Quando a família do patriarca Paul (Joel Edgerton) se vê acuada em sua própria casa, em meio a uma densa floresta, tentando sobreviver a uma misteriosa pandemia, temos a sinopse de “Ao Cair da Noite”: nova produção do estúdio A24, o mesmo criador do excelente “A Bruxa”.
Dirigido e roteirizado com maestria
por Trey Edward Shults, este
thriller psicológico está mais preocupado com a narrativa voltada para a tensão
entre os personagens do que propriamente com o grafismo das cenas, muito menos
com a apresentação de um “monstro” para satisfazer uma plateia sedenta.
Portanto, se você gosta de jump scares gratuitos (aqueles sustos que te fazem pular), aqui não é o seu lugar. Na verdade, ao invés destes pulos, o longa vai te deixar na ponta da cadeira tamanho o clima de inquietação que a película desenvolve, de maneira crescente, no decorrer da trama.
Desta forma, a obra também não é recomendável ao tipo de público que espera reviravoltas, explicações e resoluções para os conflitos propostos. Ponto negativo para o marketing do filme que tenta vender - através de trailers e material de campanha - um terror convencional, dado o aparente clichê de sua premissa, mas que em contrapartida acaba entregando um excepcional suspense.
Voltando à família enclausurada, além de Paul (um sujeito paranoico, metódico e extremamente protetor), temos o seu filho Travis (Kelvin Harrison Jr.), um jovem de 17 anos que está perdendo a melhor fase de sua vida enfurnado em um local que não pode sair; além de sua mãe Sarah (Carmen Ejogo), uma mulher que contrapõe com carinho o jeitão rústico do marido, mas que pode esconder uma frieza na tomada de decisões nos momentos mais delicados. Assim, está formado o cenário “ideal” para os acontecimentos que levarão ao clímax, sendo a chegada de uma nova família o estopim dos conflitos. Mostrando a dificuldade de convivência em grupo, cada um com o seu pensamento, modo e costume, Edward Shults deslancha a película na chegada de Will (Christopher Abbott), sua esposa Kim (Riley Keough) e Andrew (Griffin Robert Faulkner), o filhinho do casal.
Neste panorama, contando com um subvilão silencioso e invisível, os protagonistas, cercados de desesperança e desconfiança no próximo, terão que lidar com situações extremas para se manterem vivos. Estamos numa distopia pós-apocalíptica onde um vírus letal corrói o ser humano, sendo este o principal medo dos que ainda sobrevivem. Repare nos pesadelos de Travis que permeiam o filme. Todos dizem respeito aos seus principais temores, o que acaba causando uma incrível rima visual com o desfecho. Notável também a concepção dos ambientes fechados, escuros e sem vida, servindo para aumentar a sensação de claustrofobia. Não menos harmoniosas, as câmeras do jovem diretor sempre transitam lentamente dentro da casa, abusando dos close-ups para encarcerar ainda mais aquelas pessoas.
A fotografia de Drew Daniels, por sua vez, é carregada no dark, nas sombras e no breu completo, demonstrando não só o estado de espírito dos seres ali representados, como o ambiente sem vida e desolador em que vivem. Tenebroso! Perceba que em contraponto à escuridão que banha o lugar, surge uma destoante porta pintada em vermelho - o único meio de entrada e saída da residência - cor esta que denota urgência/perigo com o que pode estar por detrás ou a partir dela.
Habilidoso ao oferecer diversas leituras/interpretações, sem amarrar pontas soltas, este “Ao Cair da Noite” se revela como um eficiente estudo de narrativa se destacando de diversas produções com a mesma temática – e a maioria delas peca pela megalomania - dentro de um microcosmo, em pequena escala, sem grandes ambições. Ao final, saímos da sala de cinema com a sensação de angústia e desnorteamento ao constatar que da porta vermelha pra dentro (simbologia em forma de autoanálise) é que mora o real perigo, o inerente à natureza humana.
* Avaliação: 4,5 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 9,5.