Cheguei à sessão de “M3gan” -
sim, tem esse numeral três no lugar da vogal “e” fazendo referência à terceira
geração de toys ultra tecnológicos que a empresa fabrica na história – de
coração aberto, na melhor das intenções. Gostaria de ter saído elogiando e
recomendando o filme aos quatro ventos. Mas, infelizmente, não foi bem isso que
aconteceu.
A sinopse narra a evolução da
inteligência artificial através do projeto de uma boneca realista programada
para ser a maior companheira de uma criança e a maior aliada dos pais. Imaginada
por uma visionária corporação onde trabalha a engenheira robótica Gemma
(Allison Williams), a boneca M3GAN pode ouvir, assistir e aprender
enquanto se torna amiga e professora, companheira de brincadeiras e protetora
da criança a quem está intimamente conectada.
Quando essa engenheira de
repente se torna a tutora de sua sobrinha órfã de apenas oito anos, Cady
(Violet McGraw), é natural que ela se sinta insegura e despreparada para ser “mãe”.
Sob intensa pressão no trabalho, Gemma decide emparelhar seu protótipo M3GAN
com Cady na tentativa de resolver os dois problemas - uma decisão que terá
consequências desastrosas. Se não sabe brincar não desce pro play, Gemma. A
notável e inconsequente (para não dizer estúpida) criadora demora demais a
perceber que tudo vai desmoronar. O que coloca em xeque até mesmo sua
capacidade e inteligência. Como uma pessoa é capaz de criar algo tão complexo e
não enxergar um palmo do que está à sua frente?! Ao final dos dois primeiros
atos, temos a seguinte certeza: se só arrependimento matasse, Gemma seria
imortal.
Desta forma, é curioso perceber
que, aos poucos, o brinquedo vai adquirindo um pouco da personalidade naturalmente
narcisista da criança (usuária primária) se tornando quase o seu avatar. Um
fantoche personalizável e altamente smart, em fase de testes, caindo
nas mãos de uma garota carente e negligenciada é uma bomba-relógio. É como
riscar um fósforo dentro de um tambor de querosene. A teimosia em responder
quando deveria estar calada, de cumprir um castigo integralmente, de obedecer
sem contestar. Todas as semelhanças estão lá, até mesmo na utilização da
violência como instinto mais primitivo do ser humano que não está pronto para tentar
resolver um conflito no diálogo.
Já tecnicamente, é notório que
o diretor neozelandês Gerard Johnstone tem boas referências cinematográficas. O início com
uma família no carro viajando por uma estrada montanhosa, em direção a um hotel,
é impossível não lembrar de “O Iluminado”, por exemplo. E ainda sobre o
clássico de Kubrick, como não observar as cores da parede e os corredores
estreitos da empresa? Ali, em uma determinada sequência, a boneca é enquadrada
no centro, com o seu vestidinho angelical, para depois tocar o terror. Não
sem antes “botar um boneco danado” e meter uma coreografia que promete
viralizar nas redes sociais.
“O Exorcista” também é inspiração para o jovem
cineasta, sobretudo na estranheza dos movimentos da boneca quando está prestes
a atacar. Afinal de contas, em algumas cenas o uso do mecatrônico salvou a
produção de William Friedkin; além do mais, de Regan para Megan basta trocar a
letra R por um M.
Alusões à parte, até porque
elas são bem superficiais e exige um esforço/boa vontade do público, aqui vemos
um filme que tem os seus momentos, mas no todo não vale a pena. Não chega lá. A
obra até propõe temas relevantes para reflexão. Como o vício pela vida digital,
a dependência de eletrônicos, a perigosa troca/compensação da presença humana
pela virtual, a criação dos filhos na contemporaneidade, etc. Contudo, essas
temáticas jamais se
aprofundam.
A zona de conforto do roteiro é a
superficialidade. É tentar explorar o carisma da protagonista em cima daquele
espectador de TikTok. Já imagino a explosão de visualizações de alguns trechos
picotados por lá. O cinema como mero passatempo sempre foi uma realidade e não
vai deixar de ser. Assim, o potencial é de contagiar aquela turma a fim de
pegar um cineminha despretensioso e levar uns “bons” sustos. Jumps scares
não vão faltar. Não à toa o sucesso que está fazendo nas bilheterias mundo
afora.
O filme até tem uma atmosfera
interessante e sabe lidar com o “vale da estranheza” na figura da boneca
“zoiuda”. O problema é que ele demora a engrenar e quando pega no tranco não
entrega aquilo que o público sedento está buscando: o gore. E por falar
nisso, assim como as gags, que deveriam ter sido mais exploradas, há
uma escassez de sangue na mesma medida. Talvez para alcançar a classificação
indicativa de 14 anos que conseguiu.
Por sorte, há um respiro
criativo, metalinguístico, moderno e cômico na utilização de músicas em
situações inesperadas. Não tem como não rir quando as canções Titanium (David
Guetta feat. Sia) e Toy Soldiers (Martika) surgem em cena. São raros os instantes
inspiradores e pouco explorados. O bom humor ácido e nonsense se sobressai
até certo ponto.
Destaco ainda as crises
existencialistas da protagonista-título. “Hal 9000” fez escola. Um aceno para a
Alexa e o total descaso às três leis de Isaac Asimov transitam entre altos e
baixos. M3gan é uma espécie de lobo na pele de cordeiro, tal qual acontece em
“O Anjo Malvado” (aquele mesmo de 1993 com Macaulay Culkin – sei que não é de
boneco endemoniado, mas tem a mesma estrutura do gênero). Chucky e Annabelle,
enfim, ganharam uma concorrente bonequeira (com o perdão do trocadilho,
novamente).
Por fim, trata-se de uma
proposta divertida, mas nada corajosa. O filme decepciona ao derrapar em um
terceiro ato genérico. A intenção de engatar uma franquia superou a ideia de
atualizar o gênero killer doll.
*Avaliação: 2,5 Pipocas + 2,5
Rapaduras = 5,0.