domingo, 19 de março de 2023

ENTRE MULHERES


Por Rafael Morais

Baseado no livro homônimo de Miriam Toews, "Entre Mulheres" tem um discurso forte, necessário e, infelizmente, atemporal. Sarah Polley (vencedora do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado) dirige e roteiriza o filme com o cuidado e o respeito necessário, porém, sem nunca deixar de lado as agruras e os gatilhos que a obra está disposta a propor.

Inspirado em eventos reais ocorridos na colônia de Manitoba, na Bolívia, o longa segue as mulheres de uma comunidade religiosa que lutam para conciliar sua fé com a realidade. Em 2010 (pasmem!), as mulheres da comunidade isolada seguem a religião da igreja Menonita e acabam descobrindo um segredo chocante sobre os homens daquele grupo.

Teatral em alguns enquadramentos e marcações, o filme tem uma trilha sonora que ajuda a contar a história alternando entre o contemplativo e apoteótico quando precisa; ao passo que os diálogos preenchem de humanidade os personagens. Destaque para as atuações de Rooney Mara, Jessie Buckley e Ben Wishaw. Assim, surpreendentemente, o texto é antimaniqueísta e complexo na medida certa, tornando viável o desenvolvimento de um argumento inteligente e pungente. Não há resoluções fáceis para questões difíceis.

Opressão, abusos, violências e subserviência são temas recorrentes aqui. Para tanto, é intrigante perceber a paleta dessaturada, de cores frias, escolhida para a fotografia. Um mundo cinza, como a realidade ali demonstrada, aqui e acolá se permite ser contemplado por um belo pôr do sol – como no trecho em que uma mãe acalenta sua filha e a coloca pra dormir depois de uma crise de choro - onde os raios solares dourados e quentes roubam o filtro da cena. É mais um dia vencido, o leão daquele dia se foi. Que venha o próximo.

Se a realidade à sua volta é muito crua e dura, como era para aquelas mulheres, resta buscar pelo menos na natureza um consolo genuíno. Não à toa o foco no relacionamento com os animais irracionais/domesticados traçando uma bela analogia sobre os relacionamentos sinceros. Repare, então, no arco e na importância da personagem vivida pela ótima Sheila McCarthy.

Neste aspecto, e ainda sobre como a direção de arte influencia no despertar da imaginação e na interpretação do espectador, seja consciente ou inconscientemente, é interessante constatar as tonalidades mais vivas nos adereços dos cabelos das meninas/adolescentes como se representasse a feminilidade e a inocência. Ainda mais peculiar, observe em uma certa sequência, já próxima do desfecho, a figura de um triângulo com a ponta voltada para cima (o signo masculino), banhado por um vermelho berrante, posicionado justo na parte detrás das carruagens das mulheres. O objeto encarnado é, certamente, o elemento de cenário mais colorido e saturado de todo o filme. Ele denota perigo, paixão e intensidade (e a depender da dosagem de cada um a toxicidade pode ser fatalmente inevitável) e parece impregnar o caminho/destino das protagonistas.

É um simbolismo derradeiro e melancólico, pois vende esperança na desesperança aos mais despercebidos. E eu juro que não queria ter me atentado a isso. Me cortou o coração, assim como aconteceu em “A Lista de Schindler” quando Spielberg destaca o vestido rubro daquela garotinha em meio ao preto e branco – guardadas as devidas proporções, claro.

Mas que venham outros poentes, seguidos pelo nascer de outras manhãs, intercalados por crepúsculos e tempestades num ciclo perfeito...com o tempo, quem sabe os seres humanos não evoluam, verdadeiramente. Conscientização, cultura (combate à ignorância) e isonomia são as “armas”.

E você, vai ficar e lutar ou vai partir?

Avaliação: 3,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 8,0.

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