sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - A Qualquer Custo

Por Rafael Morais
24 de fevereiro de 2017

Faroeste contemporâneo, um dos indicados ao Oscar de melhor filme, retrata a empreitada criminosa de dois irmãos, Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster) que, pressionados pela dívida referente à hipoteca da fazenda da família, resolvem assaltar bancos para obter a quantia necessária ao pagamento. Ambientado no interior do Texas, EUA, o plano dos protagonistas consiste em roubar agências bancárias do próprio grupo que está cobrando a hipoteca. Mas o que eles não esperavam era a presença de um delegado veterano, casca grossa (Jeff Bridges), que está prestes a se aposentar.

Baseado nesta premissa, o diretor David Mackenzie estabelece o confronto de seus personagens num ambiente hostil, árido e solar, como um bom western deve ser. E a fotografia de Giles Nuttgens ressalta este aspecto. Porém, mais do que ação, o longa oferece uma leitura social para além dos tiros e perseguições. Aqui, os cavalos são trocados por pick-ups 4x4. Abordar sujeitos “engolidos pelo sistema” que os cerca, sejam eles heróis, anti-heróis ou vilões, traz humanidade ao enredo, além de descobrir um pano de fundo significante às motivações de cada um. Se os irmãos estão passando por um drama familiar, financeiro e social, o velho xerife Marcus já apresenta sinais de cansaço – aplauso para a bela atuação de Bridges baseada em fortes expressões corporais e dicção peculiar – e o seu parceiro, descendente de índios, constantemente demonstra revolta com a história de massacre vivida pelos seus antecedentes.

Não menos especial, a excepcional trilha sonora composta por Nick Cave e Warren Ellis traduz o cenário com acordes que remetem a uma espécie de country melancólico. O que não poderia ser diferente, já que a miséria estampada no filme apresenta o interior dos Estados Unidos bem diferente do glamour ao qual o público médio está acostumado, sendo facilmente percebido por casas abandonadas, bem como diversos outdoors que oferecem empréstimos fáceis espalhados por todos os lados.

Até o figurino dialoga com a proposta, já que os cowboys aqui passam longe de se vestirem com roupas limpas, cabelos penteados, ou alguma convenção do gênero. A desconstrução do ideal, do sonho americano, é sentido em cada frame. Neste sentido, a obra se comunica com a filmografia dos Irmãos Coen, sobretudo pelos diálogos afiados. Repare na cena em que Toby conversa com Marcus e a tensão é instalada lentamente, lembrando algumas sequências de “Onde Os Fracos Não Têm Vez” e “Bravura Indômita”, por exemplo.

Assim, “A Qualquer Custo” poderia cair no limbo das produções triviais/genéricas, se não fosse pela sutileza perceptiva de uma direção que sabe pôr em prática um script inteligente, oferecendo camadas a mais na interpretação da obra. Claro que isso tudo somado à entrega do ótimo elenco. E sim, vale a indicação à “carequinha dourada”!  

*avaliação: 5 pipocas + 5 rapaduras = nota 10,00.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - John Wick: Um Novo dia Para Matar

Por Rafael Morais
22 de fevereiro de 2017


Pegue um filme do James Bond e desconstrua-o. Some a isso pitadas das fitas de Bruce Lee, adicione uma porção do estilo Jason Bourne, tudo com um forte ranço de “The Raid”. Essa é a receita para a nova e promissora franquia de John Wick. Nesta continuação, conhecemos um pouco mais da história do anti-herói, interpretado com maestria por Keanu Reeves.

Na trama, Jonatahn Wick se vê preso ao passado, devido a um laço de sangue (que eles chamam de promissória) realizado com um poderoso mafioso da “Alta Cúpula”, Santino D'Antonio (Riccardo Scarmacio). Organização esta que é mais desenvolvida neste episódio e elevada a status de nêmesis, proporcional ao protagonista badass.

Assim, a direção de Chad Stahelski é segura e precisa. Não há excesso de efeitos visuais, diálogos expositivos ou câmeras com firulas. O cineasta sabe filmar a ação como poucos atualmente, captando não só a coreografia da pancadaria, como também a misancene. O espectador está sempre bem situado nas sequências de luta, sabendo quem apanhou, se a arma caiu, e até mesmo quantas balas faltam para acabar o cartucho. Exemplo melhor pode ser visto durante o visceral combate entre e Wick e Cassian (o rapper Common), um inimigo à altura. Definitivamente, os clichês de munição infinita não são bem-vindos aqui, o que dialoga com a nova geração de games de ação. Qual graça teria um “chefe de fase” se o nosso “herói” tivesse um arsenal interminável ao seu dispor? Neste sentido, o filme parece ter saído de alguma HQ ou jogo, tamanha a identidade visual e estrutura narrativa peculiar. A divisão de fases na qual a jornada de John Wick é estabelecida lembra muito um game, e dos bons, misto de “Max Payne, “Metal Gear Solid - Phantom Pain” e “Hitman”. 

A fotografia de Dan Laustsen, por sua vez, se harmoniza com a proposta da obra, entregando um deleite visual, paradoxal à brutalidade daquilo que estamos assistindo. Repare na utilização de neon, do colorido da cidade (inclusive homenageando o lendário Buster Keaton na apresentação) e na projeção à contraluz: tudo remete à bela foto de Roger Deakins em “007 - Skyfall”, ratificando a ótima referência cinematográfica dos envolvidos.

Mas se o filme funciona, Keanu Reeves tem a sua parcela no sucesso. O ator, já cinquentão, se entrega ao personagem com tamanha sinceridade, que sentimos a dor do sujeito, embora as expressões lhe faltem, crítica que o perseguiu por toda a sua carreira. Contudo, representando John Wick, assim como o Neo de “Matrix”, o cara convence e muito! Mesmo com um corpo franzino, poucos diálogos (referência ao cinema mudo) e olhar ameaçador que substitui o físico, é na técnica de luta e no manuseio de armas de fogo que o protagonista triunfa. Não que o cara seja menos mortífero de posse de uma faca desamolada ou um simples lápis sem ponta. As sequências de ação são espetaculares, muitas sem cortes aparentes, através de revezamento entre planos abertos e fechados, em que Reeves enfrenta uma horda de inimigos utilizando apenas uma pistola e o punho (arte marcial). E graças ao árduo treinamento do ator – vídeos de bastidores comprovam que ele mesmo coreografou e participou das tomadas - o longa consegue trazer verossimilhança às lutas.

Reservando momentos impagáveis, como o reencontro entre Laurence Fishburne e Keanu Reeves (Morpheus e Neo), a película sabe que está homenageando tantas outras do mesmo gênero e tem noção do tom de paródia que por vezes assume. Deste modo, como estamos lidando com o submundo, o alternativo, sociedades secretas, a liberdade com que gangues se enfrentam em qualquer lugar da cidade, seja no centro, pelos metrôs, nas ruas movimentadas ou em shoppings, sem que nenhum policial apareça, nos faz perdoar e aceitar a licença poética.

Ao final, em um desfecho empolgantemente desafiador, o filme se despede com uma deixa surpreendente para o próximo capítulo, o qual já espero ansioso.  

*avaliação: 5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,5.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - Estrelas Além do Tempo

Por Rafael Morais
21 de fevereiro de 2017

O homem conquistou o espaço, chegando até à Lua, com a ajuda primordial de mulheres negras que trabalhavam na NASA. Isso num contexto histórico de Guerra Fria entre Estados Unidos e Rússia pela corrida espacial. Certamente você não sabia disso, muito menos este que vos escreve. Até que depois de 51 anos, graças a este "Estrelas Além do Tempo" essa história sai do anonimato e ganha vida nos cinemas.

Interessante perceber o momento em que vivemos, coincidência ou não, para que essa trajetória extraordinária viesse à tona. Estamos em tempos de empoderamento feminino, busca pelos direitos iguais, sendo reforçado pela recorrente temática na sétima arte. Nunca antes a mulher ganhou tanto destaque nos cinemas, em diversos papéis e gêneros da cultura pop. Desde "Star Wars - O Despertar da Força", passando por "Jogos Vorazes" - no que pese aquele polêmico final trivial dado à Katniss Everdeen - até aquela personagem de Jurassic World fugindo de um Tiranossauro Rex sem descer do salto alto, literalmente. E a cena do teste da cápsula/foguete dialoga com esta última referência, mas com um desfecho bem diferente.

O fato é que a demora a se realizar uma produção com um enredo tão incrível só reforça a ideia de preconceito e machismo na qual o mundo está mergulhado, como se precisássemos chegar aonde chegamos (o que não é grande coisa) para que seja lançado tal longa. Apesar de pouco cinemático, esse é o tipo do filme que o mundo precisa. Mais pela mensagem do que por qualquer outro aspecto. O tom didático, meio panfletário, está presente na película.

Entretanto, o que nos ganha mesmo é a interação dos atores que compõem o núcleo principal, somado ao carisma do elenco feminino, o trio de amigas. Katherine Johnson é uma superdotada, que desde criança vem desenvolvendo o seu dom pela matemática nas melhores escolas. Porém, quando cresce e vira mulher, mesmo trabalhando na NASA, sente na pele o preconceito por ser negra e do gênero feminino, duplamente. À época, e não faz muito tempo, os banheiros e repartições eram divididos pela cor da pele. As melhores faculdades eram destinadas somente aos homens ou pessoas brancas. A segregação racial imperava, embora a voz de Luther King soasse ao fundo. Porém, o trio de protagonistas: Katherine (Taraji P. Henson), Dorothy (Octavia Spencer) e Mary (Monáe) é forte o suficiente para progredir. 

Assim, é admirável perceber a evolução das personagens em cada ato. Enquanto a primeira é escalada para verificar os cálculos da equipe de Al Harrison (Kevin Costner), o comandante, a segunda se dedica a compreender o funcionamento dos inovadores computadores da IBM, comprados pela agência, ao passo que a última enfrenta a legislação segregadora com o sonho de estudar engenharia. A confiança, a autoestima elevada e o talento dessas mulheres estampam as melhores cenas do longa. Mesmo em situações adversas elas surgem centradas, sempre de cabeça erguida, postura ereta pra vida, prontas para enfrentar qualquer dificuldade, buscando constantemente tutelar os seus direitos perante uma sociedade cruel.

Deste modo, o chefe Harrison é a figura essencial na trama, uma vez que o arco das “estrelas” depende do consentimento hierárquico deste. Além de trazer um toque sisudo, mas de coração compassivo, como as suas personas costumam ser. E quem resiste ao talento? Não estamos falando de qualquer mulher, não se trata de guerra de sexo, ou não deveria. Aqui o arco da heroína se perfaz pelo puro talento e inteligência. E se tem um vilão nessa história, podemos encontrar na pessoa de Paul Stafford (Jim Parsons, o eterno Sheldon de “The Big Bang Theory”). O sujeito incomoda do início a quase o fim, quando também tem resguardado o seu discreto arco pessoal, encarnando o preconceito em pessoa.

Já no quesito técnico, as canções escolhidas são espetaculares, pois, acima de tudo, auxiliam na linguagem narrativa proposta. O que pode ser percebido na sequência em que Katherine corre pelos corredores da NASA, carregando cálculos importantes debaixo do braço, ao som de uma música empolgante, sendo bruscamente interrompida quando chega ao seu destino, ocasião em que o diretor Theodore Melfi troca a evocativa canção pelo som seco da porta fechando na cara da heroína.

Desta forma, o título glamouroso “Estrelas Além do Tempo” não traduz bem a obra, que acaba se assemelhando mais com o nome original gringo “Hidden Figures” (figuras ocultas); de sorte que por meio da magia do cinema, e toda a sua importância cultural-político-social, a história dessas notáveis mulheres saiu do ostracismo para conquistar o mundo.   

*avaliação: 4,0 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 9,0.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - Manchester à Beira-Mar

Por Rafael Morais
20 de fevereiro de 2017

Dono de uma montagem que dialoga com a proposta do filme, "Manchester à Beira-Mar" representa um complexo estudo de seus personagens, todos mergulhados em seus próprios conflitos e como cada um lida com eles. Assim, o roteiro aborda a fragilidade do protagonista Lee Chandler (Casey Affleck), com tamanha humanidade, diante da perda, quase como algo inerente à vida daquele sujeito tão amargo.

Aliás, a composição de Lee pelo ator carrega nas expressões corporais, nos ombros arqueados, no modo calmo de falar, e ao mesmo tempo explosivo em suas atitudes, deixando uma controvérsia na cabeça do espectador: afinal qual o problema desse cara? Mistério esse que só será exposto lá pelo final do segundo ato, justamente através da montagem não linear, que vez ou outra interrompe o fluxo da história para nos apresentar um vislumbre do sombrio passado do solitário Lee, do qual Randi Chandler (Michele Williams), sua ex-esposa, também faz parte. Neste quesito, a direção de arte adiciona camadas através da ambientação dos cenários, da utilização de figurinos alternados, sobretudo na escolha da paleta de cores, bem como nos momentos de rara leveza capazes de diferenciar o passado do presente, tudo com bastante sutileza.

A sinopse dá conta de um homem pacato, zelador de condomínio, que se vê obrigado a retornar à sua cidade natal após o falecimento de seu irmão mais velho, que por sua vez deixara um filho adolescente, Patrick (Lucas Hedges). E é nesta relação de tio e sobrinho que o diretor Kenneth Lonergan ancora o seu filme. Diversas metáforas surgem em cena para mostrar como Patrick enxerga o mundo diante de situações extremas, revelando uma maturidade precoce, ao passo que Lee não consegue reagir diante da apatia que lhe abate. Depressivo, e com os seus motivos, Lee se vê preso ao passado sem conseguir sair dele, num looping eterno de angústia. Tocante em sequências cruciais, o longa não cansa de mostrar um protagonista que não se permite conhecer o novo, que tem o “não” como mantra, sendo a negativa uma resposta certa para aqueles que tentam lhe tirar do marasmo.

Frio, denso e até certo ponto perturbador, esse “Manchester à Beira-Mar” triunfa na humanidade de seus personagens, desconstruindo os clichês do drama, da superação forçada, deixando a catarse para ocasiões minimalistas/ introspectivas.

*avaliação: 3,5 pipocas + 5 rapaduras = nota 8,5.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - Até o Último Homem

Por Rafael Morais
15 de fevereiro de 2017

Imagine um homem se alistar no exército americano, em plena segunda guerra mundial, com o intuito puro e simples de salvar o seu próximo. Em “Até o Último Homem” acompanhamos a trajetória, baseada em fatos, de Desmond Doss (na pele de Andrew Garfield), um religioso adventista que decide servir à sua pátria como médico no front de batalha, mas deixando clara a sua intenção de não tocar em uma arma sequer. Considerado como um dos maiores heróis de guerra dos Estados Unidos, Doss salvou mais de 75 soldados durante os sangrentos confrontos ocorridos em Okinawa. 

Com Mel Gibson na direção (indicado ao Oscar por este trabalho), identifica-se o DNA do cineasta – obcecado por cenas gores, ultraviolência e temas sagrados – apenas na segunda metade da projeção. Isto porque o filme tem ao todo 139 minutos, mas resguarda os 69 primeiros na construção do protagonista, e tudo que lhe cerca; enquanto que nos 70 minutos restantes é reservado para mostrar o combate em si. Apesar de importante a apresentação dos ideais do herói pacifista que se alista para lutar, nos oferecendo razões plausíveis para entender a sua motivação, bem como a sua relação com a família, os dois primeiros atos se arrastam demasiadamente para chegar naquilo que o público espera de Gibson. Mas o cineasta entrega, como sempre entregou, e supera as expectativas. É admirável notar a visceralidade do diretor em rodar cenas de violência extrema com a mesma precisão com que confere leveza e calmaria em outras. E essa divisão no tom da história só reforça o talento do idealizador. Perceba, por exemplo, nas diversas sequências onde cabeças são estouradas e entranhas vazam de corpos, sem cerimônia, a crueza na condução de Gibson. 

Por outro lado, vemos a sua sensibilidade em enquadrar Doss como um sujeito grandioso, abençoado, diferenciado naquela guerra. E os planos em contra-plongée reforçam essa ideia (ângulo de baixo pra cima). Assim, o momento em que o soldado faz uma oração para o grupo, segurando sua pequena e inseparável bíblia, antes de mais um enfrentamento retrata bem essa estética. Sem contar na elevação do protagonista, em dado instante apoteótico. As leituras bíblicas estão lá para quem quiser enxergar, como na passagem em que Doss “cura a cegueira” de um colega. 

No que diz respeito à escolha do elenco, Vince Vaughn não convence como sargento, emulando (ou seria homenageando?) aquele comandante hostil clássico visto em “Nascido Para Matar”, concebido por R. Lee Ermey, o que não é uma má referência. Não menos alusivo, “O Resgate do Soldado Ryan” também é sentido aqui. “Até o Último Homem” bebe na fonte de Spielberg ao inserir o espectador dentro do battlefield, entrincheirados como os combatentes. Já a decisão de trazer Garfield para o papel principal foi certeira! O ator convence pelo olhar compassivo, pela voz baixa, tranquila e insegura, contrapondo com as suas corajosas atitudes no front. 

Fugindo de clichês de filmes do gênero, Gibson usa aqui e ali uma trilha sonora mais clássica, heroica, deixando por conta dos gritos de dor, tiros e explosões a composição diegética dos sons. O fato é que a biografia desse soldado é tão inverossímil que o roteiro de Robert Schenkkan e Andrew Knight tiveram que cortar algumas partes que aconteceram na vida real por serem extravagantes para a ficção. Nesse contexto, quando ao final do longa surgem os verdadeiros heróis contando e ratificando tudo o que foi visto, constatamos que realmente a arte imitou a vida. 


*Avaliação: 4,0 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 9,0.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - LEGO Batman: O Filme

Por Rafael Morais
Em 13 de fevereiro de 2017

Desconstruir a mitologia sem desrespeitar, conservando a essência, através de um humor afiado e constante: essas são apenas algumas das características da curtíssima, até então, filmografia da LEGO nos cinemas. Claro que o fan service também se encaixa como marca registrada, uma vez que os idealizadores adentram o universo do protagonista explorando a sua personalidade.

E a jornada da vez é a do Batman. O Cavaleiro de Gotham, que já havia roubado a cena na participação em "Uma Aventura LEGO", ganha seu próprio arco no mundo das pecinhas de encaixar, tudo ao seu modo peculiar: atmosfera colorida, diálogos ácidos, recheados de duplo sentido, que agradam tanto o público infantil  quanto o adulto, sem distinção. Se por um lado o humor negro dialoga com a audiência mais velha, o exagero na ação desenfreada e o tom por vezes ingênuo de alguns personagens flertam com a criançada.

Referências às diversas fases vividas pelo morcegão na cultura pop, seja TV ou cinema, cronologicamente, pipocam na tela, indo desde Adam West a Zack Snyder, passando por Joel Schumacher e Christopher Nolan. Nada é descartado aqui!

A trama gira em torno da solidão de Bruce Wayne. O herói bilionário - e propositalmente caricaturado aqui como um narcisista completo - tem tudo, mas não tem com quem dividir. Neste contexto, a falta de uma família atordoa o “Homem-Morcego”, o que faz surgir a possibilidade da adoção de um órfão, trazendo situações absurdamente engraçadas e ao mesmo tempo emocionantes. Tudo explora a personalidade egocêntrica do “Defensor de Gotham”, em detrimento do altruísmo que impera nesse gênero, fazendo com que o roteiro deixe sua mensagem, como uma espécie de moral da história, ao final. E o arco do herói se encaixa como uma luva no script.

Divertido desde a abertura até o último frame, “LEGO Batman” aproveita o sucesso de “Deadpool” e investe numa narração em off de seu herói, hilária, por sinal. Porém, tal artifício se restringe apenas à introdução, para depois ser abandonado, inexplicavelmente, durante todo o resto do longa, retornando apenas no finalzinho. Assim, ao não saber como contar a história, a linguagem escolhida se tornou confusa e dificultou a montagem da animação. Contudo, esse é o menor dos problemas, pois a película cumpre o seu papel e diverte muito! Gag's visuais surgem harmonizadas com a proposta do diretor Chris McKay. Músicas em forma de paródia preenchem os três atos, conferindo energia e identidade ao filme. Aparições de figuras icônicas do cinema tendem a agradar os cinéfilos, ao passo que as apresenta à nova geração.

Deste modo, nos resta a sensação de que a DC/Warner, responsável pelos filmes em live action, deve aprender a lição e se levar menos a sério, afinal de contas o sombrio e realista nem sempre cai bem em mascarados vestidos de colan que enfrentam vilões armados de armas à base de ketchup e maionese.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,5.



quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

NOS CINEMAS - Resident Evil 6: O Capítulo Final

Por Rafael Morais
01 de fevereiro de 2017

Com o lançamento do jogo “Resident Evil VII”, apesar de ainda não tê-lo jogado, sabe-se que houve uma guinada na saga, sobretudo quanto à perspectiva intimista, retomando o suspense do primeiro, e clássico, jogo. No que pese a polêmica decisão pela visão em primeira pessoa, sob a ótica do protagonista. Algo menos pretensioso e mais claustrofóbico vem se incorporando, com acerto, a este universo sombrio. Pois é exatamente assim que imagino uma repaginada para essa desgastada franquia cinematográfica. Que tal reduzir a emergência para algo menor, de escala diminuta, mesmo que o vírus tenha proporções globais? Que tal apostar mais no suspense do que na ação desvairada? Tudo aqui é grandiloquente e pretensioso, na pior acepção da palavra. Contudo, Paul W.S. Anderson não tem culpa se lhe confiaram toda a criação da mitologia nos cinemas. O cara dirige, roteiriza e até coloca a sua esposa (Milla Jovovich) pra atuar nos filmes. 

Assim, é notório o potencial que está sendo desperdiçado ao longo desses seis filmes. Falta identidade, energia, inovação, roteiro inteligente... Enfim, falta outra visão de Resident Evil! E isso, W.S. Anderson não pode oferecer por limitação artístico-criativa. É fato que o cineasta sabe filmar a ação, e até empolga neste episódio em algumas cenas pontuais, como naquelas em que Alice surge enfrentando monstrengos assombrosos: a Vespa durante uma alucinante perseguição de carro; e o confronto com um zumbi carregado de dentes enormemente afiados, parecido com o Baraka do “Mortal Kombat”. Sim, é fácil perceber a tosquice da obra em comento. 

Desta vez, o fio de história narra a infindável trajetória de Alice (mas esse não era o capítulo derradeiro? Torcemos que sim!), sobrevivente do massacre zumbi, retornando para onde tudo começou, Raccoon City. É lá que a Umbrella Corporation reúne suas forças para um ataque final contra os remanescentes do apocalipse. Para vencer esta batalha, vendida como final (mérito para a ótima campanha de divulgação), e tentar salvar a raça humana, a heroína recruta velhos e novos amigos. Pois é, caros leitores, nem mesmo diante desta modesta sinopse sobrescrita, o filme consegue se sustentar ou entregar o prometido. O desenvolvimento dos personagens é sofrível ao ponto de não se preocupar nem sequer com aqueles que já acompanhamos ao longo de quinze anos – o primeiro filme foi lançado em 2002 – muito menos com os que conhecemos neste longa. Não existe a mínima conexão com o público, de tal forma que não conseguimos, nem ao menos, decorar o nome de qualquer personagem antes que ele sofra uma morte brusca. As características marcantes de cada persona, então, nem pensar! Tudo é demasiadamente descartável e não oferece o mínimo de profundidade. 

Os diálogos são risíveis e se apegam aos absurdos para tentar convencer o público da seriedade da situação, ao ponto de uma personagem, durante certa sequência do filme, intimidar o vilão (sócio da Umbrella) com a seguinte frase, ou algo do tipo: “você não pode mandar e desmandar, pois eu tenho 50% desta empresa também!”. Não acredito que alguém está pleiteando direitos civis/societários, levantando questões éticas, debatendo a moral e a boa conduta de uma figura vilanesca, no mais puro clichê, ainda mais sob o contexto de uma sociedade imersa no caos, onde restam apenas 4.000 (quatro mil) seres humanos vivos! É sério isso?! 

Entretanto, nem só de desgraça vive a película. O retorno do gore, perdido durante a franquia, é sempre bem-vindo. As ameaças em forma de puzzles lembram os videogames do gênero e remetem ao primeiro filme já citado, o melhor de todos (o que não representa muita coisa rsrsrs), diga-se de passagem.  Muito embora a maior parte do filme se passe na escuridão - a noite toma quase todos os atos - as imagens mais marcantes ficam por conta de cenas diurnas, ou menos escuras, desprezando o que poderia ter de melhor num filme de horror. Escuro não é a mesma coisa que sombrio. 

Desta maneira, como fã dos games, fica a dica para quem for pôr a mão em um provável reboot: olhem para o renascimento da saga nos arcades, pois eles têm muito a oferecer quando não se sabe qual o caminho seguir.  

*Avaliação: 3,0 pipocas + 1,0 rapadura = nota 4,0.