante de Ben Davis se utiliza da luz natural, da própria natureza em si e de panorâmicas para enquadrar os conflitos e as angústias de maneira poética. Burwell sabe enclausurar quando tem que fazê-lo e abrir no momento certo.

Assim, tudo que presenciamos de intrigas acaba, metaforicamente, sendo um paradoxo frente ao que as lentes de Davis captura. Um lindo mar no horizonte, tendo duas pessoas dialogando ferozmente ao centro, por exemplo, pode ser um sinônimo de recomeço/esperança em determinada cena. Um “armistício” entre indivíduos que se atacam e resolvem dar uma trégua, tal qual nações em tempos de hostilidade?!

Na verdade, “Os Banshees de Inisherin” é um filme contido, “pequeno”, mas ao mesmo tempo grandioso na sua proposta e resultado. É sobre rejeição versus gentileza. É sobre como saber lidar com as pessoas, mesmo que algumas não lhe sejam mais agradáveis, sem ser um otário rude. É atemporal, ao passo que dialoga com a empatia (ou falta dela), o estresse da sociedade, com os desencontros, os caminhos opostos, com o paradoxo do tempo, da finitude e da vontade do homem em se tonar inesquecível. Parece ambicioso, mas não é, acredite. Tudo transcorre deliciosamente natural diante de seus olhos. E quando menos perceber você terá pensado nesses temas sem se quer fazer esforço.

Em contrapartida, é uma obra que o público precisa “comprar” a ideia da metáfora literal estabelecida na metade do segundo ato até o derradeiro: quando um sujeito lá “corta da própria carne”, indo às últimas consequências. Caso contrário, esse longa-metragem talvez não seja para você.

Contudo, assim como na vida, a amizade também é sobre “besteiras”. Sobre conversar coisas deslocadas, a respeito da leveza e da confiança de um no outro para rir de episódios que nem mesmo sabem o motivo de estar rindo. E se rir de si é o melhor remédio, Colm está precisando desse antídoto urgente!

Por fim, temos uma pura dramédia irlandesa que discute a complexidade de uma amizade de forma alegórica, intimista e arrebatadora.

*Avaliação: 4,5 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 9,5.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - M3GAN

Por Rafael Morais

Cheguei à sessão de “M3gan” - sim, tem esse numeral três no lugar da vogal “e” fazendo referência à terceira geração de toys ultra tecnológicos que a empresa fabrica na história – de coração aberto, na melhor das intenções. Gostaria de ter saído elogiando e recomendando o filme aos quatro ventos. Mas, infelizmente, não foi bem isso que aconteceu.

 

A sinopse narra a evolução da inteligência artificial através do projeto de uma boneca realista programada para ser a maior companheira de uma criança e a maior aliada dos pais. Imaginada por uma visionária corporação onde trabalha a engenheira robótica Gemma (Allison Williams), a boneca M3GAN pode ouvir, assistir e aprender enquanto se torna amiga e professora, companheira de brincadeiras e protetora da criança a quem está intimamente conectada.

 

Quando essa engenheira de repente se torna a tutora de sua sobrinha órfã de apenas oito anos, Cady (Violet McGraw), é natural que ela se sinta insegura e despreparada para ser “mãe”. Sob intensa pressão no trabalho, Gemma decide emparelhar seu protótipo M3GAN com Cady na tentativa de resolver os dois problemas - uma decisão que terá consequências desastrosas. Se não sabe brincar não desce pro play, Gemma. A notável e inconsequente (para não dizer estúpida) criadora demora demais a perceber que tudo vai desmoronar. O que coloca em xeque até mesmo sua capacidade e inteligência. Como uma pessoa é capaz de criar algo tão complexo e não enxergar um palmo do que está à sua frente?! Ao final dos dois primeiros atos, temos a seguinte certeza: se só arrependimento matasse, Gemma seria imortal.

 

Desta forma, é curioso perceber que, aos poucos, o brinquedo vai adquirindo um pouco da personalidade naturalmente narcisista da criança (usuária primária) se tornando quase o seu avatar. Um fantoche personalizável e altamente smart, em fase de testes, caindo nas mãos de uma garota carente e negligenciada é uma bomba-relógio. É como riscar um fósforo dentro de um tambor de querosene. A teimosia em responder quando deveria estar calada, de cumprir um castigo integralmente, de obedecer sem contestar. Todas as semelhanças estão lá, até mesmo na utilização da violência como instinto mais primitivo do ser humano que não está pronto para tentar resolver um conflito no diálogo.

 

Já tecnicamente, é notório que o diretor neozelandês Gerard Johnstone tem boas referências cinematográficas. O início com uma família no carro viajando por uma estrada montanhosa, em direção a um hotel, é impossível não lembrar de “O Iluminado”, por exemplo. E ainda sobre o clássico de Kubrick, como não observar as cores da parede e os corredores estreitos da empresa? Ali, em uma determinada sequência, a boneca é enquadrada no centro, com o seu vestidinho angelical, para depois tocar o terror. Não sem antes “botar um boneco danado” e meter uma coreografia que promete viralizar nas redes sociais.

 

“O Exorcista” também é inspiração para o jovem cineasta, sobretudo na estranheza dos movimentos da boneca quando está prestes a atacar. Afinal de contas, em algumas cenas o uso do mecatrônico salvou a produção de William Friedkin; além do mais, de Regan para Megan basta trocar a letra R por um M.

 

Alusões à parte, até porque elas são bem superficiais e exige um esforço/boa vontade do público, aqui vemos um filme que tem os seus momentos, mas no todo não vale a pena. Não chega lá. A obra até propõe temas relevantes para reflexão. Como o vício pela vida digital, a dependência de eletrônicos, a perigosa troca/compensação da presença humana pela virtual, a criação dos filhos na contemporaneidade, etc. Contudo, essas temáticas jamais se aprofundam.

 

A zona de conforto do roteiro é a superficialidade. É tentar explorar o carisma da protagonista em cima daquele espectador de TikTok. Já imagino a explosão de visualizações de alguns trechos picotados por lá. O cinema como mero passatempo sempre foi uma realidade e não vai deixar de ser. Assim, o potencial é de contagiar aquela turma a fim de pegar um cineminha despretensioso e levar uns “bons” sustos. Jumps scares não vão faltar. Não à toa o sucesso que está fazendo nas bilheterias mundo afora.

 

O filme até tem uma atmosfera interessante e sabe lidar com o “vale da estranheza” na figura da boneca “zoiuda”. O problema é que ele demora a engrenar e quando pega no tranco não entrega aquilo que o público sedento está buscando: o gore. E por falar nisso, assim como as gags, que deveriam ter sido mais exploradas, há uma escassez de sangue na mesma medida. Talvez para alcançar a classificação indicativa de 14 anos que conseguiu.

 

Por sorte, há um respiro criativo, metalinguístico, moderno e cômico na utilização de músicas em situações inesperadas. Não tem como não rir quando as canções Titanium (David Guetta feat. Sia) e Toy Soldiers (Martika) surgem em cena. São raros os instantes inspiradores e pouco explorados. O bom humor ácido e nonsense se sobressai até certo ponto.

 

Destaco ainda as crises existencialistas da protagonista-título. “Hal 9000” fez escola. Um aceno para a Alexa e o total descaso às três leis de Isaac Asimov transitam entre altos e baixos. M3gan é uma espécie de lobo na pele de cordeiro, tal qual acontece em “O Anjo Malvado” (aquele mesmo de 1993 com Macaulay Culkin – sei que não é de boneco endemoniado, mas tem a mesma estrutura do gênero). Chucky e Annabelle, enfim, ganharam uma concorrente bonequeira (com o perdão do trocadilho, novamente).

 

Por fim, trata-se de uma proposta divertida, mas nada corajosa. O filme decepciona ao derrapar em um terceiro ato genérico. A intenção de engatar uma franquia superou a ideia de atualizar o gênero killer doll.

 

*Avaliação: 2,5 Pipocas + 2,5 Rapaduras = 5,0.