* resenha escrita em julho de 2019
Daniel Rezende conseguiu mais uma vez. Depois de dirigir o maravilhoso “Bingo – O Rei das Manhãs”, o jovem cineasta tinha a árdua missão de adaptar em live-action um dos maiores ícones da cultura pop nacional: a Turma da Mônica. O sucesso das revistinhas em quadrinhos perdura desde o final da década de 50 até hoje, e só ascende. Maurício de Sousa, o idealizador por trás de tudo, é cultuado não só por uma legião de fãs, que cresceram lendo sua obra, como também por tantas outras gerações que herdaram esse hábito.
Mas Rezende chegou lá explorando os signos daquele universo cartunesco através de uma cinematografia apurada. Se tem algo que funciona nesse longa é a direção e o elenco, uma vez que o roteiro e a montagem deixam a desejar. O diretor domina a linguagem narrativa por meio de lindos plano-sequências (recordo de pelo menos dois) responsáveis por engrenar a misancene (jogo de cena) e dar fluidez geográfica.
Contudo, o fio de história, baseada na graphic novel "Laços" de Vitor e Lu Cafaggi, narra o desaparecimento de Floquinho, o cachorro do Cebolinha (Kevin Vechiatto). Desenvolvendo o tal “plano infalível” (piada recorrente no filme) para resgatar o seu bichinho de estimação, o menino busca a ajuda de seus fiéis amigos Mônica (Giulia Benite), Magali (Laura Rauseo) e Cascão (Gabriel Moreira). Juntos, eles passarão por aventuras e colocarão à prova os laços de amizade para levar o cão de volta para casa.
Neste contexto, a edição não ajuda o combalido scritp quando torna a jornada lenta e quase entediante. Por mais que demonstre respeito ao material original, tudo é muito contemplativo, entregando um tom de homenagem que teima em resistir até o terceiro ato. Perceba, portanto, os exageros na utilização de piadas literais, do slow motion e de close-ups focados nas principais características dos “heróis”, e o pior: esses efeitos martelam os estereótipos ao ponto de torná-los enfadonhos, entrando num looping, praticamente.
É conhecido que a Magali tem um apetite voraz; a Mônica é forte e destemida; o Cascão tem pavor à água e o Cebolinha só pensa em arquitetar planos para pegar o coelhinho Sansão da “gorduchinha dentuça”. Porém, isso é repetido à exaustão no filme, de todas as formas possíveis! O receio de arriscar ficou notório. Jogaram seguro. As situações são previsíveis e os arcos dos protagonistas restaram pouco desenvolvidos, fazendo com que a película se arraste sem se preocupar com as camadas.
Por outro lado, a turma demonstra uma química formidável captada por momentos que oscilam entre a diversão, a zoação típica da idade, mas sem esquecer o afeto na troca de empatia entre eles. O elenco mirim está afiado e justifica a demora na escolha final por parte da produção. O carisma imprescindível para o quarteto funcionar está presente. Do mesmo modo, gosto da fidelidade na caracterização do universo, desde o figurino até a arquitetura das casas no bairro do Limoeiro. Tudo remete aos gibis e enche os nossos olhos. Ponto para a caprichosa direção de arte.
Também merece destaque a participação especial de Rodrigo Santoro como o “Louco”. Trazendo uma pitada de fantasia à trama - sempre bem-vinda neste gênero – o personagem brilha ao colocar o Cebolinha pra pensar, repensar e filosofar. Neste ponto, a montagem acerta no dinamismo que falta para o restante do filme. Santoro se move com fluidez através de uma expressão corporal lúdica, condizente com a proposta. O cara recita, brinca e passeia por toda a extensão da telona, aparecendo aqui e ali, no canto, em cima e embaixo. Me senti dentro das páginas das HQ’s neste instante. Pena que ele é pouco explorado e esta sequência é breve. Às vezes, um tantinho de loucura é necessário.
Não menos fantástica, a ensolarada e saturada fotografia é orgânica ao filtrar as cores primárias para inserir o espectador no mundo pré-adolescente - a ingenuidade e a autodescoberta estão numa linha tênue e nós somos testemunhas. Assim, na mesma pegada, a ambientação é captada com maestria quando as ameaças reais e os conflitos internos se contrapõem ao tamanho dos protagonistas frente aos desafios que eles irão encarar. Note os ângulos escolhidos na enorme floresta em proporção às crianças, dando a impressão que eles serão “engolidos” por ela. A utilização de metáforas a favor do Cinema é algo sempre louvável e aqui não deixa de ser diferente.
Deste modo, entre altos e baixos, o resultado é satisfatório e deixa aquele gostinho de “quero mais”. Porém, espero que essa continuação venha mais corajosa, dinâmica e que fuja do lugar comum. E se não for pedir muito, que apareça aquele matutinho lá da Vila Abobrinha, nem que seja de relance.
* Avaliação: 4,0 Pipocas + 4,0 Rapaduras = 8,0.