*resenha escrita em fevereiro de 2018
A importância de um filme solo do “Pantera Negra” para o UCM (Universo Compartilhado da Marvel) reside mais nas questões políticas/sociais/culturais abordadas, do que propriamente para amarrar a linha cronológica com as outras produções. O que é uma ótima notícia! Portanto, posso afirmar que estamos diante da obra mais emblemática do Marvel Studios no quesito temática, porém, menos impactante visualmente. E tudo começou com a contratação do excelente diretor e roteirista Ryan Coogler (“Fruitvale Station” e “Creed – Nascido para Lutar”), demonstrando que o estúdio queria algo diferente da famigerada fórmula. E conseguiu.
Assim, para contar a trajetória de T’Challa (Chadwick Boseman) após os acontecimentos de “Capitão América: Guerra Civil”, a história nos leva à misteriosa e rica Wakanda, terra do herói do título, o El Dorado da alta tecnologia banhada por vibranium: o metal mais precioso e cobiçado do mundo fictício (ou seria o adamantium do Wolverine?). Por este motivo, tentando conciliar a morte do seu pai, o rei T’Chaka (John Kani), o nosso herói da vez enfrenta as ameaças do Garra Sônica/Ulysses Klaue (Andy Serkis, fantástico como sempre) que se alia a Erikl/Killmonger (Michael B. Jordan, parceiro habitual de Coogler), cada qual com as suas intenções.
Destaco também as referências cinematográficas que captei com olho de cinéfilo, pois, lembrei-me de “O Rei Leão” no momento em que toca uma canção parecida com a abertura da animação; afinal, estamos na África onde um príncipe tem que assumir o lugar do pai/Rei que faleceu, enfim; e também me recordei de “007”, no instante em que T’Challa testa armas e acessórios inusitados antes de sair para uma arriscada missão, projetadas pela excêntrica engenheira Shuri (Letitia Wright), quase igual James Bond fazia com a icônica figura do engenhoso “Q”.
Mas para não dizer que tudo são flores, a película apresenta um ritmo arrastado no primeiro ato – sem esquecer que a duração total é de longas duas horas e quinze minutos - sobretudo nas conversas espirituais enfadonhas com o seu pai (com exceção do belo e significativo take da árvore repleta de panteras ancestrais), o protagonista parece perdido na narrativa e demora a tomar as iniciativas, o que acaba se refletindo numa montagem pouco inspiradora. Eu sei que esse tempo é necessário para acimentar a jornada do herói.
Mas “para nossa alegria” (e não me refiro ao hit do Youtube), tal problema some nos demais atos do longa, sendo tomado por um ritmo crescente das viradas e reviravoltas no roteiro e na resolução do conflito pelo protagonista, agora centrado no que deve ser feito.
Tecnicamente, a composição do rapper Kendrick Lamar casa com a proposta narrativa, entregando uma música-tema empolgante, que por sua vez se harmoniza com a trilha sonora anacrônica de Ludwig Goransson, capaz de misturar batidas de sons tribais africanos antigos com um hip hop remix hightech. E ficou explosivo o resultado!
Pena que não posso dizer o mesmo do CGI (computação gráfica). Mal resolvido visualmente, os efeitos especiais não enchem os olhos do espectador, sendo ressaltado nas últimas cenas de combate, além dos momentos em que o Pantera tem que saltar ou se movimentar, parecendo mais um boneco emborrachado mal renderizado, soando nada verossímil. Neste quesito, a ambientação ao admirável mundo novo de Wakanda também é inventivamente limitada, uma vez que se resume a apenas uma cena de rua (aquela em que uma espécie de ônibus/coletivo passa entre os transeuntes), falhando ao imergir o público naquele remoto país.
No entanto, felizmente, há mais pontos positivos do que negativos. O vilão, por exemplo, é, de longe, o mais complexo do UCM. O Killmonger de B. Jordan é presentado com diálogos fortes e motivações convincentes. O fato é que um bom roteiro, atuações excelentes e a marca da alma/identidade de um filme são uma das fórmulas para o sucesso. E isso “Pantera Negra” tem de sobra!
Reservando ainda um embate de postura política, muito mais do que de músculos, o duelo do protagonista e antagonista remete àqueles pregados com intensidade por Martin Luther King e Malcom X, respectivamente, quando o primeiro acreditava numa convivência pacífica entre negros e brancos e o outro acreditava na segregação total destas raças.
Por fim, esta obra cinematográfica representa, desde o seu título (leia sobre o Partido dos Panteras Negras, movimento social americano da década de 60) até o último frame, uma ode à diversidade, ao altruísmo, à multicultura e à representatividade. E isso só comprova a genialidade de Stan Lee e Jack Kirby que conceberam esse e tantos heróis numa época em que eram chamados de desocupados por gostar de “revistinhas”, vejam só.
*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,0.