segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Dica Streaming [Prime Video e Star Plus] - FRAGMENTADO

Por Rafael Morais

*texto escrito no Blog em março de 2017 e revisado em janeiro de 2023

Um homem rapta três garotas e as leva a um cativeiro, onde descobriremos quais as suas verdadeiras intenções. Esta premissa de “Fragmentado” seria idêntica a tantas outras caso quem estivesse por trás de sua idealização não fosse o cineasta M. Night Shyamalan. Diretor e roteirista, o indiano surpreendeu o público, no final da década de 90, com “O Sexto Sentido” entregando um dos plot twist (reviravolta) mais memoráveis do Cinema atual. Aliás, a expectativa gerada em cima da sua carreira, após o sucesso estrondoso, acabou deixando-o refém do próprio estilo: o final de cada filme teria que vir acompanhado de uma virada espetacular.

Taxado por parte da crítica como o novo Hitchcok (não apenas por fazer uma ponta no seu próprio filme), e amado pelo público sedento por surpresas - que adora ser enganado, no bom sentido - o cineasta se viu no comando de filmes medíocres como “O Último Mestre do Ar” e “Depois da Terra”, por exemplo, sendo este último encomendado por Will Smith no intuito de promover o seu filho. Enquanto artista autoral, Shyamalan é consciente do Cinema que pretende realizar, porém, se perdeu entre uma produção e outra, graças à tentação ($$$) de Hollywood.

Dito isto, “A Visita” iniciou a parceria com a Blumhouse (selo independente ligado a filmes de terror/horror), ocasião em que o indiano ensaiou um retorno, esperado com ansiedade pelos fãs, trazendo fôlego à sua cambaleante filmografia. Aqui em “Fragmentado”, por sua vez, o roteiro é auxiliado pela magnífica atuação de James McAvoy. Inspirado, o ator interpreta um sujeito perturbado, diagnosticado com TDI (Transtorno Dissociativo de Identidade), passando a desenvolver 23 personalidades distintas, das quais 6 ou 7 são melhores abordadas durante o filme.

E é justamente Dennis, uma de suas personas, responsável pelo sequestro das meninas, bem como por toda a arquitetura do plano, que causa o estopim no interior do vilão/protagonista. A batalha introspectiva entre os diversos tipos que residem na “caixola” do sujeito é admirável graças à composição de McAvoy, dotado de expressões físicas e corporais. Representar, na mesma tomada e sem cortes aparentes, uma transição de uma criança de 09 anos de idade, frágil e vacilante, para um adulto com mania de limpeza, forte e seguro, passando por uma mulher maquiavélica, tudo dentro do mesmo ser, quase simultaneamente, é algo fantástico que só um ator multifacetado consegue fazer.

Deste modo, repare como o intérprete se utiliza de uma simples peça de figurino, o cachecol, para entregar nuances distintas para cada personalidade coexistente. Quando levanta o objeto e desfere um olhar de vaidade, acompanhado de um sorriso e voz suave, temos uma figura feminina; ao passo que quando se cobre com a mesma peça e entrega um ar de medo, insegurança, temos Kevin, o verdadeiro “paciente zero”.

Mérito também para a direção de arte na concepção do ambiente em que as vítimas estão confinadas. Claustrofóbico, o lugar guarda nos detalhes um pouco da identidade de cada persona. Destaque também para a jovem atriz Anya Taylor-Joy (sucesso em “A Bruxa”), na pele de Casey. Personagem feminina inteligente, com atitudes dignas de quebrar convenções do gênero, tendo apenas o seu desenvolvimento prejudicado por conta de flashbacks deslocados que trazem a sua versão infantil passando por traumas de abusos, representada por uma atriz mirim, que não se parece em nada com o seu biotipo na fase adulta, o que acaba nos tirando um pouco do filme, além de quebrar o ritmo da narrativa, essencial no suspense.

Terror psicológico de primeira, “Fragmentado” se revela um interessante estudo de personagens quando se volta para o confinamento no intuito de observar a complexidade do ser humano. Daí a explicação para os enquadramentos fechados nos rostos, desfocando o que estiver ao fundo, ou nas laterais. As facetas são o que importa para a ideia funcionar, e funciona! 

Assim, com um desfecho genial que interliga o universo “shayamalaniano” (a Marvel está fazendo escola) temos uma obra voltada para o nascimento de um poderoso monstro, numa espécie de jornada do vilão, contrapondo, sincronicamente, com outro filme do cineasta, o qual não entrarei em detalhes para evitar spoiler.

 *Avaliação: 4,0 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 8,5.     


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - OS BANSHEES DE INISHERIN

Por Rafael Morais

Reeditando a parceria de “Na Mira do Chefe” (2008), o trio Colin Farrell, Brendan Gleeson e o cineasta Martin McDonagh voltam a se encontrar nesse inusitado ensaio sobre a afeição em “Os Banshees de Inisherin”.

Aclamado pela crítica, e com nove merecidas indicações ao Oscar deste ano, o filme é todo situado em uma ilha remota na costa oeste da Irlanda de 1923, tendo como contexto histórico a Guerra Civil Irlandesa. Entretanto, isso é apenas um pano de fundo para retratar outro embate mais intimista que se avizinha.

A história acompanha os amigos de longa data Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), que se encontram em um impasse quando Colm inesperadamente põe fim à amizade deles. Um atordoado Pádraic - auxiliado por sua irmã Siobhán (Kerry Condon) e o problemático jovem ilhéu Dominic (Barry Keoghan) - se esforça para consertar o relacionamento, recusando-se a aceitar um não como resposta. Os esforços repetidos de Colm de pôr um fim no relacionamento apenas fortalecem a determinação de seu ex-amigo de reatá-lo. E quando Colm entrega um ultimato desesperado, consequências para ambos começam a acontecer.

Destaque para as excelentes atuações. Colin Farrel se perde na pele de um homem ingênuo (ou seria infantil?) rústico e gentil que reluta diante do iminente fim de uma convivência. Barry Keoghan entrega um Dominic como sendo aquele sujeito interiorano atrapalhado que podemos encontrar em qualquer cidadezinha. Perturbado e dono de um olhar sofrido, o garoto é peça fundamental no desenrolar da história, uma vez que força a amizade com Pádraic e acaba espelhando a relação dos dois protagonistas em pé de guerra. Já Siobhán, a irmã do protagonista, encarnada por Kerry Condon, é a construção de uma persona que sabe balancear bem a razão e a emoção. Doce, amorosa, inteligente e confiável, a mulher estava à frente do seu tempo, porém, o seu amor fraternal a mantinha na ilha.

Neste sentido, o roteiro brilha no desenvolvimento dessas figuras, encontrando em Colm (Gleeson) o contraponto perfeito para o conflito. O cara é um músico culto, talvez o único artista local, talentoso e conhecido por todos. O problema é que, de repente, sem mais nem menos, ele cansa dos papos aleatórios (para não falar besteirol), de jogar uma boa conversa fora e da companhia de Pádraic. Deste modo, o filme começa a mexer com o espectador quando entrega um misto de alegrias e tristezas na mesma cena. Confesso que, bruscamente, deu vontade de rir e chorar, ao mesmo tempo, em algumas situações. É uma típica comédia dramática, bem “bipolar”, que leva a carência e todo o peso contido na expressão “meu melhor amigo é fulano” ao extremo.

Apostando na atmosfera bucólica da ilha, a direção de arte capricha nos detalhes e na retratação da época. As casas e o bar (ponto-chave para o desenrolar da narrativa), repletos de objetos cenográficos harmônicos e condizentes, são microcosmos vivos que passam o calor das pessoas que ali transitam. Há alma, há vida e confraternização transmitida à percepção/sensibilidade do público. Ao final da sessão, no acender das luzes, a película me deu uma sensação de estar deixando para trás não somente a sala de cinema, mas também aquela ilha e os personagens apresentados, tamanha a imersão. Parecia que eu estava lá com eles o tempo todo.

Não menos espetacular, a trilha sonora evocativa e regionalista de Carter Burwell nos conduz por paisagens e diálogos inesquecíveis. A cultura irlandesa parece estar bem representada na linda composição do músico. Da mesma forma, a fotografia deslumbrante de Ben Davis se utiliza da luz natural, da própria natureza em si e de panorâmicas para enquadrar os conflitos e as angústias de maneira poética. Burwell sabe enclausurar quando tem que fazê-lo e abrir no momento certo.

Assim, tudo que presenciamos de intrigas acaba, metaforicamente, sendo um paradoxo frente ao que as lentes de Davis captura. Um lindo mar no horizonte, tendo duas pessoas dialogando ferozmente ao centro, por exemplo, pode ser um sinônimo de recomeço/esperança em determinada cena. Um “armistício” entre indivíduos que se atacam e resolvem dar uma trégua, tal qual nações em tempos de hostilidade?!

Na verdade, “Os Banshees de Inisherin” é um filme contido, “pequeno”, mas ao mesmo tempo grandioso na sua proposta e resultado. É sobre rejeição versus gentileza. É sobre como saber lidar com as pessoas, mesmo que algumas não lhe sejam mais agradáveis, sem ser um otário rude. É atemporal, ao passo que dialoga com a empatia (ou falta dela), o estresse da sociedade, com os desencontros, os caminhos opostos, com o paradoxo do tempo, da finitude e da vontade do homem em se tonar inesquecível. Parece ambicioso, mas não é, acredite. Tudo transcorre deliciosamente natural diante de seus olhos. E quando menos perceber você terá pensado nesses temas sem se quer fazer esforço.

Em contrapartida, é uma obra que o público precisa “comprar” a ideia da metáfora literal estabelecida na metade do segundo ato até o derradeiro: quando um sujeito lá “corta da própria carne”, indo às últimas consequências. Caso contrário, esse longa-metragem talvez não seja para você.

Contudo, assim como na vida, a amizade também é sobre “besteiras”. Sobre conversar coisas deslocadas, a respeito da leveza e da confiança de um no outro para rir de episódios que nem mesmo sabem o motivo de estar rindo. E se rir de si é o melhor remédio, Colm está precisando desse antídoto urgente!

Por fim, temos uma pura dramédia irlandesa que discute a complexidade de uma amizade de forma alegórica, intimista e arrebatadora.

*Avaliação: 4,5 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 9,5.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - M3GAN

Por Rafael Morais

Cheguei à sessão de “M3gan” - sim, tem esse numeral três no lugar da vogal “e” fazendo referência à terceira geração de toys ultra tecnológicos que a empresa fabrica na história – de coração aberto, na melhor das intenções. Gostaria de ter saído elogiando e recomendando o filme aos quatro ventos. Mas, infelizmente, não foi bem isso que aconteceu.

 

A sinopse narra a evolução da inteligência artificial através do projeto de uma boneca realista programada para ser a maior companheira de uma criança e a maior aliada dos pais. Imaginada por uma visionária corporação onde trabalha a engenheira robótica Gemma (Allison Williams), a boneca M3GAN pode ouvir, assistir e aprender enquanto se torna amiga e professora, companheira de brincadeiras e protetora da criança a quem está intimamente conectada.

 

Quando essa engenheira de repente se torna a tutora de sua sobrinha órfã de apenas oito anos, Cady (Violet McGraw), é natural que ela se sinta insegura e despreparada para ser “mãe”. Sob intensa pressão no trabalho, Gemma decide emparelhar seu protótipo M3GAN com Cady na tentativa de resolver os dois problemas - uma decisão que terá consequências desastrosas. Se não sabe brincar não desce pro play, Gemma. A notável e inconsequente (para não dizer estúpida) criadora demora demais a perceber que tudo vai desmoronar. O que coloca em xeque até mesmo sua capacidade e inteligência. Como uma pessoa é capaz de criar algo tão complexo e não enxergar um palmo do que está à sua frente?! Ao final dos dois primeiros atos, temos a seguinte certeza: se só arrependimento matasse, Gemma seria imortal.

 

Desta forma, é curioso perceber que, aos poucos, o brinquedo vai adquirindo um pouco da personalidade naturalmente narcisista da criança (usuária primária) se tornando quase o seu avatar. Um fantoche personalizável e altamente smart, em fase de testes, caindo nas mãos de uma garota carente e negligenciada é uma bomba-relógio. É como riscar um fósforo dentro de um tambor de querosene. A teimosia em responder quando deveria estar calada, de cumprir um castigo integralmente, de obedecer sem contestar. Todas as semelhanças estão lá, até mesmo na utilização da violência como instinto mais primitivo do ser humano que não está pronto para tentar resolver um conflito no diálogo.

 

Já tecnicamente, é notório que o diretor neozelandês Gerard Johnstone tem boas referências cinematográficas. O início com uma família no carro viajando por uma estrada montanhosa, em direção a um hotel, é impossível não lembrar de “O Iluminado”, por exemplo. E ainda sobre o clássico de Kubrick, como não observar as cores da parede e os corredores estreitos da empresa? Ali, em uma determinada sequência, a boneca é enquadrada no centro, com o seu vestidinho angelical, para depois tocar o terror. Não sem antes “botar um boneco danado” e meter uma coreografia que promete viralizar nas redes sociais.

 

“O Exorcista” também é inspiração para o jovem cineasta, sobretudo na estranheza dos movimentos da boneca quando está prestes a atacar. Afinal de contas, em algumas cenas o uso do mecatrônico salvou a produção de William Friedkin; além do mais, de Regan para Megan basta trocar a letra R por um M.

 

Alusões à parte, até porque elas são bem superficiais e exige um esforço/boa vontade do público, aqui vemos um filme que tem os seus momentos, mas no todo não vale a pena. Não chega lá. A obra até propõe temas relevantes para reflexão. Como o vício pela vida digital, a dependência de eletrônicos, a perigosa troca/compensação da presença humana pela virtual, a criação dos filhos na contemporaneidade, etc. Contudo, essas temáticas jamais se aprofundam.

 

A zona de conforto do roteiro é a superficialidade. É tentar explorar o carisma da protagonista em cima daquele espectador de TikTok. Já imagino a explosão de visualizações de alguns trechos picotados por lá. O cinema como mero passatempo sempre foi uma realidade e não vai deixar de ser. Assim, o potencial é de contagiar aquela turma a fim de pegar um cineminha despretensioso e levar uns “bons” sustos. Jumps scares não vão faltar. Não à toa o sucesso que está fazendo nas bilheterias mundo afora.

 

O filme até tem uma atmosfera interessante e sabe lidar com o “vale da estranheza” na figura da boneca “zoiuda”. O problema é que ele demora a engrenar e quando pega no tranco não entrega aquilo que o público sedento está buscando: o gore. E por falar nisso, assim como as gags, que deveriam ter sido mais exploradas, há uma escassez de sangue na mesma medida. Talvez para alcançar a classificação indicativa de 14 anos que conseguiu.

 

Por sorte, há um respiro criativo, metalinguístico, moderno e cômico na utilização de músicas em situações inesperadas. Não tem como não rir quando as canções Titanium (David Guetta feat. Sia) e Toy Soldiers (Martika) surgem em cena. São raros os instantes inspiradores e pouco explorados. O bom humor ácido e nonsense se sobressai até certo ponto.

 

Destaco ainda as crises existencialistas da protagonista-título. “Hal 9000” fez escola. Um aceno para a Alexa e o total descaso às três leis de Isaac Asimov transitam entre altos e baixos. M3gan é uma espécie de lobo na pele de cordeiro, tal qual acontece em “O Anjo Malvado” (aquele mesmo de 1993 com Macaulay Culkin – sei que não é de boneco endemoniado, mas tem a mesma estrutura do gênero). Chucky e Annabelle, enfim, ganharam uma concorrente bonequeira (com o perdão do trocadilho, novamente).

 

Por fim, trata-se de uma proposta divertida, mas nada corajosa. O filme decepciona ao derrapar em um terceiro ato genérico. A intenção de engatar uma franquia superou a ideia de atualizar o gênero killer doll.

 

*Avaliação: 2,5 Pipocas + 2,5 Rapaduras = 5,0.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - GATO DE BOTAS 2 - O ÚLTIMO PEDIDO


Por Rafael Morais

De início, já confesso que subestimei essa sequência quando soube que ia ser lançada, tendo em vista que o primeiro filme é qualquer coisa de genérico. Esqueça-o, portanto. Aqui, em "Gato de Botas 2 – O Último Pedido", há um outro patamar de animação, evolução técnica, traço artístico, roteiro e montagem. Tudo está surpreendentemente fantástico!

Felizmente, podemos testemunhar a maturidade da DreamWorks Animation, pois, pela primeira vez em mais de uma década, o estúdio apresenta uma nova aventura do universo Shrek com um elevadíssimo nível técnico. Aproveitando as recentes derrapadas e flops da concorrente e mandachuva do nicho, a toda poderosa Disney, temos um filme repleto de carisma e preocupado em divertir, em emocionar o espectador.

Diferente da casa do camundongo mais famoso do mundo que, ultimamente, tem se importado mais em atender uma agenda (sem se preocupar necessariamente com a qualidade), forçando a barra em situações e elaborando roteiros que mais parecem ter sido "escritos" por um algoritmo - tamanha a megalomania pretensiosa em atender a todos, mas acaba acertando ninguém. A DreamWorks trabalha no gap deixado pela tradicional e clássica corporação que, de uns tempos para cá, vem virando o rosto para o seu verdadeiro público que a consagrou. As concorrentes, por sua vez, que sempre beberam da fonte, se deleitam na chance de fazer com maestria e excelência aquilo que aprenderam.

Contexto à parte, a encantadora nova fábula narra as desventuras do Gato de Botas, o ousado fora-da-lei, dando ênfase na sua paixão pelo perigo e seu descuido com a própria segurança. Agora, a vida pode lhe cobrar um preço alto por isso. Assim, temos um herói que já detonou oito de suas nove vidas. Na ânsia de recuperá-las, o protagonista terá o maior desafio que já enfrentou até agora.

O longa então embarca em uma jornada épica na Floresta Negra para encontrar a mítica Estrela dos Desejos, objeto capaz de conceder um último desejo a quem o possuir. É aquele clássico conto de fadas desconstruído, mas bem do modo Shrek de ser: um humor sarcástico que, ao mesmo tempo, brinca com a paródia sem deixar de entregar uma linda mensagem no final como moral da história.

Nesta arriscada aventura, o Gato de Botas (Alexandre Moreno, na versão brasileira) terá a ajuda de outra felina, a charmosa, e também destemida Kitty Pata-Mansa (Miriam Ficher); além do vira-lata good vibes Perrito (Marcos Veras), um tagarela incansavelmente otimista. Juntos, o trio terá que andar um passo à frente de Cachinhos Dourados (Giovanna Ewbank) e uma surpreendente versão dos Três Ursos. Sem contar que João Trombeta (Bernardo Legrand) e o aterrorizante caçador de recompensas, o Lobo Mau (Sérgio Malheiros), também estão no páreo. Cada um com as suas intenções.

Com a inspirada direção de Joel Crawford, essa continuação transita muito bem pelas músicas, ora engraçadas, ora dramáticas, mas jamais piegas. Destaco a montagem/edição caprichadíssima que não deixa a audiência se dissipar em momento algum. As transições de cenas são orgânicas dando a certeza que saíram de meticulosos storyboards. O cineasta passeia pelos gêneros com muita competência, entregando risos garantidos, através de ótima piadas, emoções e tensão (para não dizer terror). Sim, inesperadamente há uma atmosfera enervante de muito suspense e aflição quando o Lobo surge em cena. É gradual e implacável! Personagem bem construído, o Lobo é aquele típico vilão ameaçador em toda sua performance. É o contraponto ideal para qualquer herói que se preze. Genial!

Singelo e sofisticado. Inocente sem ser bobo. “Gato de Botas 2” é sobre coragem, amizade e lealdade. Na verdade, o filme tem tudo para ser o ponto de virada para reviver a franquia Shrek. Ele pode significar para o “ogro verde” o que o Aranhaverso foi pro universo cinematográfico de animação do “amigão da vizinhança”.

Tá cedo para afirmar que já assisti a melhor animação de 2023?!

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - OS FABELMANS


Por Rafael Morais

“Filmes são sonhos que você nunca esquece”.

Em “Os Fabelmans” Steven Spielberg utiliza a metalinguagem para falar sobre o poder do Cinema em sua obra mais intimista.

O longa é um retrato profundamente pessoal da infância americana do século 1920. A sinopse dá conta de um jovem que descobre um segredo familiar devastador e revela o poder dos filmes para nos ajudar a enxergar a verdade sobre os outros e sobre nós mesmos. Inspirado na própria infância de Spielberg (semi-autobiográfico), a obra foi coescrita pelo cineasta em parceria com o dramaturgo ganhador do Prêmio Pulitzer, Tony Kushner.

O filme é um olhar para si, para dentro, após o famoso cineasta passear por todos os gêneros, sobretudo fazendo enorme sucesso com blockbusters. E o mais interessante é que ao propor essa perspectiva singela e apaixonada sobre a arte, e como ela entrou na sua vida, o diretor, ao mesmo tempo, presenteia os cinéfilos ao falar sobre as origens: seja do Cinema ou a própria, elas se confundem lindamente aqui.

Portanto, esqueça os fantásticos efeitos especiais (marca registrada do idealizador), a pirotecnia, as grandiosas cenas de ação, os dinossauros, as guerras, os extraterrestres, etc. Aqui o foco é outro. O minimalismo brilha e as emoções são o centro das atenções.

E para ajudar a contar essa emocionante história, o elenco entrega performances esplêndidas. Sammy (Gabriel Labelle) é aquele protagonista carismático, altruísta e errático que o filme merece; Paul Dano interpreta o pai de Sammy com uma atuação contida de olhar tenro e acolhedor. Mas quem rouba a cena mesmo é Michelle Williams vivendo a mãe de Sam: ela é o coração e a força motriz que faz a narrativa andar pra frente. Aposto em indicações para a atriz na temporada de premiações.

Na coadjuvância, não posso deixar de mencionar a participação mais que especial de Judi Hirsch como tio Boris. As poucas cenas reservadas para o personagem são de extrema importância para o deslinde do protagonista. As suas falas entram no coração de Sam para nunca mais sair. É com esse excêntrico tio que o jovem aprende que fazer arte é difícil, é árduo e exige inspiração, mas também muito suor, técnica e vocação. Muitas vezes, a família e as pretensões artísticas vão se chocar. E o artista terá que fazer escolhas difíceis, porém, enriquecedoras para o seu amadurecimento. Simplesmente fantástico!

Outro cameo incrível acontece, mas esse eu não vou falar porque seria um tremendo spoiler.

Fabuloso, Spielberg dá uma aula de Cinema ao longo de duas horas e meia de projeção, sem jamais se tornar enfadonho ou "palestrinha". É tudo muito orgânico e se entrelaça com os acontecimentos da sua vida. Bem humorado, com fortes pitadas de drama, o cineasta mostra porque é um dos maiores contadores de história que a sétima arte já conheceu.

Além do magistral roteiro, tecnicamente não há o que se reparar em "Os Fabelmans". A montagem faz o público observar o extracampo com a mesma atenção que o centro da tela. Afinal, um bom filme não desperdiça a fotografia focando apenas o meio, pelo contrário. Assim como nos filmes, a vida acontece também no periférico, ao redor do "principal".

Aliado a isso, a trilha sonora de John Williams, parceiro habitual de Spielberg, é evocativa à infância, às paixões e ao mundo novo de Sam, no caso o Cinema. A música auxilia na condução da jornada e "manipula" os nossos sentimentos. O script, acertadamente, brinca com essa ideia.

Por fim, posso afirmar que 2023 começou muito bem, obrigado! Alguns dias já se passaram desde que assisti "Os Fabelmans" e o filme ainda está comigo. Crescendo cada vez mais. Mágico, obrigatório. Spielberg!

* Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10!


terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Nos Cinemas - AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA


Por Rafael Morais

Treze anos após o sucesso estrondoso de Avatar, James Cameron retorna à Pandora prometendo imergir o espectador ainda mais na fauna e na flora daquele mundo. Agora, o foco é o desbravamento aquático do complexo ecossistema. Os mares nos levarão a diferentes tribos, culturas e costumes.

Em meio às novas descobertas, voltamos à atenção aos Na'vi através da família de Jake Sully (Sam Worthington). Agora, ele e Neytiri (Zoë Saldaña) são pais de quatro filhos: Neteyam (o mais velho), Lo'ak (o do meio), Kiri (filha de criação do clã, sendo rebento biológico do avatar da Dra. Augustine - Sigourney Weaver) e Tuk (a caçula fofinha). Kiri, por sinal, é a melhor personagem do filme. Sem mais para evitar spoilers, mas pode residir nela um grande diferencial para os próximos capítulos.

E justamente por serem pais, o roteiro explora esse lado protetor dos genitores. Deixar de lado o guerreiro que existe na figura lendária de Toruk Makto e sua esposa combatente (uma arqueira letal) é necessário quando Pandora é assombrada por uma antiga ameaça que ressurge mais forte, destemida e planejada.

Ainda mais que Lo'ak é um adolescente afoito e vive se metendo em confusões. Excitado em conhecer, desbravar e conquistar (com os hormônios à flor da pele), o garoto é uma “bomba” de energia prestes a explodir. Assim, o clã se vê ameaçado por todos os lados com a nova invasão do “povo do céu” (como eles chamam os humanos advindos da Terra), até porque o alvo está marcado na testa do líder Sully. A decisão do protagonista, portanto, é se abrigar e fugir, temporariamente, em outra região de Pandora.

Quando a família parte em busca dessa nova morada, o roteiro dá uma guinada e é preciso comprar essa ideia no segundo ato. O foco se torna outro. Conheceremos um novo ambiente do zero, no caso, "o povo da água". O casal líder do território é composto por Ronal (Kate Winslet - a Rose de Titanic) e Tonowari (Cliff Curtis). É o herói se curvando diante do medo de perder sua prole. Resignado, Jake Sully agora é apenas um pai de família em busca de proteger os seus.

Tecnicamente, o filme é um deleite visual. Os efeitos especiais chamam a atenção, assim como foi no longa anterior. Mas aqui há um lapso temporal de mais de uma década do antecessor, o que torna perceptível o salto de qualidade. Sobretudo nas cenas embaixo d'água. O mar cristalino é quase palpável no 3D sem igual que Cameron proporciona. O cineasta sabe trabalhar a profundidade de campo.

É impressionante observar e sentir os peixes nadando e voando (sim, eles também voam), a velocidade que eles imprimem quando alguém sobe para usá-los como transporte; os movimentos dos cabelos e das bochechas se amoldando ao balanço da maré, enfim. Tudo é muito crível!

Contudo, confesso que estranhei os quarenta e oito quadros por segundo adotado por Cameron neste capítulo. A tecnologia acelera as cenas, principalmente as de ação, com o objetivo de trazer dinamismo e hiper-realismo. Porém, senti um desconforto e só fui me acostumar lá para o terceiro ato. É como se o filme estivesse em fast foward o tempo todo. Estranhei, mas é questão de tempo para se adaptar.

O problema é que está cada vez mais notório o apego de James Cameron à franquia. O cara é diretor, roteirista, produtor e editor do longa. Ele "bate o escanteio e corre pra cabecear". É perceptível que o roteiro continua superficial, em que pese o trocadilho com a abordagem à vida subnáutica; além da montagem sofrer com cortes abruptos de uma cena para outra. Sem inspiração, a edição também não sabe o momento de "cortar na própria carne" para tornar a obra mais coesa sem cair nas repetições de ideias.

Por fim, e apesar dos pesares, ainda sou um fã assíduo de Avatar e me causa fascínio toda aquela atmosfera. Me emocionei com um acontecimento que ocorre no final do longa, me importo com a família-protagonista. Contudo, com a proximidade do capítulo 3, não há mais justificativa para levar o público ao Cinema apenas por conta de novas tecnologias. O roteiro precisará ser mais caprichado e denso. É preciso coragem e uma dose de autoavaliação por parte de Cameron em entregar o script para outro cuidar. A temática da defesa à natureza começa a se esvaziar quando troca apenas a região: sai a floresta, entra o mar. 

Na verdade, quero acreditar que esses dois primeiros filmes foram apenas uma introdução para o que estar por vir. Afinal, se a saga se estender realmente até o episódio 5 haja câmeras Imax de novíssima geração, cem quadros por segundo, 3D sem a utilização de óculos ou qualquer parafernalha do tipo para nos encantar. A cortina de fumaça high-tech (quando não serve à história) é legal até certo ponto, depois começa a se tornar obsoleta e, por vezes, cansativa.

*Avaliação: 4,0 Pipocas + 3,0 Rapaduras = 7,0.