Por Rafael Morais
21 de fevereiro de 2017
O homem conquistou o espaço, chegando até à Lua, com
a ajuda primordial de mulheres negras que trabalhavam na NASA. Isso num
contexto histórico de Guerra Fria entre Estados Unidos e Rússia pela corrida
espacial. Certamente você não sabia disso, muito menos este que vos escreve.
Até que depois de 51 anos, graças a este "Estrelas Além do Tempo"
essa história sai do anonimato e ganha vida nos cinemas.
Interessante perceber o momento em que vivemos,
coincidência ou não, para que essa trajetória extraordinária viesse à tona.
Estamos em tempos de empoderamento feminino, busca pelos direitos iguais, sendo
reforçado pela recorrente temática na sétima arte. Nunca antes a mulher ganhou
tanto destaque nos cinemas, em diversos papéis e gêneros da cultura pop. Desde "Star
Wars - O Despertar da Força", passando por "Jogos Vorazes" - no
que pese aquele polêmico final trivial dado à Katniss Everdeen - até aquela
personagem de Jurassic World fugindo de um Tiranossauro Rex sem descer do salto
alto, literalmente. E a cena do teste da cápsula/foguete dialoga com esta
última referência, mas com um desfecho bem diferente.
O fato é que a demora a se realizar uma produção com
um enredo tão incrível só reforça a ideia de preconceito e machismo na qual o
mundo está mergulhado, como se precisássemos chegar aonde chegamos (o que não é
grande coisa) para que seja lançado tal longa. Apesar de pouco cinemático, esse
é o tipo do filme que o mundo precisa. Mais pela mensagem do que por qualquer
outro aspecto. O tom didático, meio panfletário, está presente na película.
Entretanto, o que nos ganha mesmo é a interação dos
atores que compõem o núcleo principal, somado ao carisma do elenco feminino, o
trio de amigas. Katherine Johnson é uma superdotada, que desde criança vem
desenvolvendo o seu dom pela matemática nas melhores escolas. Porém, quando
cresce e vira mulher, mesmo trabalhando na NASA, sente na pele o preconceito
por ser negra e do gênero feminino, duplamente. À época, e não faz muito tempo,
os banheiros e repartições eram divididos pela cor da pele. As melhores
faculdades eram destinadas somente aos homens ou pessoas brancas. A segregação
racial imperava, embora a voz de Luther King soasse ao fundo. Porém, o trio de protagonistas: Katherine (Taraji P. Henson),
Dorothy (Octavia Spencer) e Mary (Monáe) é forte o suficiente para progredir.
Assim, é admirável perceber a evolução das personagens em cada ato. Enquanto a
primeira é escalada para verificar os cálculos da equipe de Al Harrison (Kevin
Costner), o comandante, a segunda se dedica a compreender o funcionamento dos
inovadores computadores da IBM, comprados pela agência, ao passo que a última
enfrenta a legislação segregadora com o sonho de estudar engenharia. A
confiança, a autoestima elevada e o talento dessas mulheres estampam as
melhores cenas do longa. Mesmo em situações adversas elas surgem centradas,
sempre de cabeça erguida, postura ereta pra vida, prontas para enfrentar
qualquer dificuldade, buscando constantemente tutelar os seus direitos perante
uma sociedade cruel.
Deste modo, o chefe Harrison é a figura essencial na
trama, uma vez que o arco das “estrelas” depende do consentimento hierárquico
deste. Além de trazer um toque sisudo, mas de coração compassivo, como as suas
personas costumam ser. E quem resiste ao talento? Não estamos falando de
qualquer mulher, não se trata de guerra de sexo, ou não deveria. Aqui o arco da
heroína se perfaz pelo puro talento e inteligência. E se tem um vilão nessa
história, podemos encontrar na pessoa de Paul Stafford (Jim Parsons,
o eterno Sheldon de “The Big Bang Theory”). O sujeito incomoda
do início a quase o fim, quando também tem resguardado o seu discreto arco
pessoal, encarnando o preconceito em pessoa.
Já no quesito técnico, as canções escolhidas são
espetaculares, pois, acima de tudo, auxiliam na linguagem narrativa proposta. O
que pode ser percebido na sequência em que Katherine corre pelos corredores da
NASA, carregando cálculos importantes debaixo do braço, ao som de uma música
empolgante, sendo bruscamente interrompida quando chega ao seu destino, ocasião
em que o diretor Theodore Melfi troca a evocativa canção pelo som seco da porta fechando na cara da heroína.
Desta forma, o título glamouroso “Estrelas Além do
Tempo” não traduz bem a obra, que acaba se assemelhando mais com o nome original
gringo “Hidden Figures” (figuras ocultas); de sorte que por meio da magia do
cinema, e toda a sua importância cultural-político-social, a história dessas
notáveis mulheres saiu do ostracismo para conquistar o mundo.
*avaliação:
4,0 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 9,0.