sexta-feira, 24 de junho de 2011

E A RAPADURA DE OURO DA SEMANA VAI PARA ...


Uma das maiores e mais complexas obras-primas do cinema.
Rafael Morais
16 de junho de 2011.

Considerado pela maioria dos estudiosos e cinéfilos de todo o mundo como o melhor filme já realizado (exceto pelo Pipoca&Rapadura, que atribui esse título à trilogia O Poderoso Chefão), Cidadão Kane é um marco na história da sétima arte, seja pelas técnicas de filmagem, seja pela genialidade do jovem Orson Welles, que sem medir esforços e munido de muita coragem, roteirizou, dirigiu e atuou no longa.

Não dá pra falar desse filme sem levar em conta a época de sua realização. O ano era 1941 e um gênio de 20 e poucos anos, chamado Orson Welles, "cobrou o escanteio e ainda marcou de cabeça", isto é, produziu, escreveu, atuou e dirigiu Cidadão Kane de forma icônica. Se hoje em dia tratar temas polêmicos significa mexer na ferida, imaginem o "burburinho" causado pelo jovem cineasta ao expôr toda a sujeira que há por trás do sistema jornalístico mundial. E foi dessa forma que aconteceu. O estopim para o circo pegar fogo já estava aceso e a década de 40 parecia não estar preparada para tanta polêmica e revolução, já que eram tempos tradicionalistas e cheios de regras de conduta.

A história, baseada em acontecimentos reais, conta a ascensão e queda na trajetória de um magnata da comunicação Charles Foster Kane, um americano visionário, ambicioso e austero que consegue fama, dinheiro e polêmicas/problemas durante a sua carreira. Apesar de Orson Welles nunca ter assumido publicamente, o longa é baseado na vida do milionário Willian Randolph Hearst.    

Nas primeiras cenas, já percebemos a qualidade da película, quando o movimento da câmera nos leva da entrada de um castelo até uma janela (takes inovadores para a época) e, através de uma cena transição, somos levados para dentro desse castelo - outro recurso técnico executado brilhantemente - onde vemos uma pessoa segurando uma bola, dizendo "Rosebud". Logo após, ele a solta, entra uma enfermeira no aposento e constatamos que ele está morto.

Tem-se início um filme-documentário que é contado de maneira cronologicamente inversa. A partir daí descobrimos que quem acabara de falecer é o importante Charles Foster Kane e, para os realizadores do documentário, era de capital relevância adicionar um mistério àquela produção bibliográfica. Para tanto, os idealizadores colocaram seus jornalistas em campo em busca de uma resposta que será a espinha dorsal do filme: o que significaria “ROSEBUD", a última palavra, o derradeiro fôlego gasto pelo poderoso Kane?

A genialidade de Welles emerge com essa simples palavra, sabiamente a inserção dessa dúvida atrairia não só a atenção do público, como também traçaria um paralelo imprescindível com a história do personagem principal.

Remetendo-nos à infância de Kane, o enredo, inicialmente, pretende apresentar o conturbado e triste passado daquele que viria a ser um importante homem, mas que na infância não teve vida fácil, sofrendo como poucos até ser adotado (na verdade, doado como um objeto) por um milionário. Inclusive a cena em que os pais do pequeno Kane resolvem entregá-lo ao magnata é de uma delicadeza e densidade sem igual. A câmera inquieta e reveladora acompanha subitamente os dois vértices da realidade. De um lado uma criança inocente brinca em seu balanço, demonstrando a felicidade de estar em seu lar, que mesmo humilde, podia chamar de seu. No outro ponto, pela janela da singela casa, os seus pais negociam a sua "doação", tudo isso com uma tomada simplesmente perfeita, que perpassa o balançar de uma criança contrapondo a dura realidade que está por vir. Emocionante!

A jornada para descobrir o real significado daquele intrigante brado - Rosebud - apenas serviria com pano de fundo para a história, já que o trabalho sobre os personagens era a prioridade do argumento e observar o quão um ser humano podia chegar, era o primordial. Crescer e crescer, essa virou a meta do egoísta Kane, mesmo que para tanto tivesse de jogar sujo, manipular e criar notícias em nome da mídia, do consumo e da popularidade. O seu jornal, logo passou a ser o mais influente, mas nem por isso o de maior credibilidade.

De fato, o aspecto técnico da produção é o que há de melhor nessa obra. E a fotografia é outro fator importantíssimo para o filme. Ao contrário do Expressionismo Alemão, que utilizava das sombras para tornar o protagonista parte do cenário, Gregg Toland (o fotógrafo do filme) utilizou o jogo de luz e sombras para dar o clima dark que queria. Sempre que Kane ia revelando seu lado negro, fazendo suas peripécias egocêntricas, a sombra dominava o cenário, geralmente o encobrindo. O enquadramento foca tanto os primeiros planos como os segundos, sempre jogando com isso, diversas vezes mostrando o teto dos cenários, brincando com o tamanho aparente e seus egos no momento.

Todavia, deixando de lado o plano técnico do longa, o que mais me chamou a atenção foi a maneira perspicaz como o filme é contado, que nos faz refletir o verdadeiro sentido da vida e o  quão passageira ela é. Parafraseando Maximmus – personagem vivido por Russel Crowe em Gladiador - " O que fazemos em vida ecoa pela eternidade".

Pode ser que nem todos gostem tanto assim da história de Cidadão Kane, mas, analisando toda a sua importância, o filme é impecável. Um grande clássico do cinema que deve ser assistido por todos, não importa a idade, o sexo, os valores humanos. Inesquecível, um filme atemporal que estará vivo facilmente por outros tantos anos.


A meu ver, Rosebud é algo peculiar e inerente a Kane, que de forma complexa e íntima representa a sua essência a qual sempre o acompanhou e um passado que não volta mais. Enfim, nos últimos lampejos de vida, sem dúvida, todos teremos nosso momento Rosebud.

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