terça-feira, 16 de setembro de 2025

A Vida de Chuck


Por Isa Barretto 

'A Vida de Chuck' é um filme que se desenha de trás para frente, como quem, diante da morte, decide revisitar cada instante com a clareza do que realmente importa. Mike Flanagan, ao adaptar Stephen King, constrói uma narrativa que não se apoia em sustos ou efeitos, mas naquilo que é mais humano: a consciência de que somos finitos e, justamente por isso, podemos ser grandiosos. O filme começa pelo fim, pelo apagamento do mundo e da vida, e daí regressa à infância do protagonista, revelando não apenas um homem, mas a soma de seus gestos, de seus afetos e de sua escolha em viver de modo extraordinário diante do ordinário.

Tom Hiddleston dá corpo a um Chuck adulto que não se conforma em apenas existir. Ele escolhe encantar, escolhe dançar no meio da rua quando todos se recolhem, escolhe agradecer mesmo quando nada parece restar. E é nessa decisão de ser luminoso no escuro, de criar beleza em meio à ruína, que reside a grandeza do personagem. O extraordinário não surge de poderes sobrenaturais ou de feitos impossíveis, mas da coragem de transformar o banal em epifania, de fazer da própria vida um palco no qual multidões podem se emocionar.

A direção de Flanagan nos lembra, com ritmo contemplativo e imagens carregadas de melancolia, que cada gesto simples é imenso quando visto da perspectiva do fim. O avô vivido por Mark Hamill amplia essa dimensão, ao trazer nas entrelinhas a dor, o amor e os vínculos que moldam quem somos. Há poesia em cada detalhe, na forma como o tempo é tecido ao contrário, como se o filme quisesse nos dizer que só quando olhamos para trás compreendemos a delicadeza de cada camada da existência.

No fundo, 'A Vida de Chuck' é menos sobre a morte e mais sobre a escolha de viver de modo inteiro, de ser maravilhoso diante da banalidade, de transformar o ciclo da vida em um espetáculo que merece aplausos. O filme nos lembra que todos carregamos a possibilidade de ser lembrados não pelo que acumulamos, mas pelo que conseguimos transmitir: encantamento, generosidade, humanidade. E quando o fim chega — como chegará para todos — resta a certeza de que o extraordinário aconteceu, porque alguém decidiu enxergá-lo e criá-lo no meio da vida comum.

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