quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - M3GAN

Por Rafael Morais

Cheguei à sessão de “M3gan” - sim, tem esse numeral três no lugar da vogal “e” fazendo referência à terceira geração de toys ultra tecnológicos que a empresa fabrica na história – de coração aberto, na melhor das intenções. Gostaria de ter saído elogiando e recomendando o filme aos quatro ventos. Mas, infelizmente, não foi bem isso que aconteceu.

 

A sinopse narra a evolução da inteligência artificial através do projeto de uma boneca realista programada para ser a maior companheira de uma criança e a maior aliada dos pais. Imaginada por uma visionária corporação onde trabalha a engenheira robótica Gemma (Allison Williams), a boneca M3GAN pode ouvir, assistir e aprender enquanto se torna amiga e professora, companheira de brincadeiras e protetora da criança a quem está intimamente conectada.

 

Quando essa engenheira de repente se torna a tutora de sua sobrinha órfã de apenas oito anos, Cady (Violet McGraw), é natural que ela se sinta insegura e despreparada para ser “mãe”. Sob intensa pressão no trabalho, Gemma decide emparelhar seu protótipo M3GAN com Cady na tentativa de resolver os dois problemas - uma decisão que terá consequências desastrosas. Se não sabe brincar não desce pro play, Gemma. A notável e inconsequente (para não dizer estúpida) criadora demora demais a perceber que tudo vai desmoronar. O que coloca em xeque até mesmo sua capacidade e inteligência. Como uma pessoa é capaz de criar algo tão complexo e não enxergar um palmo do que está à sua frente?! Ao final dos dois primeiros atos, temos a seguinte certeza: se só arrependimento matasse, Gemma seria imortal.

 

Desta forma, é curioso perceber que, aos poucos, o brinquedo vai adquirindo um pouco da personalidade naturalmente narcisista da criança (usuária primária) se tornando quase o seu avatar. Um fantoche personalizável e altamente smart, em fase de testes, caindo nas mãos de uma garota carente e negligenciada é uma bomba-relógio. É como riscar um fósforo dentro de um tambor de querosene. A teimosia em responder quando deveria estar calada, de cumprir um castigo integralmente, de obedecer sem contestar. Todas as semelhanças estão lá, até mesmo na utilização da violência como instinto mais primitivo do ser humano que não está pronto para tentar resolver um conflito no diálogo.

 

Já tecnicamente, é notório que o diretor neozelandês Gerard Johnstone tem boas referências cinematográficas. O início com uma família no carro viajando por uma estrada montanhosa, em direção a um hotel, é impossível não lembrar de “O Iluminado”, por exemplo. E ainda sobre o clássico de Kubrick, como não observar as cores da parede e os corredores estreitos da empresa? Ali, em uma determinada sequência, a boneca é enquadrada no centro, com o seu vestidinho angelical, para depois tocar o terror. Não sem antes “botar um boneco danado” e meter uma coreografia que promete viralizar nas redes sociais.

 

“O Exorcista” também é inspiração para o jovem cineasta, sobretudo na estranheza dos movimentos da boneca quando está prestes a atacar. Afinal de contas, em algumas cenas o uso do mecatrônico salvou a produção de William Friedkin; além do mais, de Regan para Megan basta trocar a letra R por um M.

 

Alusões à parte, até porque elas são bem superficiais e exige um esforço/boa vontade do público, aqui vemos um filme que tem os seus momentos, mas no todo não vale a pena. Não chega lá. A obra até propõe temas relevantes para reflexão. Como o vício pela vida digital, a dependência de eletrônicos, a perigosa troca/compensação da presença humana pela virtual, a criação dos filhos na contemporaneidade, etc. Contudo, essas temáticas jamais se aprofundam.

 

A zona de conforto do roteiro é a superficialidade. É tentar explorar o carisma da protagonista em cima daquele espectador de TikTok. Já imagino a explosão de visualizações de alguns trechos picotados por lá. O cinema como mero passatempo sempre foi uma realidade e não vai deixar de ser. Assim, o potencial é de contagiar aquela turma a fim de pegar um cineminha despretensioso e levar uns “bons” sustos. Jumps scares não vão faltar. Não à toa o sucesso que está fazendo nas bilheterias mundo afora.

 

O filme até tem uma atmosfera interessante e sabe lidar com o “vale da estranheza” na figura da boneca “zoiuda”. O problema é que ele demora a engrenar e quando pega no tranco não entrega aquilo que o público sedento está buscando: o gore. E por falar nisso, assim como as gags, que deveriam ter sido mais exploradas, há uma escassez de sangue na mesma medida. Talvez para alcançar a classificação indicativa de 14 anos que conseguiu.

 

Por sorte, há um respiro criativo, metalinguístico, moderno e cômico na utilização de músicas em situações inesperadas. Não tem como não rir quando as canções Titanium (David Guetta feat. Sia) e Toy Soldiers (Martika) surgem em cena. São raros os instantes inspiradores e pouco explorados. O bom humor ácido e nonsense se sobressai até certo ponto.

 

Destaco ainda as crises existencialistas da protagonista-título. “Hal 9000” fez escola. Um aceno para a Alexa e o total descaso às três leis de Isaac Asimov transitam entre altos e baixos. M3gan é uma espécie de lobo na pele de cordeiro, tal qual acontece em “O Anjo Malvado” (aquele mesmo de 1993 com Macaulay Culkin – sei que não é de boneco endemoniado, mas tem a mesma estrutura do gênero). Chucky e Annabelle, enfim, ganharam uma concorrente bonequeira (com o perdão do trocadilho, novamente).

 

Por fim, trata-se de uma proposta divertida, mas nada corajosa. O filme decepciona ao derrapar em um terceiro ato genérico. A intenção de engatar uma franquia superou a ideia de atualizar o gênero killer doll.

 

*Avaliação: 2,5 Pipocas + 2,5 Rapaduras = 5,0.


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