quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Disponível no Prime Video – CONTRA O TEMPO


Por Rafael Morais

Um Sci-fi que perpassa a ação, o drama e o suspense de forma sensível e convincente.

*resenha escrita em julho de 2011

Há tempos não assistia a um bom filme de ficção científica cercado por outros gêneros. E foi em Contra o Tempo que veio essa grata surpresa. 

No longa, o Capitão Stevens (Jake Gyllenhaal) acorda em um trem e se vê na pele de um homem que ele não conhece. Assim, o cara descobre que, sem seu consentimento, está fazendo parte de um experimento (antiterrorista) criado pelo governo norte-americano chamado "Código Fonte" (Source Code, título original). O programa possibilita que Stevens assuma a identidade de um outro homem em seus últimos oito minutos de vida. Assim, sua missão é encontrar os terroristas responsáveis por um atentado que deixou milhares de vítimas e, principalmente, impedir outro ataque.

Inicialmente, temos uma falsa e precipitada impressão de que toda a trama não passa de um Déjà Vu, e isso não é apenas aquele sentimento de já ter visto algo parecido antes, mas por ser bem assemelhado ao filme estrelado por Denzel Washington e dirigido por Tony Scott em 2006. Mas não se preocupem, como disse, é apenas uma pseudo impressão.    

Contudo, o filme não é tão simples quanto parece, exigindo, sobremaneira, uma atenção redobrada do espectador, uma vez que, com o passar da projeção, alguns personagens de capital importância dão o ar da graça, emaranhando, cada vez mais, a árdua missão do protagonista.

Nesse passo, somos apresentados a uma Capitã (vivida pela expressiva Vera Farmiga) que acrescenta doses de humanidade e objetividade às principais cenas. É ela que dá o briefing de cada inserção do atordoado Stevens aos últimos oito minutos naquele trem que, inevitavelmente, irá explodir. A personagem de Farmiga é essencial ao roteiro, pois traz consigo um toque de sensibilidade frente à frieza daquele experimento, tornando-a imprescindível ao desfecho da película.    

Mais uma vez Gyllenhaal encara o papel principal e não faz feio. O jovem ator se insere, paulatinamente, como um dos seletos da nova geração e isso acontece, especialmente, porque as suas atuações convencem e há uma entrega em suas atuações. Sem falar no emergente Duncan Jones (filho de David Bowie), cineasta ainda injustiçado pela pouca divulgação e distribuição do notável Lunar (ficção científica indie de 2009), filme de estreia do diretor. Agora, Jones tem nas mãos uma produção de grande porte impondo sua câmera/visão eletrizante e tensa. Oportunidade perfeita que o diretor “agarra com unhas e dentes”.  

Enfim, vale salientar que essa resenha não tem o condão de dar spoiler, até porque o seu final deixa algumas pontas soltas (talvez de forma proposital) e apenas poucas certezas, das quais não direi quais são. Mas, acima de tudo, é uma competente produção que nos prende do início ao fim, sem "pestanejar".

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 9,0.


quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Disponível no Streaming - O QUARTO DE JACK

Por Rafael Morais

Imagine uma mãe raptada e mantida presa em cárcere privado, com o seu filho, em um cômodo que serve de quarto, banheiro, quintal e cozinha ao mesmo tempo. Pois é nesta situação que somos apresentados à sofrida vida de Joy (Brie Larson) e Jack (Jacob Tremblay). Baseado em fatos, o roteiro de Emma Donoghue (também autora do livro homônimo), aborda a visão do pequeno Jack frente à dura realidade em que vive somado à expectativa de fuga em busca do mundo novo.

Em "O Quarto de Jack", a direção de arte ganha importância no cubículo/moradia, dando vida a cada detalhe: repare nos desenhos do menino espalhados por todo canto, nas roupas estendidas e nos modestos móveis que compõem o ambiente. Tudo retrata fielmente o lugar, trazendo verossimilhança à história. Mérito também às fortes atuações de Larson e Trambley. Demonstrando uma química sem igual, os atores se entregam ao projeto sendo um dos responsáveis diretos pelo sucesso do filme nos festivais em que passou - inclusive angariando importantes indicações no Oscar daquele ano (2016).

Tremblay encarna uma carismática criança que não sabe diferenciar fantasia de realidade, uma vez que a sua ideia de mundo vem da televisão, único lazer disponível. Os seus únicos amigos são um cachorro imaginário, uma aranha e um rato. Na verdade, tudo que lhe aparece é real, sendo os demais seres e objetos partes de uma ficção: o que não está no quarto não está no mundo. Tanto é assim, que Jack encara o lado de fora como o espaço sideral, tamanha a sua distorção. Comovente ao retratar o desespero de Joy na pele de uma mãe desesperada por sobrevivência, sobretudo a de seu filho, a mulher se transforma em uma verdadeira águia protetora, e o seu sofrimento é palpável quando decide colocar um perigoso, mas, necessário, plano de fuga em ação, dando contornos de suspense ao drama.

Já a direção de Lenny Abrahamson é extremamente competente ao enfocar todos os acontecimentos sob a ótica do garotinho através de enquadramentos que remetem o seu particular universo. Captar um “ambiente microcosmo” e tornar tudo maior em escala, conferindo vida e importância, não é tarefa das mais fáceis, o que Abrahamson faz com maestria no primeiro ato do filme, para desconstruir no terceiro de maneira genial quando o enredo coloca os sobreviventes frente a frente com o quarto e revela o seu verdadeiro tamanho, que, ainda mais diminuto e ajudado pelo uso de lentes diferentes (grandes angulares) faz Jack pensar que o cenário encolheu. Mas não, a sua percepção é que se alterou diante da evolução de seu personagem.

Assim, as distorções do foco durante a presença da luz solar, além da captação de um som abafado, permitem ao espectador experimentar o que seria a sensação de um primeiro contato com estes elementos depois de anos enclausurado, e, no caso de Jack, nunca sentido antes. Neste aspecto, a fotografia remete às cores vibrantes retratadas por bombons coloridos e um vistoso café da manhã, em detrimento da paleta em tons pastel escolhida para os objetos de cena que compõem o quarto.

Além do mais, os adultos são quase sempre focados do pescoço para baixo, por meio de uma câmera oscilante, sendo reforçado pelos tensos encontros do menino com o seu algoz: o “velho Nick” (Sean Bridgers), como é chamado o homem responsável pela atrocidade de mantê-los aprisionados. E mesmo quando, inevitavelmente, há um contato visual com o rosto de algum personagem adulto, estranho à sua mãe, as lentes logo se voltam para baixo, a depender do grau de intimidade do interlocutor, como se a hesitação e o medo de Jack estivesse presente na linguagem do filme. E realmente estão.

A narrativa fica por conta do pequeno e reserva algumas das melhores cenas e falas do longa. O que dizer dos momentos em que Jack é filmado deitado no chão, olhando para cima, pela claraboia, dentro do quarto, fazendo uma interessante rima visual com outro instante em que surge na mesma posição, em contato com o encantador "lado de fora"? Sensível e tocante!

Fazendo referências filosóficas ao mito/alegoria da caverna de Platão, a película traz uma sequência em que Jack brinca com o reflexo da luz do sol que bate em sua parede, alimentando sua curiosidade, além de desvirtuar ainda mais o mundo real que lhe espera. E não é estranho perceber que, mesmo desacorrentados (isso não é spoiler, está nos trailers), mãe e filho sofrem tanto com o assédio da mídia, constantemente bombardeados por notícias, apelo e sensacionalismo, que chegam ao ponto de se pegarem saudosistas pensando no quarto, já que o lugar, apesar de remeter às lembranças horríveis, também era uma “bolha” que os resguardava de tudo de ruim que o mundo real pode oferecer.

Assim, não é à toa o pesado estresse pós-traumático vivido por Joy, enquanto que a criança consegue se adaptar mais rápido, o que não os faz escapar de tomadas fechadas, tão claustrofóbicas quanto às empregadas no quarto, cuja intenção da fotografia é continuar enclausurando os personagens, que, embora “livres”, continuam presos de formas diferentes. Obra capaz de discutir com sensibilidade a complexidade da natureza humana, “O Quarto de Jack” se impõe como uma experiência emocional e sensorial pelo prisma do ineditismo, ainda inocente, de seu carismático protagonista.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 5 rapaduras = nota 9,5


terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Disponível na Netflix: JOHN WICK - UM NOVO DIA PARA MATAR


Por Rafael Morais

Pegue um filme do James Bond e desconstrua-o. Some a isso pitadas das fitas de Bruce Lee, adicione uma porção do estilo Jason Bourne, tudo com um forte ranço de “The Raid”. Essa é a receita para a nova e promissora franquia de John Wick. Nesta continuação, conhecemos um pouco mais da história do anti-herói, interpretado com maestria por Keanu Reeves.

Na trama, Jonatahn Wick se vê preso ao passado, devido a um laço de sangue (que eles chamam de promissória) realizado com um poderoso mafioso da “Alta Cúpula”, Santino D'Antonio (Riccardo Scarmacio). Organização esta que é mais desenvolvida neste episódio e elevada a status de nêmesis, proporcional ao protagonista bad ass.

Assim, a direção de Chad Stahelski é segura e precisa. Não há excesso de efeitos visuais, diálogos expositivos ou câmeras com firulas. O cineasta sabe filmar a ação como poucos atualmente, captando não só a coreografia da pancadaria, como também a misancene. O espectador está sempre bem situado nas sequências de luta, sabendo quem apanhou, se a arma caiu, e até mesmo quantas balas faltam para acabar o cartucho. Exemplo melhor pode ser visto durante o visceral combate entre e Wick e Cassian (o rapper Common), um inimigo à altura.

Definitivamente, os clichês de munição infinita não são bem-vindos aqui, o que dialoga com a nova geração de games de ação. Qual graça teria um “chefe de fase” se o nosso “herói” tivesse um arsenal interminável ao seu dispor? Neste sentido, o filme parece ter saído de alguma HQ ou jogo, tamanha a identidade visual e estrutura narrativa peculiar. A divisão de fases na qual a jornada de John Wick é estabelecida lembra muito um game, e dos bons, misto de “Max Payne, “Metal Gear Solid - Phantom Pain” e “Hitman”. 

A fotografia de Dan Laustsen, por sua vez, se harmoniza com a proposta da obra, entregando um deleite visual, paradoxal à brutalidade daquilo que estamos assistindo. Repare na utilização de neon, do colorido da cidade (inclusive homenageando o lendário Buster Keaton na apresentação) e na projeção à contraluz: tudo remete à bela foto de Roger Deakins em “007 - Skyfall”, ratificando a ótima referência cinematográfica dos envolvidos.

Mas se o filme funciona, Keanu Reeves tem a sua parcela no sucesso. O ator, já cinquentão, se entrega ao personagem com tamanha sinceridade que sentimos a dor do sujeito, embora as expressões lhe faltem, crítica que o perseguiu por toda a sua carreira. Contudo, representando John Wick, assim como o Neo de “Matrix”, o cara convence e muito! Mesmo com um corpo franzino, poucos diálogos (referência ao cinema mudo) e olhar ameaçador que substitui o físico, é na técnica de luta e no manuseio de armas de fogo que o protagonista triunfa. Não que o cara seja menos mortífero de posse de uma faca desamolada ou um simples lápis sem ponta.

As sequências de ação são espetaculares, muitas sem cortes aparentes, através de revezamento entre planos abertos e fechados, em que Reeves enfrenta uma horda de inimigos utilizando apenas uma pistola e o punho (arte marcial). E graças ao árduo treinamento do ator – vídeos de bastidores comprovam que ele mesmo coreografou e participou das tomadas - o longa consegue trazer verossimilhança às lutas.

Reservando momentos impagáveis, como o reencontro entre Laurence Fishburne e Keanu Reeves (Morpheus e Neo), a película sabe que está homenageando tantas outras do mesmo gênero e tem noção do tom de paródia que por vezes assume. Deste modo, como estamos lidando com o submundo, o alternativo, sociedades secretas, a liberdade com que gangues se enfrentam em qualquer lugar da cidade, seja no centro, pelos metrôs, nas ruas movimentadas ou em shoppings, sem que nenhum policial apareça, nos faz perdoar e aceitar a licença poética.

Ao final, em um desfecho empolgantemente desafiador, o filme se despede com uma deixa surpreendente para o próximo capítulo, o qual já espero ansioso.  

*Avaliação: 5,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Filme Natalino Obrigatório - A FELICIDADE NÃO SE COMPRA (1946)


Por Rafael Morais
A encantadora utopia de Frank Capra

É algo cada vez mais raro um filme conseguir "sobreviver" durante tanto tempo e envelhecer bem. Em tempos de "besteirois" enlatados, uma obra norte-americana como “A Felicidade Não se Compra”, nos remete à época de ouro do cinema estadunidense, tornando-a sempre bem-vinda e atemporal. 

Dono de um roteiro humanista, escrito a três mãos (Albert Hackett, Frances Goodrich e o próprio Frank Capra), o longa trata de maneira singela, e ao mesmo tempo forte, temas e conceitos humanos bem delicados como: compaixão, solidariedade, honestidade e lealdade. E apesar da produção ser de 1946, a abordagem sobre a ganância humana e a deturpação dos valores se mantém até hoje, e o pior, numa escala ainda mais alarmante. 

A história narra a trajetória de George Bailey (James Stewart, de Janela Indiscreta e Um Corpo Que Cai), um jovem que sonha em crescer na vida, estudar fora, ser um grande homem e ajudar o mundo a ser melhor. Desde pequeno, sempre fez boas ações, assim como o seu pai, como quando impediu que o farmacêutico – e também seu chefe – trocasse o remédio de uma criança por veneno, acidentalmente; além de salvar a pele de seu irmão mais novo em um acidente, vindo a perder a audição de um dos ouvidos. 

George nunca teve intenção de manter a firma de seu pai, um banco bem "diferente" dos padrões: uma instituição financeira idealizada para ajudar as pessoas que necessitavam do dinheiro para progredir, como construir suas residências, por exemplo, mas sem cobrar (e quando cobrava) os tradicionais e exorbitantes juros. O generoso homem sempre quis mais que isso, e narrativa nos apresenta diversas cenas que demonstram esse lado beneficente de George.

Assim, em um certo momento, o protagonista pensa em se suicidar saltando de uma ponte, em razão das maquinações de Henry Potter (Lionel Barrymore), o homem mais rico da região. É nesse momento que Clarence (Henry Travers), um anjo que espera há 220 anos para ganhar asas, é mandado a Terra para tentar fazer George mudar de ideia, demonstrando sua importância através de flashbacks de como seria a vida sem a existência dele. 

E é nesse ponto que o filme aproveita para pôr as cartas na mesa e apresentar os seus temas: o que é melhor, ter amigos ou se aproveitar das pessoas faturando em cima de seus sonhos? Ser leal aos seus valores ou prostituí-los? Enfim, uma coisa é certa, é bem mais fácil ser uma pessoa ruim do que boa, devido às facilidades de trilhar os caminhos errados, cheios de tentação e desprovidos de responsabilidade. 

É impressionante a forma como o genial Fank Capra consegue achar soluções inteligentes e orgânicas para os limitados efeitos especiais da época. Observe na sequência em que Deus conversa com alguns anjos para escalar qual será o escolhido para salvar o pobre George. Ao escolher Clarence, um anjo sem asas (escolha conveniente ao fugir dos CGI’s), o diretor e roteirista deixa claro que os conflitos são inerentes a todos ali, sem exceções. E isso faz com que o espectador se aproxime ainda mais dos personagens. Fantástico!

Vale fazer referência à tocante sequência em que Mary Bailey (Donna Reed) prepara uma surpresa para o seu amado, em plena lua-de-mel. Cena essa de uma sutileza e elegância sem igual. É de arrepiar!       

Em um mundo capitalista dos anos 40, pós-crise de 1929 e o início da reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, devíamos refletir em pleno século XXI sobre o que Capra queria nos dizer naquele tempo, sobre os verdadeiros valores da vida. Vale a pena conferir essa obra-prima que se tornou o filme de Natal (fim de ano) obrigatório.

"Lembre-se que ninguém é um fracasso se tem amigos".

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras


terça-feira, 22 de novembro de 2022

Nos Cinemas - PANTERA NEGRA: WAKANDA PARA SEMPRE

Por Rafael Morais

Após a morte do rei T'Challa, Wakanda está cada vez mais vulnerável às intervenções das potências mundiais. Agora, mais do que nunca, os olhos da nação guardiã do vibranium estão atentos e voltados aos ares, à terra e, sobretudo, ao mar.

O ponto de partida para essa nova história dos estúdios Marvel é, justamente, a precoce partida do ator Chadwick Boseman. O diretor e roteirista Ryan Coogler teve que "corrigir a rota" e reinventar uma narrativa do zero. Desafio perceptível, a começar por fazer um mistério sem sentido de quem vai assumir o manto do herói. Era bastante óbvio e natural quem seria escolhido(a), mas mesmo assim fizeram disso um chamariz desnecessário.

Começando pelos destaques negativos do longa, é perceptível a pressa do roteiro em resolver os conflitos gerados. Se o filme cria uma expectativa ao dizer que será difícil, quase impossível, a fuga de uma personagem raptada para um lugar desconhecido e altamente inóspito, rapidamente há uma solução fácil para desfazer tudo aquilo que foi criado como problema. E isso acontece várias vezes, inclusive no seu desfecho. Os furos do script ficam perceptíveis, mas parece que a produção não estava tão interessada em corrigi-los.

Ainda sobre os aspectos frágeis, não menos frustrante é perceber que Shuri (Letitia Wright) não segura a onda como protagonista. Se no filme de 2018 a personagem funcionou muito bem como alívio cômico na pele de uma cientista genial e leve; aqui, em Wakanda Forever, o peso do luto não lhe caiu bem. Sai o sorriso largo para dar lugar a um olhar triste e às lágrimas. Ressentimentos e culpa substituem a leveza da irmã enlutada do herói. Talvez por isso a razão de existir da bela cena pós-crédito que mira a esperança e o futuro desse universo.

Já sobre os aspectos positivos, que não são poucos, destaco as atuações de Angela Basset vivendo uma Rainha Ramona pesarosa, sofrida, mas não menos forte como figura política imponente. É uma atuação segura e vigorosa que contrapõe o seu estado de espírito. E por falar em elenco, a adição de Tenoch Huerta como Namor é um acerto enorme! O ator mexicano aproveita a oportunidade e não decepciona, pelo contrário. Atuando com olhares e expressões corporais impactantes, Huerta se estabelece e se impõe na história.

Igualmente fantástica, a fotografia de Autumn Durald, bem como a direção de arte, evoca a cultura africana através das cores e enquadramentos contemplativos, especialmente nas cenas do velório de T'Challa. Tudo ancorado pela apoteótica trilha sonora capaz de mesclar o anacronismo entre a tecnologia e o analógico. O visual de Talocan e seus habitantes também merece elogio. Além do mais, a Marvel sabe construir universos e sempre capricha nos capangas do vilão, não tem como negar.

As cenas de ação, por sua vez, são bem coreografadas com o peso necessário na batalha. É perceptível o atrito do vibranium no impacto dos embates. Destaco a sequência de perseguição de carro que termina na ponte. Simplesmente sensacional a construção da tensão (a utilização de animais marinhos como meio de transporte é hipnótico e traz um ar de perigo/urgência surreal) seguida por uma trocação franca "comendo solta". Assim, toda a ação é filmada e ritmada através da utilização de músicas eletrônicas com batidas de tambores que remetem ao hightech da cultura "wakandiana".

Por fim, entre altos e baixos, Ryan Coogler entrega um filme-homenagem intimista e visualmente poderoso. Emocionante - já marejei os olhos com a abertura clássica da Marvel só com cenas de Boseman como Pantera Negra, mas sem som algum - essa continuação expande o universo de Wakanda com sucesso.

*Avaliação: 4,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 8,0


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Exclusivo Netflix - NADA DE NOVO NO FRONT


Por Rafael Morais

"Nada de Novo no Front", exclusivo da Netflix, é uma adaptação do romance homônimo de Erich Maria Remarque que narra a jornada do adolescente Paul Baumer, e seus amigos, convocados para atuar na linha de frente da Primeira Guerra Mundial. O jovem começa seu serviço militar de forma idealista e entusiasmada, mas logo é confrontado pela dura realidade do combate. Esta é a terceira versão desta história. A primeira, de Lewis Milestone, em 1930, venceu o Oscar de Melhor Filme. A outra versão, de 1979, é a menos conhecida e foi realizada por Delbert Mann.

Mas esta nova releitura, dirigida por Edward Berger, tem na bagagem cinematográfica obras como "Glória Feita de Sangue", do mestre Stanley Kubrick, ao adentrar e passear pelas trincheiras através do uso de steadicam, por exemplo. É o aprimoramento técnico de uma fórmula de sucesso. Captar as feições desesperadas ao passo em que coloca o espectador geograficamente ao lado desses homens desafortunados na iminência da morte é algo angustiante e aterrador.

Claro que em "1917" Sam Mendes também bebeu dessa mesma fonte, porém, tentou ser mais audacioso ao ir esteticamente além e rodar um longa sem cortes através de take "único", apenas um plano-sequência: disse o marketing. O pano de fundo era o mesmo: a Primeira Guerra Mundial.

Outra clara referência contemporânea é "Dunkirk", de Christophen Nolan. A obra fez escola ao estabelecer um crescente de suspense, sobretudo com a utilização da espetacular trilha sonora.  Assim, à medida em que a tensão aflora, a música de Volker Bertelmann acompanha o ritmo ao demarcar o tempo, quase como um tic tac de uma bomba-relógio. Contudo, aqui os acordes remetem aos horrores da guerra, literalmente. Violinos distorcidos, gritos e tambores secos entram e saem sem cerimônia. Marchas fúnebres premonitórias são inseridas e intercaladas escalonando o medo e preparando o público para algo ruim que está prestes a acontecer. Não há saída para os que vão lutar no front, e o filme deixa claro isso desde o início.

Prendendo a nossa atenção do primeiro ao último frame, a película ainda tem espaço para falar sobre patriotismo inflamado. A exacerbação do discurso desvirtua os interesses enquanto manipula a massa de manobra. Afinal, a alta patente uniformizada precisava de material humano para guerrear, muitas vezes sem propósito algum naquelas trincheiras, sem avançar um centímetro sequer. Havia a necessidade de amealhar jovens para morrer pelo país e o discurso patriótico idealizado, por vezes glamourizado, era eficaz como poder de convencimento.

A verdade é que o tema, por si só, exerce fascínio. Seja por trás das linhas inimigas, nos campos de batalha ou no “xadrez” estratégico das negociações (armistício empurrado goela abaixo), a guerra é implacável e não deixará um legado incólume à humanidade.

Afinal, para ilustrar bem o argumento faço minha a famosa frase de Erich Hartmann, um piloto de caça alemão da Segunda Guerra Mundial, o ás de caça de maior sucesso na história da guerra aérea: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam por decisão de velhos que se conhecem, se odeiam, mas não se matam.”

Magnífico, uma das maiores surpresas que o filme me proporcionou residiu na aproximação com os elementos de suspense e horror dentro do gênero de guerra. A "terra de ninguém" devastada é o retrato do caos, do próprio inferno na Terra. É sensacional a estética empregada por Berger quando trabalha a tensão, utilizando até jump scares orgânicos. O gore não é evitado, acertadamente. O enquadramento das batalhas é lindamente fotografado com ares sombrios e sujos, mas não menos contemplativos minutos antes da saraivada de balas ressoar ou de uma bomba explodir.

Esta reimaginação do best-seller, já disponível no streaming, é o candidato da Alemanha para a categoria Melhor Longa-Metragem Internacional do 95º Oscar em 2023. Acho difícil ser superado por outro título.

Por fim, em "Nada de Novo no Front" os discursos manipuladores, e atemporais, assustam tanto quanto os horrores das trincheiras enlameadas de uma Primeira Guerra sanguinolenta retratada de maneira crua e visceral. Imperdível!

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Aniversariantes Memoráveis – 81 anos de CIDADÃO KANE

Por Rafael Morais

Uma das maiores e mais complexas obras-primas do Cinema.

Considerado pela maioria dos estudiosos e cinéfilos de todo o mundo como o melhor filme já realizado, Cidadão Kane é um marco na história da sétima arte, seja pelas técnicas de filmagem, seja pela genialidade do jovem Orson Welles, que sem medir esforços e munido de muita coragem, roteirizou, dirigiu e atuou no longa.

Não dá pra falar desse filme sem levar em conta a época de sua realização. O ano era 1941 e um gênio de 20 e poucos anos, chamado Orson Welles, "cobrou o escanteio e ainda marcou de cabeça", isto é, produziu, escreveu, atuou e dirigiu Cidadão Kane de forma icônica. Se hoje em dia tratar temas polêmicos significa mexer na ferida, imaginem o "burburinho" causado pelo jovem cineasta ao expor toda a sujeira que há por trás do sistema jornalístico mundial. E foi dessa forma que aconteceu. O estopim para o circo pegar fogo já estava aceso e a década de 40 parecia não estar preparada para tanta polêmica e revolução, já que eram tempos tradicionalistas e cheios de regras de conduta.

A história, baseada em acontecimentos reais, conta a ascensão e queda na trajetória de um magnata da comunicação Charles Foster Kane, um americano visionário, ambicioso e austero que consegue fama, dinheiro e polêmicas/problemas durante a sua carreira. Apesar de Welles nunca ter assumido publicamente, o longa é baseado na vida do milionário Willian Randolph Hearst.    

Nas primeiras cenas, já percebemos a qualidade da película, quando o movimento da câmera nos leva da entrada de um castelo até uma janela (takes inovadores para a época) e, através de uma transição, somos levados para dentro desse castelo - outro recurso técnico executado brilhantemente - onde vemos uma pessoa segurando uma bola, dizendo "Rosebud". Logo após, ele a solta, entra uma enfermeira no aposento e constatamos que ele está morto.

Tem-se início um filme-documentário que é contado de maneira cronologicamente inversa. A partir daí, descobrimos que quem acabara de falecer é o importante Charles Foster Kane e, para os realizadores do documentário, era de capital relevância adicionar um mistério àquela produção bibliográfica. Para tanto, colocaram jornalistas em campo em busca de uma resposta que será a espinha dorsal do filme: o que significaria “ROSEBUD", a última palavra, o derradeiro fôlego gasto pelo poderoso Kane?

A genialidade de Welles emerge com essa simples palavra, sabiamente a inserção dessa dúvida atrairia não só a atenção do público, como também traçaria um paralelo imprescindível com a história do personagem principal.

Remetendo-nos à infância de Kane, o enredo, inicialmente, pretende apresentar o conturbado e triste passado daquele que viria a ser um importante homem, mas que na infância não teve vida fácil, sofrendo como poucos até ser adotado (na verdade, doado como um objeto) por um milionário. Inclusive a cena em que os pais do pequeno Kane resolvem entregá-lo a um magnata é de uma delicadeza e densidade sem igual.

A câmera inquieta e reveladora acompanha subitamente os dois vértices da realidade. De um lado, uma criança inocente brinca em seu balanço, demonstrando a felicidade de estar em seu lar, que mesmo humilde, podia chamar de seu. No outro ponto, pela janela da singela casa, os seus pais negociam a sua "doação", tudo isso com uma tomada simplesmente perfeita, que perpassa o balançar de uma criança contrapondo a dura realidade que está por vir. Emocionante!

A jornada para descobrir o real significado daquele intrigante brado – “Rosebud!” - apenas serviria como pano de fundo para a história, já que o desenvolvimento dos personagens era a prioridade do argumento e observar o quão um ser humano podia chegar era o primordial. “Crescer e crescer”, essa virou a meta do egoísta Kane, mesmo que para tanto tivesse de jogar sujo, manipular e criar notícias em nome da mídia, do consumo e da popularidade. O seu jornal logo passou a ser o mais influente, mas nem por isso o de maior credibilidade.

De fato, o aspecto técnico da produção é o que há de melhor nessa obra. E a fotografia é outro fator importantíssimo para o filme. Ao contrário do Expressionismo Alemão, que utilizava das sombras para tornar o protagonista parte do cenário, Gregg Toland (o fotógrafo do filme) utilizou o jogo de luz e sombras para dar o clima dark que queria. Sempre que Kane ia revelando seu lado obscuro, fazendo suas peripécias egocêntricas, a sombra dominava o cenário, geralmente o encobrindo. O enquadramento foca tanto os primeiros planos como os segundos, sempre jogando com isso, diversas vezes mostrando o teto dos cenários, brincando com o tamanho aparente e seus egos no momento.

Todavia, deixando de lado o plano técnico do longa, o que mais me chamou a atenção foi a maneira perspicaz como o filme é contado, que nos faz refletir o verdadeiro sentido da vida e o quão passageira ela é. Parafraseando Maximmus – personagem vivido por Russel Crowe em Gladiador - " O que fazemos em vida ecoa pela eternidade".

Por fim, pode ser que nem todos gostem tanto assim da história de “Cidadão Kane”, mas, analisando toda a sua importância, a obra é impecável. Um grande clássico do Cinema que deve ser assistido por todos, não importa a idade, o sexo, os valores humanos. Simplesmente inesquecível: um filme atemporal que estará vivo facilmente por outros tantos anos.

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.


segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Dica de Streaming [Star Plus e Prime Video] - AD ASTRA: RUMO ÀS ESTRELAS


Por Rafael Morais

Brad Pitt vive o astronauta Roy McBride, um sujeito compenetrado no que faz, mas que tem pela frente a missão mais difícil de sua vida: ir aos confins do universo em busca de respostas e do paradeiro de seu pai desaparecido, Clifford McBride (Tommy Lee Jones) - um cientista renegado que pode representar uma ameaça à humanidade.

Em que pese esta premissa soar pretensiosa demais, o roteiro de Ethan Groos, em parceria com o também diretor James Gray (do ótimo "Z: A Cidade Perdida"), trata logo de colocar os personagens e as situações devidamente com os "pés no chão". Dono de um visual arrebatador, estamos diante de um drama, em essência, envolto numa roupagem de ficção científica, não se engane. As respostas mais complicadas para questões envolvendo a viabilidade da viagem espacial, a física, não são respondidas, e nem é o foco aqui. O turismo espacial já é uma realidade, e ponto. Não importa o desgaste devido aos enormes deslocamentos, a alimentação, o preparo físico (a não ser o psicológico, que ganha importância na trama), tampouco o peso da idade. Nada disso tem vez em Ad Astra.

Existencialista, o filme faz inúmeros questionamentos inerentes ao ser humano, como a obsessão pelo conhecimento, pelo desbravamento, o preço que se paga pelas escolhas, o misto de frustração e orgulho por detrás de um projeto de vida que "não deu certo"; enfim, as consequências desaguarão num desfecho mais intimista do que se imaginava, mas não menos belo.

Assim, a divisão dos atos em “Ad Astra” é bem delineada. Enquanto o primeiro desenvolve o conflito e nos aproxima do protagonista, onde enxergamos tudo pela sua perspectiva; o segundo flerta com filmes como Gravidade (Alfonso Cuarón, 2013) e Interestelar (Christopher Nolan, 2014), chegando a surpreender o espectador ao entregar momentos de tensão e até ação.

Mas é no derradeiro ato que o longa referencia Solaris (Andrei Tarkovski, 1971) ao focar na solidão do "herói" frente à imensidão da galáxia. A poeira do universo é palpável, literalmente, rumo a uma jornada introspectiva. Neste sentido, a trilha sonora de Max Ritcher se harmoniza com a proposta da obra ao arranjar melodias com tons épicos, mesclando notas melancólicas. Um trabalho musical que se aproxima do mestre Hans Zimmer.

E é justamente por ser contemplativo que o filme vem sendo trucidado por muitos. "Barrigada", "chato", "entediante" são alguns dos adjetivos. Na verdade, o ritmo mais arrastado, no último terço, é proposital e condizente com a realidade. A decupagem menos dinâmica se coaduna com a digressão presenciada em tela. Perceba que o protagonista terá que percorrer, por exemplo, setenta e nove dias entre alguns trechos. Se isso passasse num estalar de dedos não sentiríamos o impacto. O público é testemunha da peregrinação do astronauta com um propósito muito mais pessoal do que altruísta.

Por fim, o fato é que não nutrir expectativa alguma por um filme, muito menos não assistir a um trailer sequer (que foi o meu caso) pode tornar a obra uma grata surpresa!

*Avaliação: 3,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 8,0.


quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Nos Cinemas - ADÃO NEGRO


Por Rafael Morais

Quase 5.000 anos após ter sido agraciado com os poderes onipotentes dos deuses antigos - e aprisionado logo depois - Adão Negro (Dwayne Johnson) é libertado de sua tumba terrena, pronto para levar ao mundo moderno sua forma singular de justiça. Essa é a sinopse do novo filme do universo DC nos cinemas.

Dwayne Johnson estrela Adão Negro ao lado de Aldis Hodge como Gavião Negro; Noah Centineo no papel de Esmaga-Átomo; Sarah Shahi como Adrianna (uma espécie de "cospobre" de Tomb Raider); Marwan Kenzari no papel de Ishmael; Quintessa Swindell como Ciclone; e Pierce Brosnan como Senhor Destino. Ufa! Mas é isso mesmo, apesar do filme se chamar Adão Negro, poderiam ter sido mais sinceros e intitulado de "A Sociedade da Justiça x The Rock".

Assim, confesso que o mais difícil de escrever essa resenha é realmente se lembrar do filme. Minha memória, que já não anda lá essas coisas, fica turva ao tentar recordar alguma cena relevante que seja. Tudo é muito genérico e soa até bollywoodiano, por vezes, sobretudo o terceiro ato banhado por uma fotografia saturada em dourado. WTF! Confusão de cores, ideias e muita porrada! É como se "Hobbs & Shaw" encontrasse "Velozes e Furiosos" e ambos estivessem chapados.

A direção de Jaume Collet-Serra (que se você der um Google e puxar o currículo do cineasta vai encontrar produções ordinárias - com exceção de "A Órfã") é operante e se destaca na condução das sequências de ação. O problema é o estilo cafona que o cara adota em alguns momentos (o que é aquela câmera lenta utilizada nas rabiçacas coloridas e esfumaçadas da Ciclone?!).

No limite da vergonha alheia, "Black Adam" tem como único ponto positivo o que "Shazam" fez com maestria: ele tenta, e em certos pontos até consegue, dar coração ao longa. Os personagens transbordam sentimento e entrega, não tem como negar. Incluindo o carismático protagonista. Sim, é a mesma cara e atuação que toda a filmografia do Dwayne Jhonson, mas aqui com mais músculos aloprados que mal cabem na roupa. Sério, o trapézio do cara salta do uniforme. Definitivamente, ele não precisa de enchimento no figurino.

Outro destaque fica por conta de uma breve crítica ao modus operandi do exército americano, na figura da Sociedade da Justiça, ao "invadir" terras estranhas em "nome da paz" mundial. A abordagem de um povo sofrido que precisa de um herói, mas na verdade é um anti-herói é que deve fazer o “trabalho sujo” para resolver a parada (o famoso "é o que tem pra hoje") deixa uma mensagem interessante no ar.

Levando em conta que estou me cansando de filmes de super-herói, esta é uma obra que tem o potencial de divertir um público mais despretensioso e ainda ávido pelo gênero.

Por fim, temos um filme que “pratica apneia” ao quase não respirar em suas duas horas de projeção. Recheado de ação desenfreada e muitos clichês, "Adão Negro" é uma típica produção que tem sua razão de existir na empolgante cena pós-crédito. Neste aspecto negativo - ao alimentar o hype da comunidade com um cliffhanger descarado - a DC se aproxima da Marvel nos cinemas.

* Avaliação: 3,0 Pipocas + 2,0 Rapaduras = 5,0.


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Dica Streaming [Apple TV+] - AO CAIR DA NOITE


Por Rafael Morais

Quando a família do patriarca Paul (Joel Edgerton) se vê acuada em sua própria casa, em meio a uma densa floresta, tentando sobreviver a uma misteriosa pandemia, temos a sinopse de “Ao Cair da Noite”: nova produção do estúdio A24, o mesmo criador do excelente “A Bruxa”. 

Dirigido e roteirizado com maestria por Trey Edward Shults, este thriller psicológico está mais preocupado com a narrativa voltada para a tensão entre os personagens do que propriamente com o grafismo das cenas, muito menos com a apresentação de um “monstro” para satisfazer uma plateia sedenta.

Portanto, se você gosta de jump scares gratuitos (aqueles sustos que te fazem pular), aqui não é o seu lugar. Na verdade, ao invés destes pulos, o longa vai te deixar na ponta da cadeira tamanho o clima de inquietação que a película desenvolve, de maneira crescente, no decorrer da trama.

Desta forma, a obra também não é recomendável ao tipo de público que espera reviravoltas, explicações e resoluções para os conflitos propostos. Ponto negativo para o marketing do filme que tenta vender - através de trailers e material de campanha - um terror convencional, dado o aparente clichê de sua premissa, mas que em contrapartida acaba entregando um excepcional suspense. 

Voltando à família enclausurada, além de Paul (um sujeito paranoico, metódico e extremamente protetor), temos o seu filho Travis (Kelvin Harrison Jr.), um jovem de 17 anos que está perdendo a melhor fase de sua vida enfurnado em um local que não pode sair; além de sua mãe Sarah (Carmen Ejogo), uma mulher que contrapõe com carinho o jeitão rústico do marido, mas que pode esconder uma frieza na tomada de decisões nos momentos mais delicados. Assim, está formado o cenário “ideal” para os acontecimentos que levarão ao clímax, sendo a chegada de uma nova família o estopim dos conflitos. Mostrando a dificuldade de convivência em grupo, cada um com o seu pensamento, modo e costume, Edward Shults deslancha a película na chegada de Will (Christopher Abbott), sua esposa Kim (Riley Keough) e Andrew (Griffin Robert Faulkner), o filhinho do casal. 

Neste panorama, contando com um subvilão silencioso e invisível, os protagonistas, cercados de desesperança e desconfiança no próximo, terão que lidar com situações extremas para se manterem vivos. Estamos numa distopia pós-apocalíptica onde um vírus letal corrói o ser humano, sendo este o principal medo dos que ainda sobrevivem. Repare nos pesadelos de Travis que permeiam o filme. Todos dizem respeito aos seus principais temores, o que acaba causando uma incrível rima visual com o desfecho. Notável também a concepção dos ambientes fechados, escuros e sem vida, servindo para aumentar a sensação de claustrofobia. Não menos harmoniosas, as câmeras do jovem diretor sempre transitam lentamente dentro da casa, abusando dos close-ups para encarcerar ainda mais aquelas pessoas. 

A fotografia de Drew Daniels, por sua vez, é carregada no dark, nas sombras e no breu completo, demonstrando não só o estado de espírito dos seres ali representados, como o ambiente sem vida e desolador em que vivem. Tenebroso! Perceba que em contraponto à escuridão que banha o lugar, surge uma destoante porta pintada em vermelho - o único meio de entrada e saída da residência - cor esta que denota urgência/perigo com o que pode estar por detrás ou a partir dela. 

Habilidoso ao oferecer diversas leituras/interpretações, sem amarrar pontas soltas, este “Ao Cair da Noite” se revela como um eficiente estudo de narrativa se destacando de diversas produções com a mesma temática – e a maioria delas peca pela megalomania - dentro de um microcosmo, em pequena escala, sem grandes ambições. Ao final, saímos da sala de cinema com a sensação de angústia e desnorteamento ao constatar que da porta vermelha pra dentro (simbologia em forma de autoanálise) é que mora o real perigo, o inerente à natureza humana.

* Avaliação: 4,5 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 9,5. 

terça-feira, 4 de outubro de 2022

08 ANOS SEM EDUARDO COUTINHO

Por Rafael Morais

Quando Eduardo Coutinho faleceu em 02 de fevereiro de 2014, o Cinema Nacional perdia o seu maior documentarista. Obras emblemáticas como "Cabra Marcado Para Morrer" e "Edifício Master", entre tantas outras, fazem parte do legado deixado pelo genial cineasta.

Apresento, a quem ainda não teve o prazer de conhecer, os melhores documentários dirigidos, "roteirizados" e comandados pelo mestre Coutinho. Inspiradores, estes longas nos remetem à condição da natureza humana, na sua mais profunda camada, onde os protagonistas são pessoas "comuns", como qualquer um de nós.

O quão espetacular pode ser pegar uma câmera, apertar o REC e gravar uma boa história de um ilustre desconhecido?! Para Coutinho, o ato de ser ouvido é uma das mais profundas necessidades de um ser humano, pois, ser ouvido é ser legitimado. E durante uma de suas últimas entrevistas concedidas, ele lança uma questão: "Quem, hoje em dia, está preocupado em legitimar o outro? Cada um está preocupado em se legitimar".

Outro ponto interessante sobre o gênero documentário, é o script. Ficção nenhuma seria capaz de ser mais fantástica, complexa e, ao mesmo tempo, simples como a vida de uma pessoa. A jornada de um ser humano pode reservar plot twist’s inimagináveis para qualquer roteiro.  

Portanto, seguem algumas dicas de docs. onde os personagens do dia a dia têm muito a dizer. Se emocione com as obras de Eduardo Coutinho, assim como sempre acontece comigo ao revê-las.

·       Cabra Marcado para Morrer (1984)

·       O Fio da Memória (1991)

·       Boca de Lixo (1993)

·       Santo Forte (1999)

·       Edifício Master (2002) 

·       O Fim e o Princípio (2005) 

·       Jogo de Cena (2007) 

·       Um Dia na Vida (2010) 

·       As Canções (2011)


sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Dica Streaming [Netflix e Globoplay] - EM RITMO DE FUGA


Por Rafael Morais

Após dirigir a chamada “Trilogia do Cornetto – Sangue e Sorvete” (composta pelos filmes “Todo Mundo Quase Morto”, “Chumbo Grosso” e “Heróis da Ressaca”) e a adaptação da HQ “Scott Pilgrim Contra o Mundo”, o cineasta Edgar Wright chega a esse “Em Ritmo de Fuga” disposto a colocar suas digitais numa obra original, mesmo com um roteiro fragilizado pelos clichês, também escrito por ele. 

A trama acompanha o excêntrico jovem Baby (Ansel Elgort): o cara precisa ouvir música o tempo todo para silenciar o zumbido que perturba seus ouvidos desde um acidente na infância. Talentoso motorista, ele é o piloto de fuga oficial dos assaltos de Doc (Kevin Spacey), mas não vê a hora de deixar o cargo, principalmente depois de se apaixonar pela garçonete Debora (Lily James). Fundamentado neste aspecto do argumento, Wright deita e rola na utilização da música para orquestrar as cenas de ação e até mesmo as sequências em que o bando planeja um assalto. Desta forma, reside nesta sinfonia o principal diferencial da obra, pois, sincronizar os sons da ação que estão acontecendo no filme com notas, acordes, melodias ou batidas das canções, simultaneamente e diegeticamente, revela a paixão do diretor pela música, além da sétima arte.

Assim, o filme ganha contornos de uma verdadeira ode à cultura pop, já que o protagonista escuta de tudo no seu Ipod, presente que ganhou da sua mãe quando criança. Lembra um pouco Peter Quill (Guardiões da Galáxia) com o seu toca-fitas, já que ambos são viciados em música e guardam no seu tocador uma representatividade afetiva. Sim, introduzir melodias de maneira harmônica torna-se uma muleta para o longa, mas não devemos negar a diversão proporcionada ao público. Aqui, “Queen” surge em momentos catárticos e equaliza bem as cenas de perseguição de carro, assim como “Hocus Pocus” (Focus) preenche os nossos ouvidos no disparar frenético de armas de fogo. 

Igualmente interessante é notar o esmero na técnica do cineasta em utilizar as cores primárias nos momentos certos, como na sequência da lavanderia, onde observamos diversas máquinas ao fundo, por detrás dos protagonistas, reservando o primeiro plano para o casal apaixonado (Baby e Debora), sentimento este representado pelas cores, todas vibrantes e quentes, quase palpável: amarela, vermelha, verde e azul cada qual em uma máquina diferente. É fato que o diretor tem estilo e o coloca à disposição do filme. Porém, o mesmo não se pode dizer do roteiro. 

Vulnerável pela utilização das convenções do gênero (“esse será meu último golpe” é o que mais me irrita), “Baby Driver” peca pelo excesso de argumentos batidos já visto em uma dúzia de produções sobre assaltos planejados e executados por uma equipe caricata. Assim, Jamie Foxx (Batts) é desperdiçado por este motivo, sobrando mais tempo de tela para John Hamm (Buddy), que por sua vez também não aproveita a oportunidade para desenvolver melhor a canastrice de sua persona. Ainda sobre o elenco, o Baby de Ansel Elgort revela certa ingenuidade e malandragem, ao mesmo tempo, caindo como uma luva para o papel principal. Kevin Spacey continua entregando o que lhe é esperado: voz, olhar e intimidação digna de um boss vilanesco, despontando uma complexidade antimaniqueísta em seu desfecho. 

Referenciando diretamente à filmografia de Quentin Tarantino ao denominar os membros da quadrilha por codinomes, além da estrutura de montagem e diálogos aleatórios/ triviais aqui e acolá, Wrigth demonstra ter bom gosto nas alusões estético-técnicas, podendo ter caprichado mais no script. Mas, felizmente, o idealizador tem êxito ao nos fazer sentir na pele os sabores e dissabores do protagonista, mais precisamente na audição, como na cena em que Bats retira o fone do ouvido esquerdo de Baby e, ao mesmo tempo, o desenho de som desliga o canal de áudio do mesmo lado. Ou como naquela em que Baby, intimamente, curte o seu som mixado por conversas alheias gravadas às escondidas. Hilário! Realmente, o espectador experimenta o universo do anti-herói. 

Ao final, apesar dos pesares, ficam as sequências alucinantes de ação e perseguição de carros e, sobretudo, a montagem diegética que funde com precisão filme e música.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,5.


terça-feira, 27 de setembro de 2022

Dica Disney Plus - ROGUE ONE: UMA HISTÓRIA STAR WARS


Por Rafael Morais

Logo no início do episódio “IV – Uma Nova Esperança” descobrimos que a princesa Leia recebe os planos de uma potente arma, construída pelo Império, capaz de exterminar planetas inteiros. Mas como a planta dessa bomba foi parar no colo da líder da rebelião? Pronto, é aí que “Rogue One – Uma História Star Wars” entra em cena como um derivado da franquia contando a história do esquadrão de rebeldes que rouba os planos da “Estrela da Morte”, se encaixando, cronologicamente, entre os episódios III e IV. Disposto a ser um capítulo à parte, o filme tenta se desvencilhar da sequência desde a introdução. Portanto, esqueça aqueles letreiros com a fonte clássica, em amarelo negrito, subindo no estilo slide up ao som da trilha de John Williams.

Desta forma, neste prelúdio, somos apresentados a Galen Erso (Mads Mikkelsen), um notável cientista forçado a trabalhar para o Império no setor bélico, tendo a sua família dizimada por não querer contribuir com este poder sombrio que derrubara a República. Com exceção da sua filha Jyn Erso (Felicity Jones), que ainda criança foge para sobreviver, se transformando em uma rebelde nata.

Recheado de personagens, o roteiro guarda nos coadjuvantes Chirrut Îmwe (Donnie Yen), Baze Malbus (Wen Jiang) e no carismático droide K-2SO o seu trunfo, já que a protagonista Jyn, vivida por Jones, não consegue cativar o espectador (pelo menos a mim). Em momento algum sentimos a dor, ou somos convencidos da motivação da heroína, apesar de estar lá. Já Diego Luna traz uma tridimensionalidade ao seu Cassian Andor, aproveitando melhor as nuances de sua persona.

Com um segundo ato inchado, o filme se arrasta por diversos planetas, mas se fixa em Saw Guerrera (o oscarizável Forest Whitaker), um rebelde extremista, que nem mesmo a Aliança o reconhece, para traçar - com muito esforço e boa vontade do público que queira enxergar esse pano de fundo - um paralelo da guerra e suas motivações com o que vivemos hoje em dia. Afinal, os terroristas são sujeitos que não reconhecem um poder ditatorial/imperial e lutam pela sua liberdade? Ou findam paranoicos deturpando os valores e cometendo atos de extrema intolerância, muitas vezes visando assumir este poder?

A linha parece tênue e dialoga com a alarmante situação atualmente, sobretudo no Oriente Médio, refletindo na América e Europa através de sucessivos atentados. Contudo, o Império em Star Wars merece ser combatido por construir, comprovadamente, uma arma de destruição em massa colocando a vida de todos em risco, já que quem discordasse dos seus objetivos seria dizimado. Ok, mas essa não era uma das desculpas utilizadas pelos Estados Unidos como subterfúgio para invadir o Iraque em 2003?!

Entretanto, voltando ao filme, temos um script bem dosado na utilização de gag’s e dos elementos dramáticos, sem o surgimento de piadas deslocadas (e tem uma de humor ácido impagável) ou dramalhão desnecessário. A fita é sobre guerra e tem ciência disso. Comovente também em momentos pontuais, o instante em que associamos o apelido carinhoso que um pai dar à sua filha (Galen à Jyn), com o nome de uma arma catastrófica, principal vilã, é de uma sutileza ímpar.

Por sua vez, o diretor Gareth Edwards captou a essência de “Guerra nas Estrelas” ao reproduzir cenários reais, animatrônicos, harmonizando com a computação gráfica clean, ao passo que respeita a essência dos personagens, em detrimento do abuso de CGI’s (computação gráfica). Aqui não tem espaço para um “Jar Jar Binks” da vida.

A verdade é que salta aos olhos os “pecados” que George Lucas cometeu nos episódios I a III. Ao desconstruir alguns mitos concebidos na trilogia clássica, como o menino Vader na pele do meigo Jake Llloyd, Lucas parece não ter se encontrado com o próprio universo que construiu: teria sido uma crise de identidade ou o interesse de caça-níquel falou mais alto?

O fato é que “Rogue One” é um prato cheio não só para os fãs do universo estendido de “Star Wars”, como também para os que conhecem apenas o básico. A ação é filmada com excelência tanto no ar (Tie Fighter’s e Aliança travam duelos épicos no espaço), quanto em terra firme (os At-At’s nunca foram tão ameaçadores e verossimilhantes). Inclusive, a batalha na praia é uma das cenas mais legais de toda a saga!

Neste quesito, a fotografia de Graig Fraser conversa com os efeitos visuais, tornando o frame a frame lindo em cada quadro. E por mais que não vejamos jedis ou lutas de sabres, há uma atmosfera instaurada que grita “Star Wars”. Sentimos a presença de Obi Wan, apenas em uma rápida menção que nem sequer cita o seu nome – o serviço ao fã é a razão de existir deste spin-off - e a “Força”, como um mantra que motiva a trupe, está lá para quem quiser sentir.

Ao final, com um terceiro ato irretocável, este corajoso título resgata a essência da trilogia clássica, revigorada por uma sequência de suspense claustrofóbica com Darth Vader no centro da ação, contribuindo ainda mais para a mitologia de um dos maiores vilões da história do Cinema.                           

*Avaliação: 4,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 8,5.