A retomada de um estilo literário adaptado aos palcos.
Rafael Morais
01 de novembro de 2011.
Quando Ariano Suassuna escreveu O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, consolidou um estilo ímpar, baseado nas coisas do sertão: linguajar, trejeitos e raízes. A valorização de personagens nordestinos e simplórios, ao mesmo tempo, perspicaz e geniais, no ritmo dos textos rimados e bem humorados, dão o tom das obras de Suassuna. A cultura popular nordestina é valorizada, como merece ser, pelo grande autor, tanto que os protagonistas sempre são homens desacreditados e desafortunados (lembre de João Grilo em O Auto e Joaquim Simão aqui), mas ricos de "esperteza" e inteligência, que mesmo diante das agruras do sertão descobrem o sabor da vida.
O famoso "Movimento Armorial", o qual Suassuna fundou, que consiste na criação de uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do nosso Nordeste, está muito bem representado nessa adaptação teatral premiada e aplaudida pela crítica.
Farsa da boa preguiça, dirigida por João das Neves, acompanha a história de Joaquim Simão (Guilherme Piva), poeta de cordel, pobre e preguiçoso, que só pensa em dormir. O poeta é casado com Nevinha (Daniela Fontan), mulher de família, dedicada ao marido e aos filhos. Acontece que o casal mais abastado da região, Aderaldo Catacão (Jackson Costa) e Clarabela (Ana Paula Secco), possuem um relacionamento de "fachada", onde não há respeito, amor e fidelidade. Enquanto que Aderaldo é "arriado os quatro pneus" por Nevinha, Clarabela tenta, a todo custo, conquistar Joaquim Simão. Está armado o palco para os "causos" mais mirabolantes, tudo sob a vigila de dois santos protetores e a tentação de três demônios obstinados. E Jesus? Estava a observar e cuidar de tudo.
Vale lembrar, que o espetáculo recebeu várias indicações a prêmios, ganhando o Prêmio Shell de Melhor Figurino e o Prêmio Contigo de Melhor Musical. E isso não foi à toa. A riqueza do figurino salta aos olhos; todas as vestimentas lembram um sertão rico em cultura e cores, como as roupas de Simão e Nevinha, que mesmo pobres, ainda sim, são feitas de retalhos, artesanalmente.
Espetáculo intuitivo desde o início, não mastiga o roteiro ao público, já que se utiliza de instrumentos musicais (violão, bumba, triângulo) e diálogos rimados para contar a história. O momento em que Simão troca os seus objetos por outros, através do vaivém dos chapéus, é de uma simplicidade genial. Sem contar com a utilização de mamulengos/fantoches, agregando mais personagens secundários e valorizando, sobremaneira, o trabalho do talentoso elenco.
Com duas horas de duração o espetáculo prende a atenção do público, por aproximar-nos dos personagens e identificar, durante os atos, os resquícios de sua principal obra, O Auto da Compadecida. As comparações são inevitáveis. Das crenças populares ao enaltecimento dos santos. O sertão, visto por Suassuna, é o retrato de como realmente ele é.
A peça esteve no Teatro do Shopping Via Sul de 28 a 30 de outubro, à preços populares.O estado do Ceará, cada vez mais, parece estar na rota dos grandes espetáculos teatrais. Que venham mais. O povo merece e precisa.