terça-feira, 12 de junho de 2012

RAPADURA DE OURO - Crepúsculo dos Deuses

Obra-prima de Billy Wilder, escancara, destemidamente, o backstage de Hollywood em plenos anos dourados. 
Rafael Morais
12 de junho

Em plenos anos 50, o cineasta Billy Wilder entrega um filme extremamente crítico ao próprio método de Hollywood fazer cinema e os seus desdobramentos. Em uma história fascinante, a direção e o roteiro - escrito a três mãos, Wilder e mais dois - conseguem captar diversos pontos que mostram como Hollywood mudou com o passar dos anos: a decadência de uma estrela dos filmes mudos e a falta de emprego para muitos atores antigos no ramo.   

A transição do cinema mudo para o falado acarretou no esquecimento de vários astros e estrelas, que foram substituídos abruptamente, sem dó nem piedade. O olhar expressivo, as mímicas e o estudo do corpo como forma de expressão, não eram mais suficientes. Os diálogos, as explicações das cenas e, por que não dizer, a "verborragia" passou a ser elemento narrativo tão importante quanto o trabalho corporal. Recentemente, O Artista, tratou com bastante clareza sobre o tema em baila, ganhando o Oscar de melhor filme de 2011. Sabemos, todavia, que a Academia tem suas escolhas politicamente corretas, como forma de se desculpar por erros cometidos em seu passado recente, onde alguns atores estavam condenados a cair no ostracismo. Era apenas uma questão de tempo.  

Inserido nesse contexto, Sunset Boulevard, nome da rua onde fica a mansão da estrela - e que dá nome ao filme - guarda uma tradução que se encaixa perfeitamente com a temática: a avenida do pôr-do-sol, crepúsculo, a saída de cena do sol. Nada mais apropriado.

E é nesse endereço que Norma Desmond (a magnífica, Gloria Swanson), ex-estrela dos filmes mudos, vive solitária com seu fiel empregado Max von Mayerling (Erich von Stroheim). Sua vida recebe uma guinada quando o fracassado roteirista – e também personagem principal e narrador da história – Joe Gillis (William Holden) chega a sua casa fugindo de cobradores, utilizando a mansão como cativeiro perfeito para que ninguém o encontre. Quando Norma descobre a profissão de Gillis e sua aptidão para escrever argumentos, resolve lhe mostrar o rascunho de uma história e pede que o rapaz a melhore para que Cecil B. DeMille a dirija no papel principal. E é por esses bastidores da antiga Hollywood que a história vai se desenvolvendo, mostrando todos os podres da indústria, dividindo as opiniões e as críticas. Enquanto alguns aplaudiam por um longo tempo o filme ao término das projeções, outros quase batiam (literalmente) em Wilder, considerando-o um traidor. 

Utilizando de pura metalinguagem para contar a história, Wilder faz cinema, falando sobre o cinema. Genial! A verdade é que de ponta-a-ponta o filme é formado por frases históricas. As situações criadas são de uma genialidade à parte, porque aparentemente elas não têm nada demais, mas o modo como são conduzidas, até mesmo através da narração que vai costurando tudo, faz com que nunca fiquemos cansados ou desinteressados pelo que está sendo mostrado. Um exemplo disso é quando Gillis, nosso odioso protagonista, decide se livrar de toda a escravidão que estava vivendo, já que passara a viver na casa da atriz, eclodindo um relacionamento obsessivo entre os dois, e ao tentar sair da casa acaba, ironicamente, ficando preso pela corrente de sua roupa à maçaneta da porta de entrada, numa clara referência que ele estava preso àquele lugar. 

Não menos inesquecível é a sequência em que Norma Desmond visita o set de filmagens de DeMille, nos estúdios da Paramount, e ali, por poucos instantes, ela se sente imersa naquele mundo que outrora já foi seu. A emoção é completa quando os atores, contra-regras e produtores reconhecem a ex-estrela sentada na cadeira do diretor e correm para contemplá-la. Nesse instante, os holofotes voltam-se para a dama do cinema mudo por alguns segundos, e subitamente, repito, sem dó nem piedade, o implacável diretor manda o iluminador retirar a luz de cima da atriz, como forma de dizer que o tempo dela já passou. De fato, em um impactante diálogo, DeMille adverte Norma : "Os tempos são outros. Tudo está diferente e mais complicado." Em outras palavras: você não tem mais vez e voz.

Vale ressaltar a aura dark e o suspense que envolve algumas cenas, retratando a sensação inebriante da fama ou a ausência dela, como por exemplo, quando Norma já está em notória demência, quase esquizofrênica, e sua obsessão pela fama e glamour fazem-na passar por diversos e tortuosos tratamentos estéticos, na ânsia, desmedida e em vão, pelo papel principal em um novo filme. Mera ilusão! Mesmo que "an passant", notei algumas semelhanças com a personagem de Nina (Natalie Portman) em Cisne Negro de Aronofsky e Norma. Talvez a busca pela notoriedade e pelo sucesso; quem sabe pelo clima sombrio das suas residências (mérito para a fantástica direção de arte); ou a obsessão compulsiva das duas, ainda que diametralmente opostas, onde de um lado está uma artista que pretende, a todo custo, se manter nos holofotes e provar algo a si mesma - Nina - e do outro, está uma atriz esquecida pelo grande público, esmagada pelo "trem" descarrilado do desenvolvimento tecnológico e suas inovadoras formas de comunicação/mídia (Norma).         

Ao final, o mais assustador é observar que mais de meio século de cinema passou desde sua produção e a história de Hollywood não mudou, pelo contrário, se agravou. Crepúsculo dos Deuses é um clássico que serve de inspiração para diversos outros filmes. Uma irônica homenagem ao cinema, feito por quem entende sobre e para quem, assim como eu, quer um dia entender. Imperdível! 


“Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos.”
“Estou pronta para o meu close, Mr. DeMille.”


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