terça-feira, 20 de setembro de 2022

Disponível na Netflix - O HOMEM NAS TREVAS


Por Rafael Morais

O cineasta uruguaio Fede Alvarez despontou para os holofotes hollywoodianos com o curta “Ataque de Pânico” lançado no Youtube há 13 anos. Não demorou para Sam Raimi apresentar o novel diretor em um projeto ousado, mas que deu muito certo: regravar o cultuado “Evil Dead” (traduzido por aqui como “A Morte do Demônio”). E a aposta em Alvarez vem dando ótimos frutos: o remake se saiu bem na crítica e público ao ponto de alavancá-lo a outros trabalhos. Chegamos, assim, a este "O Homem nas Trevas" com a expectativa nas alturas. Entretanto, devido a um roteiro pífio, o resultado não atinge o nível esperado, por mais que o diretor deixe o seu “DNA esparramado” em cada frame (sim, esta expressão faz referência a uma determinada cena do filme). 

O argumento, por sua vez, é bastante simples: um grupo de jovens ladrões decide furtar a casa de um idoso, cego e reformado do exército. Segundo relatos, a vítima mora sozinha e estaria guardando em sua casa uma bolada em dinheiro vivo proveniente de uma indenização judicial. Mas o que seria um sonho se torna um pesadelo para os delinquentes quando se veem trancafiados com um sujeito repleto de mágoa, forte e raivoso, tal qual o seu cachorro. Aliás, a homenagem a "Cujo" - obra de Stephen King adaptada para home video que alegrou as minhas tardes de cine trash na infância - está explícita para quem quiser enxergar (desculpe o trocadilho novamente). 

Abraçando os clichês do gênero, que vão desde as tomadas de decisões imbecis a não dar o "tiro de misericórdia/golpe final" no vilão, entre outras, para não entregar trechos importantes do filme, Alvarez capricha mesmo é na linguagem narrativa, entregando ótimas rimas visuais. Esqueça a cafonice na cena da joaninha, por favor. Repare no plano-sequência empregado após a invasão da residência: um take sem corte capaz de situar o espectador no enorme cenário. A câmera passeia pelos cômodos entregando detalhes, armadilhas e objetos que serão essenciais no decorrer da película: revólver embaixo da cama, martelo acima da bancada, entre outros. 

Outro destaque do filme fica por conta do orgânico design e mixagem de som. Com o volume no talo, tal qual a crescente tensão, sentimos a nossa audição tão aguçada quando a de um deficiente visual. Qualquer barulhinho é captado pela técnica e introduzido nos momentos adequados, com maestria e sensibilidade, provocando a imediata sensação de angústia tanto nos personagens quanto no espectador. 

Por outro lado, esse quesito evidencia um dos buracos do pálido roteiro, já que o homem cego (sim, o vilão não tem nome), em determinados instantes, não consegue sequer notar que tem alguém bem na sua frente, enquanto em outros sente até o cheiro do chulé dos bandidos, nos fazendo concluir que o olfato do sujeito é mais apurado que sua audição. 

Falhando também na tentativa de aproximar o anti-herói do público, a obra não consegue nos fazer se importar com o desfecho da personagem feminina Rocky (Jane Levy), mesmo se utilizando de uma criança para justificar os seus fins, o que só demonstra um pretexto rasteiro para uma ladra extremamente gananciosa cometer os seus crimes. Não colou! 

Já a ambientação em Detroit combina com a atmosfera sugerida, uma vez que a cidade foi assolada pela crise financeira em 2008. E nesse propício contexto, somos apresentados ao personagem interpretado por Stephen Lang compondo um homem de físico imponente, transpirando ameaça, mesmo sem enxergar, desprovido de remorso, que teima em não abandonar o seu bairro, como fizeram os seus vizinhos. Com o senso de justiça claramente deturpado, o protagonista terá apenas na reviravolta (plot twist) o elemento capaz de colocá-lo na posição de vilão/monstro.  

Contudo, felizmente, o talento do cineasta para filmar o horror se sobressai. O gore está na medida, na linha tênue entre o escatológico, como deve ser. Observe os enquadramentos fechados nos semblantes de agonia das vítimas indefesas, bem como na utilização dos efeitos de “zoom out” e “dolly in” (truques na lente da câmera capazes de alterar o comprimento focal e distanciamento do fundo) servindo para encarcerar ainda mais os personagens, trazer senso de urgência e/ou desorientação. Hitchcock fez escola e Alvarez aprendeu direitinho!

 * Avaliação: 3,5 pipocas + 3,0 rapaduras = nota 6,5.  

    

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