quarta-feira, 11 de julho de 2012

RAPADURA DE OURO - Janela Indiscreta

O que seria um espectador ao assistir um filme, senão um "voyeur" da visão do diretor?
Rafael Morais
11 de julho de 2012.  

A história de Janela Indiscreta gira em torno de um jornalista chamado Jeff, interpretado por James Stewart, que está em sua casa, de licença do trabalho, depois de quebrar a perna arriscando-se na produção de uma matéria. Como está completamente ocioso durante o dia, ele passa a espiar o cotidiano de seus vizinhos, até que desconfia que um deles tenha matado a própria esposa e tenta provar isso para sua mulher, sua secretária doméstica e um amigo detetive. E é nesse simples, mas intrigante argumento, que o mestre Alfred Hitchcock "pinta e borda". A facilidade do cineasta em pegar situações e cenários simplórios e transformá-los em algo denso, tenso e intimista é algo fantástico, todavia, essa virtude já havia sido realizada e apresentada em Psicose, Um Corpo que Cai e Festim Diabólico

E em Janela Indiscreta não foi diferente. A produção caprichou e deixou tudo com o jeito Hitchcock  de fazer cinema. Só para se ter uma ideia, foi construído um enorme cenário nos estúdios da Paramount, contendo 31 janelas para o filme ser ambientado. Assim, o estúdio foi projetado exclusivamente para o filme. Estamos presenciando o velho modo de se fazer cinema, com a mão na massa, literalmente, fazendo acontecer. Bem diferente dos tempos contemporâneos, onde os computadores e CGI's dão vida aos personagens e objetos, através de "oxigênio artificial" e "cimento virtual".

Sem esquecer a questão técnica do longa, não podemos deixar de falar sobre o seu som. Entenda que seria praticamente impossível ter um som de qualidade caso o filme tivesse sido realmente rodado em um quarteirão, mas como estamos falando do gênio Hitchcock, que tem como característica o perfeccionismo, o cara resolveu dar uma atenção a mais nesse quesito. Para manter a verossimilhança sonora, captou todos os sons externos ao quarto da janela de Jeff, ou seja, com a distância real entre a janela do protagonista e o espaço onde a ação externa realmente acontecia. Ou seja, quando ouvimos o som do piano, estamos ouvindo-o com a distância real que ele realmente estava do quarto. Lógico que hoje em dia tudo isso seria desnecessário, pois a mixagem do som poderia dar esse tom de distância que Hitch queria, mas, de novo, nada como o velho e genial modo de se fazer cinema e ter a certeza de que funcionaria. 

Voltando à trama, o filme tem seu suspense abordado de maneira crescente, pois aos poucos somos apresentados, simultaneamente com o protagonista, aos fatos e aos acontecimentos, nos colocando na mesma perspectiva do personagem, descobrindo tudo com ele. Assim, com o passar da história, não só quem rodeia Jeff - sua namorada e secretária não acreditavam nele - mas nós, como voyeur's daquela aparente paranoia, passamos a bisbilhotar a vida dos vizinhos, sem querer perder nenhum lance sequer, seja a entrada, a saída ou as conversas dos confinantes. No final, já nos vemos em meio a situações que nos deixarão apreensivos e envolvidos completamente na trama, graças ao roteiro firme e bem estruturado.

Igualmente irretocáveis são as atuações de James Stewart e Grace Kelly, contribuindo sobremaneira para o clima proposto. Até mesmo o diretor faz sua aparição habitual, e discreta, ao consertar um relógio em um dos apartamentos. A fotografia, que começa com tomadas calmas e distantes, além de bastante solar, também evolui para um ponto dramático, com planos fechados e tons mais tenebrosos e sombrios, ou seja, tudo está em uma perfeita sincronia para a obra-prima final.

Sem mais delongas, e sem querer entregar spoiler's para aqueles que ainda não viram essa obra, Janela Indiscreta é um clássico do cinema, uma aula de Hitchcock e uma prova de como somos voyeur's do cinema, pois estamos nas mãos do diretor e dentro de sua visão daquela história, como intrusos que querem observar, absorver e dá pitaco em tudo. Enfim, trata-se de um filme atemporal, já que viver a vida dos outros e deixar de viver a sua, é só o que acontece hoje em dia.  

    

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