sexta-feira, 8 de julho de 2022

Nos Cinemas - ELVIS


Por Rafael Morais

Da ascensão ao estrelato da lenda do rock Elvis Presley (Austin Butler), a obra retrata o relacionamento complicado do astro com o seu enigmático empresário, Tom Parker (Tom Hanks); figura esta que, surpreendentemente, narrará todo o filme sob a sua perspectiva. E por mais que o empresário se esforce, no início, para afirmar que não é o vilão dessa cinebiografia, todo o desenrolar dos seus atos mostrarão o contrário.

E para apresentar essa história ao grande público, confesso que fiquei desapontado com a montagem escolhida; a edição se torna por vezes confusa tamanho o vaivém dos acontecimentos, sejam eles saltos no futuro (Flashforwards) ou no passado (Flashbacks).

Estranhamente, não há cerimônia aqui em arremessar o espectador em qualquer linha temporal, abruptamente, para só depois tentar situá-lo. É como se o montador não soubesse diferenciar o dinâmico do apressado. Mas essa crítica não vale para as apresentações nos palcos, uma vez que aí sim a montagem sabe cortar, pausar, ir pra frente e pra trás dando o ritmo sonoro à imagem. O problema, curiosamente, é na narrativa dos atos e acontecimentos, com exceção dos números musicais, repito.

Pronto, esse foi o único problema gritante que merece ser pontuado. Vamos para os pontos positivos, que não são poucos.

Tecnicamente, a película guarda em um dos seus triunfos uma mixagem e edição de som irretocáveis. Perceba a captação de todos os sons ambientes, sobretudo quando as canções são reproduzidas. Até as reações sonoras da plateia (estridentes e exageradas, como realmente eram) são absorvidas com precisão. Sem esquecer a caprichada maquiagem, cabelo e figurino. Não consigo perceber muito bem esses aspectos, geralmente, mas aqui é impossível não reparar. O filme ganha contornos épicos justamente nos detalhes. Aplausos também para o esmero da direção de arte: fantástica na ambientação e recriação.

Neste contexto, a relação do fanatismo e a criação de um mito na figura de Elvis Presley passa a ser objeto de estudo do diretor Baz Luhrmann. Observe que, lá para as tantas, com Elvis já aclamado pela crítica e, sobretudo pelo público, a câmera o enquadra durante um show, quando ele desce para cumprimentar calorosamente de perto as suas fãs, olhando a sua amada Priscila Presley de cima pra baixo, que já não o reconhece mais àquela altura. Acuada na ponta do sofá, a esposa sabia que a partir dali ela perderia o homem para o mito.

Ainda neste estudo de personagem, desde o primeiro ato somos apresentados às referências musicais a partir da infância de Elvis. Não menos espetacular, a expressão do cenário fonográfico do estilo musical e cultural Black e Gospel, da época, é bem representado e mostra como influenciou o artista. Os cultos religiosos e a descoberta da música, entrelaçados, dão uma conotação mística a Elvis, mas que logo ele mesmo vai desmistificar quando diz que o seu legado é cantar, alegrar e motivar as pessoas através do canto.

Assim, um dos méritos desse longa é reconhecer o poder da atemporalidade do protagonista e não ter medo de apostar nisso. Perceba o anacronismo de inserir Eminem na trilha sonora. Isso revela como a cultura pop, de maneira geral, ainda reverencia o cantor e só reforça aquela famosa frase: "Elvis não morreu!"

Dono de um terceiro ato arrebatador, o filme convida o público a sentir a exaustão, quase como um exercício de empatia ou de testemunha, no mínimo, quando nos encarcera junto ao herói nos seus últimos meses de vida preso em um contrato com um grande Hotel de Las Vegas, o qual lhe sugava a alma, o tempo e a saúde. É angustiante e exaustivo acompanhar um artista enclausurado, e talvez isso justifique a duração de 2h e 49m, acentuando a sensação de esgotamento físico e mental. E aqui não utilizo a palavra herói como um sinônimo de protagonista, mas sim porque o próprio assim se reconhecia; o seu poder: cantar e encantar.

E mesmo diante da ambição e da ganância de quem os cercava, incluindo familiares, Elvis Presley sabia que era a "galinha de ouro" de muitos que dependiam dele. Talvez por isso, jamais deixou de ser profissional em seus derradeiros momentos. Até porque precisava do show business, do money, para manter o seu alto padrão de vida, bem como porque amava estar nos palcos. O público ia ao delírio e isso alimentava o ego e o espírito do artista. Performático ao extremo, o cara simplesmente deixava tudo de si em cada apresentação. O suor corria em profusão de seu rosto corroborando com a metáfora do "dinheiro suado".

E para interpretar essa figura icônica, o ator Austin Butler simplesmente encarna o personagem. Não é uma simples emulação. Impressionante a força e a emoção de sua atuação, principalmente do meio do segundo ato até o final. O drama pede passagem ao glamour fazendo com que o jovem ator entre de cabeça na imersão, ao ponto de nos fazer duvidar, em algumas cenas, se o que estávamos assistindo era um recorte de vídeos verdadeiros de Presley ou era Butler atuando. Simplesmente não dá para distinguir.

Por fim, "Elvis", de Baz Luhrmann, é a sinergia perfeita entre um cineasta que entende o legado de um ícone e a performance poderosa de Austin Butler.

* Avaliação: 4,5 Pipocas + 4,5 Rapaduras = 9.0.

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