terça-feira, 1 de março de 2022

Nos Cinemas - THE BATMAN


Por Rafael Morais
01 de março de 2022

Após mais de uma década sem dar as caras nos cinemas - quando Christopher Nolan realizou a trilogia do Cavaleiro das Trevas – o Batman surge rebootado nesta adaptação dirigida por Matt Reeves. A trama da vez é carregada por uma atmosfera de suspense crescente, onde um assassino está à solta em pleno Halloween. À medida em que as suas vítimas vão aparecendo, o psicopata deixa mensagens em forma de charadas endereçadas ao “Morcegão”. Assim, o jogo de gato e rato, literalmente, tem início.

Inevitável não lembrar de “Seven” e “Os Suspeitos” (David Fincher e Villeneuve, respectivamente) na forma como Reeves conduz a investigação, a dinâmica da dupla (Batman e Jim Gordon, no caso) e a decupagem das cenas, filmando quase com pesar. Tudo é muito pausado e intimista.

A contemplação é perceptível na edição que enfatiza a lentidão dos passos do protagonista (dando a impressão que o filme está em slow motion em alguns momentos), reforçada pelos planos que captam o “Homem-Morcego”, enquanto entidade, de baixo pra cima (famoso contra-plongée). O cineasta trata com máximo respeito a figura do herói em construção - ou seria desconstrução?! – chegando até a fazer alusão a algo sacro/espiritual, eventualmente.

Reeves, claramente, estava com receio de sair da zona de conforto, arriscar e perder a mão. Jogou seguro nas TRÊS HORAS de duração. Isso mesmo, 180 minutos! Dava pra ter cortado uma meia hora fácil apenas colocando o Batman pra caminhar acelerado (1,5x), igual a gente faz com áudio longo de WhatsApp. Assim como dava pra ter descartado três parágrafos dessa resenha.  

Descontrações à parte, o Bruce Wayne de Robert Pattinson, por sua vez, é tão sequelado que sua aura “deprê” se reflete em todos os aspectos fílmicos: a fotografia é mergulhada nas sombras para mostrar uma Gotham desesperançosa que pode ter sua salvação na escuridão, ao invés da luz (DC em corpo e espírito); a trilha sonora é pesada, desoladora e remete a uma procissão funeral constante (as batidas graves martelam o juízo do público); a expressão corporal do homem por trás da máscara demonstra um sujeito cabisbaixo, introspectivo e sempre de luto. Bruce é “fruto do meio” e está fechado para acolher outras questões que não somente a violência enquanto endemia social.

Denso, o longa nos apresenta uma Gotham que “chora” o filme inteiro precipitando suas “lágrimas” em forma de chuva. Lembrou o universo cyberpunk de "Blade Runner", neste sentido. Imensas torres comerciais, neons, propagandas, céu sempre fechado, grandes corporações e homens sobrepujando outros: aspectos capazes de imergir ainda mais o espectador na tóxica e claustrofóbica cidade. Gotham é um personagem caoticamente vivo e o seu povo, já cansado, cobra um preço alto pela negligência sofrida há anos.

A introdução, arrebatadora, propõe a utilização do medo como ferramenta na luta contra o crime. "Eu não me escondo nas sombras, eu sou a sombra”. Porém, essa ideia - narrada pelo próprio protagonista ao ler o seu diário - fica adstrita apenas à sequência inicial, sem jamais ser desenvolvida. Simplesmente um conceito alegórico, infelizmente.

Por outro lado, o roteiro tem um contexto político-social que toma corpo e ganha as ruas gradativamente. Algo parecido com o que vimos em Joker de Todd Phillips - 2019. A tal vingança proposta pelo vigilante encapuzado também se encaixa no cotidiano dos moradores de Gotham. Cada qual com a sua perspectiva. A corrupção toma cada segmento da cidade; seja dos becos às áreas mais nobres, tudo está entranhado com o mal à espreita.  “EU sou a vingança”, “EU sou as sombras”...essas frases egocêntricas cairão por terra e o herói perceberá que não é apenas sobre ele.

Terreno propício para a propagação do ideário neofascista flertado por mocinhos, vilões, “cidadãos de bem” e uma parcela de pessoas que estão simplesmente exaustas de tanta injustiça. Em um determinado momento pensei: é o “Tropa de Elite” da DC! José Padilha vai pirar nesse filme! Mas para o bem da mensagem final, o arco do herói (doido pra ser anti-herói) guardava um discreto plot twist. Bem discreto, por sinal.

Parece que esse “The Batman” pegou um pouco do argumento emprestado da trilogia de Nolan. Relembre que durante um baile de caridade da alta sociedade, em “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, Selina Kyle (vivida por Anne Hathaway) diz a Bruce Wayne (na pele de Christian Bale): “Tem uma tempestade chegando, Sr. Wayne. É melhor você e seus amigos se prepararem...Porque quando ela chegar...Vocês irão se perguntar como enriqueceram tanto e deixaram tão pouco para o resto de nós”

E por falar em Mulher-Gato, a interpretada por Zoe Kravitz dar um charme todo especial ao elenco. Ágil, charmosa, multifacetada e decidida, a gatuna contrapõe o mundo fechado, quase míope, de Bruce Wayne e do seu alterego ao oferecer pontos de vista divergentes fazendo o cara pensar “fora da bolha”. E como temos o justiceiro soturno ainda no seu “Ano 2”, elaborando projetos, é natural pensarmos na sua evolução, caso uma trilogia se confirme.

Destaque também para o design e a mixagem de som: um primor à parte! Perceba o ranger do couro no uniforme do Batman; experencie o impacto de um tiro de escopeta à queima-roupa; sinta toda a potência do motor de uma besta em forma de veículo. Nesta nova versão, o Batmóvel é, definitivamente, a reencarnação de “Christine, o Carro Assassino”. A perfeição no trabalho de som é tamanha que nos transporta como passageiros em uma das sequências de perseguição de carro mais animalescas e alucinantes que eu já presenciei numa sala IMAX (não se conforme com menos).

Por fim, “The Batman” transita entre o acerto, quando “o mascarado” entra em ação; e o desacerto da falta de carisma, e de tom, sempre que “o desmascarado” surge em quadro. Isto é: Pattinson convence como Batman, mas não entrega como Bruce. É um desarranjo que não chega a estragar o conjunto da obra, porém, é algo facilmente perceptível e causa uma enorme estranheza.

Quem sabe numa continuação isso venha a ser equacionado para não presenciarmos diálogos e atuações bizarras como aquela em que Bruce visita Alfred no hospital (Andy Serkis). Cesar, Gollum, todos os bichos computadorizados possíveis que o Cinema moderno já concebeu e traços do vampiro crepuscular contracenam naquele momento. Não deu liga. Não me refiro a da Justiça. Gostaria de esquecer essa sequência do hospital, mas não consigo.

HaHaHaHa...   

*Avaliação: 4,0 Pipocas + 4,5 Rapaduras = nota 8,5. 

Comentários
2 Comentários

2 comments:

  1. Show grande Rafael! Eu como fã dos quadrinhos, gostei demais dessa versão detetive noir do Batman (repare que a capa dele tem uma gola, lembrando os grandes casacos dos detetives clássicos), é um aspecto muito importante do personagem, que nunca tinha sido explorada nos filmes. A sua definição de "Uma besta em forma de Veículo" é exatamente o que pensei quando vi o Batmovel "rosnando"! Mulher gato muito boa, pinguim do Colin Farrell muito bom, Gordon meio apagado (não tem como comparar com o Gary Oldman) mas cumpre seu papel, Charada versão Jogos Mortais, diálogos nonsense entre Alfred e Bruce... kkkk enfim, um filme do Batman bem diferente do que já vimos anteriormente. Gostei muito!

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    1. Emanuel sempre acrescentando nos seus comentários. Boas percepções!!

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