quinta-feira, 10 de março de 2022

E o Oscar vai para...GRAVIDADE

                       

Cuarón propõe uma reflexão sobre a vida diante de uma catástrofe.

Por Rafael Morais

Gravidade, do diretor mexicano Alfonso Cuarón (Filhos da Esperança), fala mais sobre um drama (quase um estudo de personagens), tendo como pano de fundo o suspense, do que propriamente uma ficção científica, diferente do que se especulava antes de seu lançamento. O fato é que ao enfocar questões existenciais/ontológicas, a solidão e o autocentrismo, o cineasta flerta com a subjetividade, dando "asas" à identificação direta do público com as personas apresentadas.

Assim, não estamos diante de um blockbuster qualquer. Foram investidos mais de $100 milhões de dólares em computação gráfica e cada centavo é recompensado visualmente, tornando a obra tecnicamente impecável; além de ajudar na construção e linguagem narrativa.

A história, por sua vez, se passa no hostil, enigmático e belo espaço, na órbita terrestre, a 600 quilômetros de altura. Neste ambiente, onde a vida é impossível - poeticamente paradoxal à proposta do filme e o seu desfecho - uma equipe de astronautas e cientistas faz a manutenção e instalação de algumas peças no telescópio Hubble quando surge o alerta trágico: vários detritos estão chegando em alta velocidade à sua posição. Em minutos, pegando todos os astronautas de surpresa, a catástrofe está consumada, não restando nada seguro a se apegarem, a não ser uns aos outros (literalmente). Diante disto, restam apenas a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e o comandante da missão, Matt Kowalsky (George Clooney), à mercê da própria sorte, totalmente indefesos e vagando pelo espaço.

Mas para narrar esta "epopeia" sobre a vida, ou como sobrevivê-la, Cuarón abusa (no bom sentido) de seus já famosos planos-sequência lindamente intermináveis, chegando ao ápice quando aproxima ou distancia o foco/close nos astronautas e os objetos que os cercam. Tudo isso em um mesmo take, como se incluísse o espectador naquela história, forçando-o a confrontá-la de perto, mesmo que não queira - quando há a aproximação - pois não é possível fugir por mais que a câmera se distancie.

Contudo, o que vai imperar durante boa parte da película é a justaposição dos personagens com o espectador, tanto é que em uma belíssima e inesquecível tomada, o cineasta nos transporta para dentro do capacete da Dra. Ryan, onde assumimos o seu ponto de vista e compartilhamos a sua experiência, para depois nos tirar de lá sem um mínimo corte aparente. 

A verdade é que tecnicamente não há o que se repreender em Gravidade. A utilização do som, ou falta dele, bem como a contemplação do silêncio, torna o ensaio ainda mais agoniante, uma vez que o diretor aprendeu com os erros das ficções que não respeitavam algumas leis da física, sendo certo que no espaço o som não se propaga. Logo, mesmo diante de todos os impactos dos detritos com os objetos em cena, não escutamos absolutamente nada, apenas sentimos as colisões. E se você acha que ouviu os estrondos desses choques, saiba que, mais uma vez, o Cinema usou da arte de contar uma mentira, ludibriando-o e fazendo-o acreditar que a trilha sonora de Steve Price, inteligentemente diegética, entra no momento certo, levando o público a "erro". Genial! 

Não menos brilhante, os efeitos visuais são de tirar o fôlego (especialmente em 3D - lágrimas desprovidas de gravidade se cruzam com as do público, apreciando o encanto da fragilidade humana e sua persistência). Explosões em gravidade zero, além de longos e aflitivos planos sem cortes durante as chuvas de detritos que acontecem a cada 90 minutos - tempo esse que serve de parâmetro para que a Dra. Ryan cronometre o que poderá ser o seu fim - tornando o roteiro ágil ao prender a nossa atenção até o final. 

E por falar em roteiro, para boa parte da crítica, este é o único probleminha do filme. Mas como ando longe de ser crítico, não entendo assim. O argumento é perspicaz ao aprofundar - na medida do possível - a personagem principal com o público. Repare que uma simples conversa entre a Dra. Ryan (na pele da surpreendente Sandra Bullock) e o tenente Matt (o sempre competente e talentoso George Clooney) ao ser indagada sobre o seu nome um tanto masculino, a astronauta confessa que o seu pai queria um menino ao invés de menina. É algo simples, mas que faz uma grande diferença em um filme-sobrevivência, onde a vida passará sobre os olhos daqueles que se encontram em uma situação limite. Aliás, Clooney desempenha um papel importantíssimo na trama como um profissional já experiente, servindo como um desafogo a quase insuportável tensão apresentada, praticamente um alívio cômico, ao fazer piadinhas ou emprestar uma voz suave e calma no auxílio à sua colega novata.

Mas é no buscar um sentido para viver, nos "renascimentos" da Dra. Stone - seja em posição fetal ao tirar o seu pesado uniforme, envolta pelas cordas da astronave, tal qual um bebê recebendo o básico para a sua sobrevivência através de um cordão umbilical; seja pelos seus "primeiros"/segundos passos em outro momento da película - que Cuarón encontra no espaço uma beleza para a vida; na natureza física selvagem rebusca um momento para reflexão, onde dirigir, apenas para se deixar levar, sem rumo algum, não nos cabe mais. E não à toa o sobrenome da heroína é Stone, que significa pedra, metáfora para alicerce, matéria-prima de uma fortaleza.

* Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = nota 10.

** A produção concorreu a 10 estatuetas no Oscar de 2014, ganhando 07 no total.

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