quinta-feira, 29 de maio de 2025

FILMES DA VIDA - A Chegada

 

Por Isa Barretto

'A Chegada', do diretor Denis Villeneuve, é daqueles filmes que se transformam conforme a gente assiste — e, principalmente, depois que termina. Não é só sobre alienígenas. É sobre a forma como percebemos o tempo, sobre as escolhas que fazemos mesmo quando já sabemos o que elas vão nos custar, e sobre o poder — e o limite — da linguagem como ferramenta para conexão.

A história gira em torno da Dra. Louise Banks (Amy Adams, num dos trabalhos mais delicados da carreira), uma linguista convocada pelo governo para decifrar a linguagem de seres que chegaram à Terra. Ao lado do físico Ian Donnelly (Jeremy Renner), ela mergulha num processo que parece técnico, mas logo se revela existencial.

Desde o início, o filme dá sinais — mas a gente não percebe. As imagens da filha de Louise, os momentos de dor, de ternura, parecem flashbacks. Mas a grande virada narrativa vem quando entendemos que não são lembranças… são vislumbres do futuro. A linguagem dos alienígenas, circular e não-linear, reestrutura a forma como Louise percebe o tempo. E nós, espectadores, vamos sendo guiados por essa transformação até sermos atingidos por ela também.

O mais impactante é a escolha que se impõe. Louise vê o futuro. Ela sabe o que vai acontecer. Sabe da perda, da dor, da finitude. E ainda assim, escolhe viver tudo aquilo. Escolhe amar, mesmo sabendo do fim. Essa é a grande beleza do filme. Ele nos pergunta, de maneira sutil, mas cortante: se você soubesse de antemão que sua história teria dor, ainda assim escolheria vivê-la?

Villeneuve não grita. Ele vai sussurrando. Vai construindo essa revelação aos poucos, com um roteiro primoroso escrito por Eric Heisserer (baseado no conto "Story of Your Life", de Ted Chiang), e uma montagem que brinca com nossa percepção do tempo, costurando passado, presente e futuro como se fossem partes de um mesmo fio — porque são.

O filme foi indicado a oito Oscars e venceu na categoria de Melhor Edição de Som, o que faz todo sentido: o som, aqui, é parte da linguagem. É a primeira impressão que temos dos alienígenas. É com ele que sentimos a tensão, o estranhamento, a curiosidade. O som não está ali só pra criar clima — ele comunica, mesmo quando não entendemos nada. Assim como acontece com os encontros da vida.                                                                                  No fim, 'A Chegada' não é sobre salvar o mundo. É sobre aceitar que o tempo, mesmo quando cruel, pode ser belo. É sobre entender que as escolhas que fazemos hoje — mesmo sem saber — nos empurram em direção ao nosso destino. E, quem sabe, não seja preciso ver o futuro para aprender a escolher com mais coragem no presente.

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