terça-feira, 20 de março de 2012

RAPADURA DE OURO: OS BONS COMPANHEIROS

A máfia sob a genial perspectiva de Scorsese.
Rafael Morais
20 de março de 2012.

Francis Ford Coppola elevou os filmes sobre mafiosos a um patamar impressionante com a saga da família Corleone na trilogia "O Poderoso Chefão". Partindo dessa premissa, o que vimos foram sucessivos filmes sobre máfia, embora nenhum alcance o nível cinematográfico da icônica trilogia. No entanto, surpreendentemente, no ano de lançamento do terceiro filme da saga, o cineasta ítalo-americano Martin Scorsese entrega uma obra idônea e, sobretudo, original. Mas, como de costume em filmes do diretor, o reconhecimento como obra-prima demorou a acontecer. Porém, hoje ninguém duvida que "Os Bons Companheiros" é um filmaço.

Enquanto Coppola trabalha com um registro nostálgico, clássico e bastante estilizado, Scorsese é muito mais dinâmico e realista. E põe realismo nisso, pois, logo na sequência de abertura, já começamos seguindo os três amigos mafiosos (DeNiro, Ray Liotta e Joe Pesci) levando uma vítima que se debate no porta-malas, onde, segundos depois, viria a ser executada a sangue frio à golpes de faca e finalizada à tiros, tudo sem remorso, simples assim.  

“Goodfellas”, de fato, não é um filme comum sobre gângster. Scorsese imprime a sua visão diferente sobre o gênero, tornando a história muito mais interessante. O diretor apresenta uma película agressiva, um verdadeiro soco no estômago do espectador e, principalmente, do sonho americano. Nota-se que Scorsese dedica-se exclusivamente para cada tomada do longa, sempre passando a sua visão, pura e realista. Observe, por exemplo, os belos planos-sequências nas cenas da boate, perpassando todas as figuras envolvidas na história, pormenorizando o meio/ o habitat daqueles "poderosos" homens. 

Baseado em Wise Guys, livro reportagem de Nicholas Pileggi sobre personagens reais. O filme faz uma espécie de painel da história americana em quase 30 anos, através da trajetória do mafioso Henry Hill (Ray Liotta). Ainda garoto, ele se junta à máfia e passa a crescer na organização. Trabalha para o chefão do bairro e torna-se amigo dos "bons companheiros" Jimmy (Robert De Niro) e Tommy (Joe Pesci), que praticamente lhe apresentam ao mundo dos mafiosos. A partir daí, o que se vê, é puro virtuosismo cinematográfico de Scorsese.

A narrativa em off de Henry Hill (Ray Liotta) conversando em tom coloquial com o espectador é sonoramente impecável. Aliás, Liotta dá uma show de interpretação. Vê no papel dado à ele por Scorsese, a chance de entrar de vez em hollywood, já que outrora participara do ótimo "Campo dos Sonhos". Mas o elenco do longa é absurdamente talentoso, e nele vemos outras brilhantes atuações. É impressionante como Robert DeNiro se expressa diante das câmeras. Em várias cenas do filme, basta um olhar para o espectador "se ligar" no recado do personagem. Claro que o melhor de todos é o baixinho mal-encarado que fica por conta do excelente Joe Pesci (ainda melhor que na continuação descompromissada,"Cassino"). Além da pequena participação do "coringa" Samuel L. Jackson.

Também, com um roteiro maravilhoso (escrito pelo próprio Scorsese e o bom companheiro e autor do livro inspirador, Nicholas Pileggi), qualquer atuação mediana seria inaceitável. Felizmente, o que se viu foi uma bela exibição dos comandados de Martin Scorsese. Cinema bruto e, como já disse anteriormente, virtuoso (repare na cena em que Henry Hill (Liotta) esmurra um sujeito com várias coronhadas no rosto, note que a câmera filma tudo estática). Quando assistimos ao filme, percebemos que estamos nas mãos de um mestre.

Para Scorsese, o mafioso, dentre outras características, é aquele sujeito que não se submete as atividades triviais de um cidadão comum.


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