Por Rafael Morais
31 de julho de 2017
Após dirigir a chamada “Trilogia do Cornetto – Sangue e Sorvete”
(composta pelos filmes “Todo Mundo Quase Morto”, “Chumbo Grosso” e “Heróis da
Ressaca”) e a adaptação da HQ “Scott Pilgrim Contra o Mundo”, o cineasta Edgar
Wright chega a esse “Em Ritmo de Fuga” disposto a colocar suas digitais numa
obra original, mesmo com um roteiro fragilizado pelos clichês, também escrito
por ele.
A trama acompanha o excêntrico jovem
Baby (Ansel Elgort): o cara precisa ouvir música o tempo todo para silenciar o
zumbido que perturba seus ouvidos desde um acidente na infância. Talentoso
motorista, ele é o piloto de fuga oficial dos assaltos de Doc (Kevin Spacey), mas
não vê a hora de deixar o cargo, principalmente depois que se vê apaixonado
pela garçonete Debora (Lily James). Fundamentado neste aspecto do
argumento, Wright deita e rola na utilização da música para orquestrar as cenas
de ação e até mesmo as sequências em que o bando planeja um assalto. Desta
forma, reside nesta sinfonia o principal diferencial da obra, pois, sincronizar
os sons da ação que estão acontecendo no filme com notas, acordes, melodias ou
batidas das canções, simultaneamente e diegeticamente, revela a paixão do
diretor pela música, além da sétima arte. É uma verdadeira ode à cultura pop,
já que o protagonista escuta de tudo no seu Ipod, presente que ganhou da sua
mãe quando criança. Lembra um pouco Peter Quill (Guardiões da Galáxia) com o
seu toca-fitas, já que ambos são viciados em música e guardam no seu tocador uma representatividade afetiva. Sim, introduzir melodias de maneira
harmônica torna-se uma muleta para o longa, mas não devemos negar a diversão
proporcionada ao público. Aqui, “Queen” surge em momentos catárticos e equaliza
bem as cenas de perseguição de carro, assim como “Hocus Pocus” (Focus) preenche os nossos ouvidos no disparar
frenético de armas de fogo.
Igualmente interessante é notar o esmero na técnica
do cineasta em utilizar as cores primárias nos momentos certos, como na sequência
da lavanderia, onde observamos diversas máquinas ao fundo, por detrás dos
protagonistas, reservando o primeiro plano para o casal apaixonado (Baby e
Debora), sentimento este representado pelas cores, todas vibrantes e quentes,
quase palpável: amarela, vermelha, verde e azul cada qual em uma máquina
diferente. É fato que o diretor tem estilo e o coloca à disposição do filme.
Porém, o mesmo não se pode dizer do roteiro.
Vulnerável pela utilização das
convenções do gênero (“esse será meu último golpe” é o que mais me irrita), “Baby
Driver” peca pelo excesso de argumentos batidos já visto em uma dúzia de produções
sobre assaltos planejados e executados por uma equipe caricata. Assim, Jamie
Foxx (Batts) é desperdiçado por este motivo, sobrando mais tempo de tela para
John Hamm (Buddy), que por sua vez também não aproveita a oportunidade para
desenvolver melhor a canastrice de sua persona. Ainda sobre o elenco, o Baby de Ansel Elgort revela certa ingenuidade e malandragem, ao mesmo
tempo, caindo como uma luva para o papel principal. Kevin Spacey continua
entregando o que lhe é esperado: voz, olhar e intimidação digna de um boss
vilanesco, despontando uma complexidade antimaniqueísta em seu desfecho.
Referenciando direta à filmografia de Quentin Tarantino ao denominar os
membros da quadrilha por codinomes, além da estrutura de montagem e diálogos
aleatórios/ triviais aqui e acolá, Wrigth demonstra ter bom gosto nas alusões estético-técnicas,
podendo caprichar mais no script. Mas, felizmente, o idealizador tem êxito ao
nos fazer sentir na pele os sabores e dissabores do protagonista, mais
precisamente na audição, como na cena em que Bats retira o fone do ouvido
esquerdo de Baby e, ao mesmo tempo, o desenho de som desliga o canal de áudio do
mesmo lado. Ou como naquela em que Baby, intimamente, curte o seu som mixado
por conversas alheias gravadas às escondidas. Hilário! Realmente, o espectador
experimenta o universo do anti-herói.
Ao final, apesar dos pesares, ficam as
sequências alucinantes de ação e perseguição de carros e, sobretudo, a montagem
diegética que funde com precisão filme e música.
*Avaliação: 4,5
pipocas + 4,0 rapaduras = nota 8,5.