quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Dica Netflix: PROJETO X - UMA FESTA FORA DE CONTROLE

                    
O Projeto X da geração Y.
Por Rafael Morais

*resenha escrita em julho de 2012.

E eu pensava que Ferris Bueller tinha curtido a vida adoidado...Não, não me entendam mal, pois eu também sou um fã inveterado do filme de 1986, e não perdia nenhuma vez que passava na Sessão da Tarde. Porém, sei que tudo está proporcional à sua época. Se naqueles tempos, "matar uma aula" para tirar um dia de folga com um amigo e sua namoradinha era algo reprovável, hoje em dia fazer o que Costa, Thomas e J.B fizeram em Projeto X está diretamente proporcional aos nossos tempos. 

O filme conta a história destes três adolescentes que fazem parte da "turma invisível", ou seja, aquela patota nada popular da escola, mas que, no aniversário de um deles, resolvem aproveitar que a casa estará vazia e fazer uma festa inesquecível. E, sem medo de spoilers, já adianto: os caras conseguem.

Utilizando-se mais uma vez o estilo de filmagem encontrada (found footage) popularizado em A Bruxa de Blair, aperfeiçoado em Atividade Paranormal e elevado a outro patamar em Poder Sem Limites, Projeto X consegue escapar das armadilhas da fórmula apresentada pelo gênero ao focar basicamente na tal festa adolescente que foge absurdamente do controle e acaba virando notícia nacional. A câmera na mão comandada por um colega do trio protagonista faz todo o sentido aqui e te coloca no lugar em que você mais gostaria de estar, no meio da festa, dançando com a galera, tomando tudo o que aparece na frente e aproveitando ao máximo cada segundo. Somando-se à câmera principal, temos trechos captados por iPhones, Blackberries e Flips que a produção forneceu aos atores e figurantes durante a balada épica.

Apesar de muitos críticos torcerem o nariz para a produção, bem como para o desenvolvimento do filme por acharem desmedido e altamente reprovável, do pondo de vista cinematográfico, e até mesmo social, acredito que o Cinema como arte não deve se ater a obras "certinhas" ou comedidas, até porque a censura, passada a fase ditatorial, tornou-se mais branda. Para os que não entenderam o espírito do longa, Projeto X foi feito para a geração YouTube, que vê o mundo em cortes rápidos, através das telinhas das filmadoras digitais barateadas, dos celulares que captam todas as cenas do cotidiano, enfim, do vídeo democratizado. Se você não vestir a camisa da Geração Y, jamais vai entender ou curtir o filme. E Todd Phillips (Caindo na Estrada, Se Beber Não Case, Um Parto de Viagem) conseguiu produzir e entregar um material que condensasse todas as suas obras em uma só. Em um certo momento, parece que estou assistindo a um The Hangover, versão teen.

Apesar de curto - apenas 87 minutos - o ritmo, literalmente, alucinante do longa faz parecer que ele é mais extenso do que realmente é. Até aí, tudo bem. O problema é que o roteiro do promissor Michael Bacall (Scott Pilgrim, Anjos da Lei) não consegue dar um desfecho compatível com o que havia sido mostrado até então. A comédia fica um pouco deixada de lado diante da reaparição de um personagem mostrado lá no início. A história vira quase que um filme de ação/guerra. E a festa apenas termina.

Resumindo, pegue um liquidificador e bata: doses cavalares de Se Beber Não Case, misture referências a John Hughes, acrescente extrato de aroma de Poder Sem Limites, várias pitadas de Superbad - É Hoje, com a essência de Bruxa de Blair. Pronto! Chegamos ao resultado no sense que é essa película. De resto, estão todos os clichês de filmes sobre adolescentes: a vontade de ser popular, o anseio de finalmente pegar alguém, a dificuldade de conseguir bebida, o carrão intocável do pai e tudo que eles têm ou não direito.

*Avaliação: 5,0 Pipocas + 3,5 Rapaduras = 8,5.

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Nos Cinemas - NÃO! NÃO OLHE!


Por Rafael Morais

* SEM SPOILERS

O início do terror moderno se confunde com a estreia de Jordan Peele como cineasta em "Corra!" Agora, em "Não! Não Olhe!", a fórmula atinge o seu ápice nesse thriller magnético e alegórico.

O argumento da vez, aparentemente simples, aborda a vida de uma família que vive no interior da Califórnia, local que começa a ter eventos estranhos e, ao que tudo indica, extraterrestres. Os irmãos Emerald e OJ Haywood, interpretados por Keke Palmer e Daniel Kaluuya, possuem um rancho de cavalos e são vizinhos de um parque de diversões inspirado no velho oeste e em uma série de televisão do personagem Ricky “Jupe” Park, vivido por Steven Yeun.

Assim, a família rancheira Haywood, na verdade, é tradicional como domadora e adestradora de equinos, inclusive quando o assunto é Hollywood, uma vez que os seus animais já fizeram participação em diversos filmes. Aliás, os irmãos são descendentes do jóquei retratado no curta-metragem de 1878 O Cavalo em Movimento, considerado como um dos primeiros exemplos de um filme.

Contudo, depois que objetos aleatórios caem do céu, resultando na morte de seu pai, os protagonistas fazendeiros tentam capturar evidências em vídeo de um objeto voador não identificado com a ajuda do vendedor de tecnologia Angel Torres (Brandon Perea) e do documentarista Antlers Holst (Michael Wincott).

Utilizando a metalinguagem do início ao fim, o que me surpreendeu positivamente, o longa traça paralelos com o backstage do Cinema e a importância de cada elemento de cena, locação e parafernalha para se fazer uma obra audiovisual; bem como a relevância de cada "ator" (no sentido amplo da palavra, daquele que atua para fazer acontecer) que faz a engrenagem funcionar, não somente o elenco/cast em si. 

Desta forma, apesar do título ser enfático à mensagem de “Não Olhe!”, o filme é um convite para olharmos sim, porque somos humanos, porque somos instigados a isso. E melhor, contemplarmos o extracampo, mirarmos para além do eixo principal. Observar as entrelinhas, o periférico e a coadjuvação é o objetivo.

Outra abordagem interessante - afinal estamos falando sobre uma produção de Jordan Peele e apenas uma interpretação é pouco diante de tanto simbolismo - é a consequência do ato de olhar demais: o voyeurismo. Sim, o cinéfilo é um voyeur na essência e fica difícil um pedido para não prestarmos atenção em algo estampado numa tela enorme bem na nossa frente. O efeito é o extremo oposto da mensagem: nós olhamos por pura curiosidade. Mesmo que ela seja mórbida. Talvez o sucesso desses programas policiais que passam na hora do almoço se deva exatamente a isso: é grotesco, perigoso e sujo, mas eu vou assistir! Com um sanduíche na mão e um controle sintonizado no "Barra Pesada", confundiremos catchup com sangue como uma ficção jamais fez.

E se o medo do desconhecido instiga, esse "Nope" é um prato cheio! Aqui, a espetacularização é o mote do roteiro. A certa altura do longa, um personagem diz: "tudo que tem espírito pode ser domado". Da mesma forma que subestimar um animal selvagem (seja ele o homem ou não) é mexer num vespeiro, é brincar com fogo e com algo que está prestes a explodir. Não importa se aguçar seres selvagens e encarar um bicho quase indomável é arriscado. O que importa é o frame perfeito, a busca pelo contato, pela viralização, quem sabe; muito embora não se tenha a menor noção de como chegar, de como domar, de qual o costume tem aquele ser.

Conhecer antes de se aproximar deveria ser a tônica, mas não é. Pelo menos para a maioria. Mas para OJ (Kaluuya), que lida com animais a vida toda, o respeito à natureza selvagem está em primeiro lugar. Talvez por isso o seu personagem foi o que primeiro "descobriu" qual era o modus operandi daquele objeto voador que ameaçava a todos. “Como se diz milagre ruim?!” Questiona OJ lá pelas tantas ao testemunhar um fenômeno aterrador incompreensível. Ele pode até não ser hábil nas palavras, em contrapartida, tem a expertise de compreender o mundo animal. Afinal, “em terra de cego quem tem um olho é rei!”

Remetendo a obras como "Sinais" (M. Night Shyamalan) e "Fogo no Céu" (Robert Lieberman), no aspecto do suspense e toda sua construção, mas sobretudo a "Guerra dos Mundos" e "Contatos Imediatos de 3⁰ Grau" no quesito grandiosidade e espetáculo visual, "Não! Não Olhe!" flerta mesmo é com "Tubarão" - do também idealizador dos dois últimos longas citados. Steven Spielberg é praticamente homenageado, uma vez que todo filme de "monstro", ou de nêmesis que representa uma força colossal da natureza, foi o diretor que concebeu o conceito e a métrica em "Jaws". Mas se lá, o perigo ameaçador estava sob as águas; aqui, paira entre as nuvens. É como se o "Tubarão" visitasse uma fita de faroeste.

Não menos fantástica, a edição e a mixagem de som são um show à parte. O ranger, a gritaria, o desligar dos objetos, o som bizarro de uma criatura desconhecida: está tudo lá, perfeitamente imaginado e captado. A sensação é de estar sendo sugado junto, ou seria abduzido?! Visualmente impecável, a película tem uma fotografia contemplativa capaz de explorar bem as paisagens abertas, sem deixar de lado os enquadramentos fechados para dar a sensação de angústia claustrofóbica em certos momentos apavorantes. A ambientação também é incrível, vale mencionar. 

Por fim, a percepção que fica é de uma obra repleta de metáforas inteligentes que conversa com alguns dilemas humanos. O público, certamente, irá se divertir ao juntar cada peça do quebra-cabeça. Fazer o espectador pensar e discutir ao final da sessão já é um mérito hoje em dia.

*Avaliação: 4,5 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 9,5.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Dica HBO Max: MILLENIUM - OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES


Por Rafael Morais

Uma heroína bem ao estilo Fincher.

*resenha escrita em fevereiro de 2012

Assim que saiu a notícia sobre a refilmagem de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, ainda sem divulgar o diretor, confesso que fui preconceituoso, pois os rumores davam conta de que seria mais uma investida de Hollywood em obras que não tinham necessidade de serem revisitadas. Mas os burburinhos me ajudaram a pensar negativamente, já que estavam cogitando Brad Pitt no papel de Mikael, me fazendo pensar que a Lisbeth seria Angelina Jolie

Brincadeiras à parte, mais uma vez eu estava redondamente enganado, a versão de David Fincher fez o sueco soar como uma sessão de SuperCine. A densidade que faltou na primeira versão, dessa vez está na medida. A fotografia dark, ao som de uma trilha sonora digna do enredo, e belas atuações coroam essa obra-prima. 

Na verdade, tudo depende da visão peculiar do cineasta sobre uma cena, ou acerca de um personagem. E Fincher não só imprime o ritmo certo à trama, como também anda sobre um "terreno" seguro, onde a realidade, morbidez e detalhismo são os seus pontos fortes. Na versão atual, o diretor adota Lisbeth (a irreconhecível Rooney Mara) como a sua heroína, que mesmo fisicamente fragilizada demonstra uma fortaleza feita de amargura, ressentimentos e desconfianças, principalmente diante do sexo oposto. No entanto, essa carcaça misógina cai por terra quando enxergamos, em alguns momentos, uma menina-mulher, como nas duas cenas em que a personagem está lanchando um Mc Lanche Feliz. É, roubaram a sua infância e isso não volta mais.

Igualmente interessante é a cena em que Lisbeth começa a narrar, diante de fotos no computador, em detalhes, as formas como as vítimas foram mortas; Mikael (o sempre competente, Daniel Craig) pede-a que pare, apesar da visível empolgação da mulher. É a mesma morbidez que, em outro momento, fará a hacker aceitar o jornalista como parceiro sexual digno: logo depois que ela sutura uma ferida na testa de Mikael. O respeito à dor é caro e digno para Lisbeth (repare a indiferença da personagem quando o tatuador avisa que vai doer, e ela "dá de ombros"), como já era esperado de uma heroína vinda de Fincher (Sigourne Weaver em Alien 3, lembra?).

Contudo, o que realmente me deixou impressionado com o filme é a facilidade e o estilo do cineasta ao rodar takes complexos, e que exigem um maior grau de detalhes, como na sequência em que Mikael assinala nos documentos, com um preciso marca-texto que não deixa passar nenhuma observação, demarcando trechos relevantes, e ao fundo imagens surgem ilustrando tudo aquilo. Genial! 

Inclusive, a película por diversas vezes nos dá a sensação que estamos lendo o livro, só que ilustrado, no audiovisual, dado o grau de detalhes captados pelo perspicaz olhar de seu idealizador. Claro que o resultado não teria sido excelente, sem o meticuloso trabalho da direção de arte aliada à técnica da mixagem e edição de som. Um show à parte. Como por exemplo disso perceba os dizeres na camiseta de Lisbeth, demonstrando um pouco da sua personalidade; a casa em que Mikael se hospeda; os efeitos de som, perfeitamente orquestrados. Tudo auxilia e dialoga com o suspense psicológico enervante e crescente proposto.

A propósito, a sequência de abertura, acompanhando a trajetória da protagonista, é sensacional ao som de Trent Rezno reembalando o Immigrant Song do Led Zeppelin (ft. Karen O); trilha feita sob encomenda para o longa.

Respeitando o espírito do livro de Stieg Larsson (Millennium: The Girl with the Dragon Tattoo), o roteiro reserva diálogos afiados, viscerais e arrebatadores. É de impressionar a frieza do papo sórdido e doentio de Mikael e Martin no terceiro ato. Ali, temos um vislumbre de onde o jornalista se meteu. Além disso, o estudo de personagem é uma das grandes marcas dessa obra. Desvendar e observar o desenvolvimento de cada integrante daquela nefasta família, bem como do jornalista e da hacker, é um dos méritos do filme. 

Enfim, para aqueles que acham que uma adaptação deve seguir fielmente o livro, aconselho repensar a sétima arte, pois um cineasta não deve se prender, alienadamente, a nenhum tipo de paradigma. E Finhcer, modificando um detalhe no desfecho, que, aliás, é de uma sensibilidade sem igual e organicamente harmônico com as sequências vindouras, conseguiu atrair a ira de alguns fãs da obra literária. Não se esqueçam: uma adaptação é baseada livremente na história (já dizia Kubrick quando fez "O Iluminado").

* Avaliação: 5,0 Pipocas + 5,0 Rapaduras = 10,0.


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Dica Streaming – A CHEGADA


Por Rafael Morais

*resenha escrita em 25/11/2016

“Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?”. Eis um questionamento do filósofo alemão Nietzsche que, entre tantas outras ponderações, vem a dialogar com o novo trabalho do cineasta canadense Denis Villeneuve. Audacioso, no bom sentido, intrigante e filosófico, “A Chegada” não subestima em nenhum momento o espectador, demonstrando uma autoconfiança invejável do diretor e do roteirista Eric Heisserer, principalmente neste gênero de filme, onde o excesso de didatismo costuma imperar. 

Imagine o mundo tomado, de repente, por doze ovnis espalhados por diversos continentes. Nesse contexto, conhecemos a intérprete/linguista Louise (Amy Adams), que convocada pelo coronel Weber (Forest Whitaker) faz parte de uma equipe de cientistas, da qual também está o físico/matemático Ian (Jeremy Renner), tudo para tentar traduzir a mensagem dos visitantes inesperados. O desespero das diferentes nações diante do desconhecido, dos militares frente a uma provável ameaça e dos religiosos constatando as suas crenças caírem por terra.

Afinal, o que eles querem de nós? Essa é a premissa do longa, capaz de prender a nossa atenção do início ao fim. E muito se deve ao talento de Villeneuve ao abordar a linguagem como força motriz do filme, inclusive a cinematográfica, o que faz com maestria. Brincar com uma montagem não linear, tal qual o conceito de palíndromo (frase ou palavra que se pode ler, indiferentemente, da esquerda para a direita ou vice-versa), criando uma identidade harmônica com o que está sendo visto. 

Assim, instigar o público, já curioso por natureza, se torna uma arma (ou seria ferramenta?) na mão do idealizador. Perceba a curiosidade superficial dos personagens em saber o formato dos alienígenas, pelo menos em dois momentos, identificando-se com a do espectador, freando a expectativa e colocando mais suspense no que está por vir“Eles possuem boca?”, pergunta Louise ao coronel num primeiro momento, sendo abruptamente desconversada pelo militar; “como eles são?”, pergunta Ian a um dos cientistas; “você vai já ver”, responde antes de entrar na câmara.

Para quem conhece as outras obras do cineasta, fica fácil observar as semelhanças entre elas. A alta dose de tensão empregada na sequência do carro em “Sicario: Terra de Ninguém” lembra o primeiro encontro dos cientistas com os alienígenas pela perspectiva de Louise. Respiração ofegante, preparação angustiante e esta tensão crescente são digitais do idealizador. Ambientação atmosférica ideal que, somada aos lindos planos aéreos, servem não somente para nos situar na geografia do local, como também para lembrar o quão efêmeros somos. E a música de Jóhann Jóhannssonparceiro habitual na filmografia do canadense, é forjada com os próprios elementos da narrativa, através dos sons emitidos pelos aliens - lembrando “Sinais” do Shyamalan, neste aspecto - compondo a trilha ideal para o clímax. 

Dono de uma fotografia incrível, com referências diretas a “Contato” e “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, sem esquecer “Solaris” e “Interestelar”, o filme sabe onde está pisando, deixando o seu recado para quem quiser ouvir, ou sentir seria mais apropriado?! O fato é que neste misto de suspense com sci-fi há espaço para abordar temas primordiais, sem jamais soar piegas, principalmente nos dias atuais, tais como: a importância de uma boa comunicação, a utópica união entre os povos, solidariedade, altruísmo, entre outros.

Deste modo, o peso no drama da protagonista é essencial para que compreendamos o sentido da mensagem, tudo construído por elipses que captam os principais momentos de mãe e filha, numa sequência de abertura que lembra um misto de “Up” com “Árvore da Vida”. Aliás, Terrence Mallick pode ser sentido em diversas cenas da fita, desde o toque de um empolgado cientista na concha (como chamam o ovni), algo bem intimista, até nos enquadramentos que miram a natureza.

Ao final, assim como a protagonista se desfez das suas pesadas vestimentas para conseguir se comunicar, dispa-se dos preconceitos, dos estereótipos, e encare o novo: vá ao Cinema e experiencie um dos melhores filmes do ano!

*Avaliação: 5,0 pipocas + 5,0 rapaduras = nota 10.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Nos Cinemas - TREM-BALA

Por Rafael Morais

Em “Trem-Bala”, Ladybug (Brad Pitt) é um criminoso “azarado”, determinado a fazer seu trabalho pacificamente depois de muitas missões saírem dos trilhos. Quase desistindo de sua carreira, ele é recrutado por Maria Beetle (Sandra Bullock) para coletar uma maleta em um trem-bala indo de Tóquio para Morioka. O destino, no entanto, pode ter outros planos, pois a última missão de Ladybug o coloca em rota de colisão com adversários letais de todo o mundo - todos com objetivos conectados, mas conflitantes. A bordo estão os companheiros assassinos Kimura (Andrew Koji), Príncipe (Joey King), Lobo (Bad Bunny), Vespa (Zazie Beetz), Tangerina (Aaron Jhonson) e Limão (Brian Tyree).  

A nova produção da Sony Pictures é um misto de “Velocidade Máxima”, “John Wick” e “Velozes e Furiosos”. Pegue tudo isso e bata num liquidificador de referências e estilos, sem esquecer a pegada de Pulp Fiction na dinâmica entre a dupla Tangerina e Limão (remetendo a John Travolta e Samuel L. Jackson); e, claro, muita inspiração nos longas de Guy Ritchie, sobretudo “Snatch - Porcos e Diamantes” e “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”. 

Exagerada, a película não poupa o espectador com um segundo de descanso. Corte pra cá, corte pra lá...pancadaria, revelações, violência gráfica e mais ação! O roteiro brinca em conectar cada personagem com a trama através de flashbacks mostrando o passado e o motivo pelo qual cada um foi parar naquele trem. Vingança, sorte e azar são temáticas recorrentes do script. Visualmente, parece que estamos assistindo a uma adaptação de anime em live action.

Para tanto, o cineasta David Leitch se vale de artifícios que envelheceram mal no Cinema, mas que caem como uma luva para filmes do tipo thriller ou de assalto, por exemplo. Os famigerados letreiros pausados para apresentar cada personagem e os seus respectivos codinomes. Tipo, imagine a cena onde um letreiro diz: RAFAEL MORAIS, MAIS UM CRÍTICO DE CINEMA DA INTERNET. Cena pausa - com esse letreiro estampado com cores berrantes em neon, se possível - e um take me mostra digitando esta resenha em um computador (rsrsrs). É assim o tempo todo. Não espere por originalidade aqui. Se desapegue das leis da física e conte com a diversão, isso tem de sobra. 

A trilha sonora, composta por músicas das mais diversas possíveis, é um destaque à parte ao se harmonizar com o impacto visual apresentado na telona. A versão japonesa de Stayin' Alive, do Bee Gees, contagia e nos faz balançar na poltrona. 

Mas o melhor mesmo fica por conta da utilização de todos os elementos da comédia na interação entre os personagens durante essa caótica viagem. O filme não se leva a sério e você também não deve levar. A maioria das piadas funciona demais, enquanto que outras vão se desgastando e surgem deslocadas com o decorrer da projeção.

Brad Pitt ativa o seu timing cômico e comanda o protagonismo com uma performance repleta de energia. O cara começa todo arrumadinho, concentrado e zen, mas lá paras tantas já está ensanguentado, roupa rasgada, cabelos assanhados e nervoso. Hilário e interessante ver o personagem se desconstruir numa entrega corporal tamanha, quase como um chamado para a aventura às avessas ou uma jornada do anti-herói. O gore, por sua vez, corre solto e o sangue jorra com gosto. Isso explica a classificação indicativa ser de 16 anos. 

Entretanto, infelizmente, o filme perde o fôlego (não no sentido de desacelerar, mas de se repetir) a partir da metade do segundo até o desfecho. Àquela altura, eu já queria "saltar daquele trem" a todo custo. É como se estivéssemos rodando no mesmo brinquedo de um parque de diversões e já quisesse parar por estar se sentindo enjoado (a gente é só passageiro prestes a partir). As reviravoltas se tornam previsíveis, as sequências de ação passam a cansar e o humor cai na galhofa. 

Por fim, "Trem-Bala" é um thriller de ação, com uma comédia desbalanceada, que quase não respira ao imprimir um ritmo alucinante à sua montagem. David Leitch (diretor de Deadpool 2) emula Tarantino aqui, Guy Ritchie acolá, entregando um filme divertido e escapista. 

*Avaliação: 4,5 Pipocas + 2,5 Rapaduras = 7,0.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Dica Disney Plus - PANTERA NEGRA


Por Rafael Morais

*resenha escrita em fevereiro de 2018

A importância de um filme solo do “Pantera Negra” para o UCM (Universo Compartilhado da Marvel) reside mais nas questões políticas/sociais/culturais abordadas, do que propriamente para amarrar a linha cronológica com as outras produções. O que é uma ótima notícia! Portanto, posso afirmar que estamos diante da obra mais emblemática do Marvel Studios no quesito temática, porém, menos impactante visualmente. E tudo começou com a contratação do excelente diretor e roteirista Ryan Coogler (“Fruitvale Station” e “Creed – Nascido para Lutar”), demonstrando que o estúdio queria algo diferente da famigerada fórmula. E conseguiu.

Assim, para contar a trajetória de T’Challa (Chadwick Boseman) após os acontecimentos de “Capitão América: Guerra Civil”, a história nos leva à misteriosa e rica Wakanda, terra do herói do título, o El Dorado da alta tecnologia banhada por vibranium: o metal mais precioso e cobiçado do mundo fictício (ou seria o adamantium do Wolverine?). Por este motivo, tentando conciliar a morte do seu pai, o rei T’Chaka (John Kani), o nosso herói da vez enfrenta as ameaças do Garra Sônica/Ulysses Klaue (Andy Serkis, fantástico como sempre) que se alia a Erikl/Killmonger (Michael B. Jordan, parceiro habitual de Coogler), cada qual com as suas intenções.

Destaco também as referências cinematográficas que captei com olho de cinéfilo, pois, lembrei-me de “O Rei Leão” no momento em que toca uma canção parecida com a abertura da animação; afinal, estamos na África onde um príncipe tem que assumir o lugar do pai/Rei que faleceu, enfim; e também me recordei de “007”, no instante em que T’Challa testa armas e acessórios inusitados antes de sair para uma arriscada missão, projetadas pela excêntrica engenheira Shuri (Letitia Wright), quase igual James Bond fazia com a icônica figura do engenhoso “Q”.

Mas para não dizer que tudo são flores, a película apresenta um ritmo arrastado no primeiro ato – sem esquecer que a duração total é de longas duas horas e quinze minutos - sobretudo nas conversas espirituais enfadonhas com o seu pai (com exceção do belo e significativo take da árvore repleta de panteras ancestrais), o protagonista parece perdido na narrativa e demora a tomar as iniciativas, o que acaba se refletindo numa montagem pouco inspiradora. Eu sei que esse tempo é necessário para acimentar a jornada do herói.

Mas “para nossa alegria” (e não me refiro ao hit do Youtube), tal problema some nos demais atos do longa, sendo tomado por um ritmo crescente das viradas e reviravoltas no roteiro e na resolução do conflito pelo protagonista, agora centrado no que deve ser feito.    

Tecnicamente, a composição do rapper Kendrick Lamar casa com a proposta narrativa, entregando uma música-tema empolgante, que por sua vez se harmoniza com a trilha sonora anacrônica de Ludwig Goransson, capaz de misturar batidas de sons tribais africanos antigos com um hip hop remix hightech. E ficou explosivo o resultado!

Pena que não posso dizer o mesmo do CGI (computação gráfica). Mal resolvido visualmente, os efeitos especiais não enchem os olhos do espectador, sendo ressaltado nas últimas cenas de combate, além dos momentos em que o Pantera tem que saltar ou se movimentar, parecendo mais um boneco emborrachado mal renderizado, soando nada verossímil. Neste quesito, a ambientação ao admirável mundo novo de Wakanda também é inventivamente limitada, uma vez que se resume a apenas uma cena de rua (aquela em que uma espécie de ônibus/coletivo passa entre os transeuntes), falhando ao imergir o público naquele remoto país.

No entanto, felizmente, há mais pontos positivos do que negativos. O vilão, por exemplo, é, de longe, o mais complexo do UCM. O Killmonger de B. Jordan é presentado com diálogos fortes e motivações convincentes. O fato é que um bom roteiro, atuações excelentes e a marca da alma/identidade de um filme são uma das fórmulas para o sucesso. E isso “Pantera Negra” tem de sobra!

Reservando ainda um embate de postura política, muito mais do que de músculos, o duelo do protagonista e antagonista remete àqueles pregados com intensidade por Martin Luther King e Malcom X, respectivamente, quando o primeiro acreditava numa convivência pacífica entre negros e brancos e o outro acreditava na segregação total destas raças.

Por fim, esta obra cinematográfica representa, desde o seu título (leia sobre o Partido dos Panteras Negras, movimento social americano da década de 60) até o último frame, uma ode à diversidade, ao altruísmo, à multicultura e à representatividade. E isso só comprova a genialidade de Stan Lee e Jack Kirby que conceberam esse e tantos heróis numa época em que eram chamados de desocupados por gostar de “revistinhas”, vejam só.

*Avaliação: 4,5 pipocas + 4,5 rapaduras = nota 9,0.