quinta-feira, 29 de setembro de 2011

E A RAPADURA DE OURO DA SEMANA VAI PARA ...


A vida é mais fácil para quem não tem nada a perder.
Rafael Morais
28 de setembro de 2011.

A França, por ser um país cosmopolita, abraça todas as etnias e culturas, e isso é bem retratado em seus filmes e literaturas. Liberté, Égalité, Fraternité. Em O Profeta, percebemos a importância dessas três máximas, pois um sujeito sem liberdade, dificilmente será visto com igualdade, e assim, a tal fraternidade andará a léguas da sua realidade. 

Não foi à toa que o filme ganhou várias premiações festivais afora, entre eles o Grande Prêmio do júri em Cannes em quase todas as categorias. A obra aborda com seriedade um tema de grande valia para a sociedade: o sistema prisional. Uma análise desesperadora acerca do papel sócio-educativo invertido dentro de uma penitenciária. A ressocialização de um indivíduo torna-se quase impossível, fazendo com que um mero "ladrão de galinhas", saia lá de dentro um experiente e influente criminoso.

O espectador mais atento perceberá que o filme se ambienta em uma França pós-euro, onde essa moeda passa a vigorar em substituição de todas as outras, como o Franco, por exemplo. Repare que as relações multiétnicas e as constantes confluências de culturas dentro da prisão, representam fielmente essa situação cambial-econômica que o país e o continente se encontravam. 

O longa acompanha a trajetória do francês de origem árabe Malik El Djebena (Tahar Rahim) de 19 anos, que após uma suposta agressão a um policial, acaba preso. O roteiro, propositalmente, não explica e nem deixa claro se o prisioneiro realmente cometeu o ilícito. Apenas sabemos que a sua pena será de 6 anos. Com isso, durante as duas horas e meia de filme, percebemos, aos poucos, que essas são pseudoquestões, já que o que aconteceu no passado do jovem delinquente não importa. O que vale mesmo é saber como Malik irá superar os desafios de conviver com diferentes culturas e bandidos de toda espécie. 

Aproveitando-se do novato Malik, os ítalo-franceses, que dominam a penitenciária, liderados pelo implacável veterano César Luciani (Arestrup), obrigam-no a matar um outro encarcerado, alterando definitivamente sua estada naquele purgatório. Escolher o inexpressivo Malik para cometer tal crime não foi tarefa das mais difíceis, pois o novel prisioneiro não tinha influência no "mundo do crime"; a sua figura não impunha a respeitabilidade necessária para a sua vital sobrevivência ali dentro. A ausência de amigos, e também de inimigos, não significa algo louvável, pelo contrário, o morno não tem vez dentro do sistema.

Mas esse cenário logo mudaria, pois Malik aprendeu rápido que precisava de aliados, e aos poucos passou a ganhar mais confiança graças à sua humildade e subserviência. Com a aliança aos mafiosos italianos, o jovem francês fechou as portas para o segundo grupo de dominantes, os muçulmanos franceses. Temos aí, portanto, um arco dramático completo para apresentar a ascensão do "faz tudo", aquele que contra tudo e todos respeita a hierarquia, sem, no entanto, deixar de buscar a sua independência, ameaçando provar aos chefões que pode mais.


Ao abordar temas como o sistema penitenciário - como um entrave universal - sob uma visão holística, o filme acrescenta tons e preocupações sociais relevantes. Já como obra cinematográfica, a produção prende a nossa atenção, uma vez que as cenas de ação - homicídios encomendados, tocaias, tiroteios, violência dentro e fora das "jaulas" - são realizadas, na maioria das vezes, com a câmera não mão, que tremulante e perspicaz representa fielmente o nervosismo inerente à ação do personagem. Algumas cenas dentro da prisão lembra Carandiru (2003, Hector Babenco), devido à visceralidade do homem como animal agrupador inserido em uma situação limite. Nesse contexto, a semelhança entre o homem (ser humano) e um animal irracional acuado são impressionantes.


Outra comparação inevitável é com o clássico O Poderoso Chefão. O diretor Jacques Audiard bebeu da fonte de Coppola ao empregar a hierarquia do mafioso César sobre os demais. Repare que quando o líder entra em cena, temos a impressão de que ele não faz parte daquele meio, parece não estar aprisionado, onde as regras e as leis não o afetam. Permanecer acima do bem e do mal é o seu mister.


As cenas finais propõem uma profundidade de campo em um plano aberto, onde as relações de respeito e hierarquia lembram as questões de família vs. negócio do referido clássico.



Imperdível!
             

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