sexta-feira, 8 de abril de 2022

Dica Netlix - ROMA


Por Rafael Morais

México, 1970. 

Cleo – vivida pela surpreendente Yalitza Aparicio - é uma humilde doméstica/babá que trabalha para uma “tradicional” família de classe média. Diante de uma premissa aparentemente rasa, o diretor, roteirista, produtor e responsável pela fotografia, o mestre Alfonso Cuarón, nos convida para participarmos da rotina deste núcleo familiar pelo período de um ano. Neste ínterim, diversos acontecimentos inesperados passam a afetar a vida de todos os moradores da casa, ocasionando várias mudanças, tanto coletivas quanto pessoais.

Disponível somente na “Netflix”, o filme é belamente fotografado em preto e branco, escolha esta que não apenas ajuda na ambientação da década de 70, como também se harmoniza com a carga dramática crescente. Na verdade, a obra é esteticamente perfeita em todos os quesitos técnicos. Destaco aqui a perspicaz sequência que abre o longa, a incrível mixagem de som, bem como as tomadas panorâmicas dentro da enorme residência. Sem esquecer aquelas captadas em um mar revolto, o que nos insere como verdadeiras testemunhas dos acontecimentos. Câmeras estáticas que fazem movimentos leves para os lados capturam o vaivém da família, o dia a dia e a interação com a protagonista Cleo. Sim, o filme é dela!

Aqui, Cuarón aprofunda o seu apuro estético de tal forma que faz autorreferências com a sua filmografia, algo digno de quem está no panteão dos grandes do Cinema. Me diverti muito com uma cena que remete diretamente à “Gravidade” e outra que faz menção visual ao sensacional “Filhos da Esperança”; esta última conseguida com apenas um magistral movimento de câmera no carro quando a família está reunida em viagem.

Entretanto, faço uma ressalva: se você é daqueles que não curte um filme mais contemplativo, que não aprecia uma história narrada sem pressa, que não liga para os mínimos detalhes, inerentes à nossa vida, ao cotidiano, e que se incomoda com uma montagem mais lenta, passe longe deste longa-metragem! Em “Roma”, o milagre da vida está nas coisas menores, nas entrelinhas, na identificação com “pequenas” situações vividas pelos personagens.

Neste tocante, separo duas sequências que me identifiquei como se fossem flashes da minha infância: quando o pai das crianças chega do trabalho e estaciona, meticulosamente, o carro na garagem apertada, sob a espera ansiosa dos filhos para recebê-lo e abraçá-lo, sem antes o diretor não esmiuçar todos os detalhes do interior do veículo, evidenciando os vários cigarros colocados no cinzeiro e dando um ar quase místico à figura paterna; e a outra tomada faz referências às viagens em família no carro, quando os irmãos e primos brincam e celebram com músicas e cânticos a chegada à praia.

Não menos interessante é perceber que todo grande cineasta tem os seus temas recorrentes. Cuarón, por exemplo, explora questões como nascimento, renascimento, morte e vida através de diferentes signos e singelas metáforas. Seja numa ficção quando uma astronauta surge em posição fetal na nave, ou quando renasce ao sair de uma situação surreal, dando os seus “primeiros” passos; seja num drama distópico quando a humanidade se torna estéril e as mulheres não conseguem mais trazer bebês ao mundo.

Em “Roma” não é diferente: há uma pungência na forma de abordar as temáticas. O que nos leva à angustiante sequência que se passa com a protagonista Cleo em um hospital público. “Cleo, nós, mulheres, seremos sempre sozinhas. Sempre!” Diz a patroa à doméstica em um momento de desespero e decepção. É notório, portanto, que o roteiro aborda a questão do machismo, porém, sempre de maneira honesta, sem pieguice ou apelação.

Deste modo, por ter uma pegada sóbria, dura e quase documental, há um flerte natural com o cinema neo-realista italiano (“Ladrões de Bicicleta”). Mas, por outro lado, também lembrei do nosso Cinema nacional, mais precisamente de “Que Horas Ela Volta”, de Anna Muylaert, por exemplo. Não somente pela temática com pano de fundo social, mas por ser extremamente afetuoso e humano. Ao final, “Roma” é uma película obrigatória para os cinéfilos de plantão. Não por acaso, é “Amor” ao contrário...

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.

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